A filosofia pirrônica
Tudo quanto sabemos das concepções de Pirro nos chegou por testemunhos
de seus próximos (mencionados por Diógenes de Laércio) e pelos escritos de Tí
mon de Fliunte (dos quais restaram fragmentos).
Considera-se que o testemunho mais antigo de que dispomos é o do peripa
tético Aristócles de Mdsina, redigido a partir dos textos de Tímon:É necessário, antes de tudo, investigar sobre nosso conhecimento. Se, de fa to, nada
pudermos conhecer por natureza, torna-se supérfluo investigar o resto. [ ... ] Pirro de
Élis sustenta essa ideia com particular vivacidade, mas nada deixou escrito. Seu dis
cípulo, Tímon, afirma que aquele que deseja ser fe liz deve prestar atenção em três
pontos: em primeiro lugar, o que são as coisas por natureza; em segundo, qual deve
ser nossa disposição com relação a elas; em terceiro, o que resultará para quem se
coloca nessa disposição. [ ... ] de acordo com Pirro, as coisas são indiferentes (adiapho
ra*), instáveis (astathmeta*) e indecisas (anepikrita*) e por isso nem as nossas sensa
ções nem as nossas opiniões podem ser verdadeiras ou fa lsas. Portanto, por esse
motivo, é preciso não lhes dar confiança, mas permanecer sem opinião (adoxastous*),
sem inclinação (aklineis*), sem oscilação (akradantous*), dizendo de cada coisa que
ela é não mais do que não é, ou que é e que não é, ou ainda que nem é nem não é. Os
que se colocam nessa disposição, conseguirão, diz Tímon, primeiro o silêncio (apha
sía*) e depois a quietude (ataraxía*).Esse texto propõe as etapas da investigação pirrônica: 1) responder à questão
sobre a natureza das coisas; 2) adotar uma disposição de espírito com relação a
elas; 3) essa disposição é um efeito terapêutico da interrogação. A primeira etapa
conduz às noções de indiferença, instabilidade e indecisão (ou indeterminação)
das coisas; a segunda explicita as disposições com relação a elas, isto é, ausência de
opinião, inclinação e agitação; a terceira oferece os efeitos dessa disposição, isto é,
o silêncio e a tranquilidade.
a) Primeira etapa: neutralização da ontologia
Pirro não propõe uma ontologia negativa ao dizer que as coisas são indife
rentes, instáveis e indeterminadas, pois a ontologia pressupõe a distinção entre
ser e não ser e exatamente essa distinção está sendo afastada. Vimos também, ao
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