Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

as diferenças que parecem separar as coisas não lhes pertencem por natureza, se­
rão diferenças de valor e referidas ao desejo de felicidade?;^3 ) as coisas são sem di­
fe rença intrinsecamente ou relativamente a nós, por não termos meios cognitivos
adequados para diferenciá-las corretamente?
Se a primeira etapa consiste em saber quais são os caracteres das coisas se­
gundo sua natureza, com que direito Pirro, já de início, apresenta os três adjetivos?
Como pode, de saída, afirmar que as coisas são sem diferenças? Poder-se-ia tentar
uma resposta lembrando uma passagem de Diógenes de Laércio, segundo a qual
Pirro dizia que nada é belo ou feio, justo ou injusto e que " em todas as coisas nada
é isso ou aquilo em verdade, mas é por costume (nómos) e por hábito (éthos) que
os homens fazem tudo o que fazem; pois cada coisa não é isso mais do que aqui­
lo". Todavia, apesar do "todas as coisas", o texto de Diógenes deixa claro que se
trata de predicados de valor na consideração da ação humana e não temos como
generalizar essa afirmação para os predicados de realidade, a menos que levemos
em conta a presença de elementos democritianos na filosofia de Pirro.
Quanto à questão de nossas sensações e opiniões não serem verdadeiras nem
falsas, a dificuldade consiste em saber como a indiferenciação objetiva das coisas
pode ter como consequência a indiferença das sensações e opiniões. Alguns intér­
pretes julgam que Pirro raciocina da seguinte maneira: se as coisas são objetiva­
mente indeterminadas, então as sensações e opiniões que as apresentam como
determinadas não podem ser tidas como verdadeiras nem falsas. Brunschwig,
porém, observa que podemos duvidar que Pirro tivesse afirmado a indetermina­
ção das coisas independentemente da falibilidade das sensações e dos conflitos das
opiniões. No entanto, se tal independência não estiver assegurada, cai-se num
círculo vicioso: a indiferença de nossas sensações e opiniões acarreta a indetermi­
nação das coisas, a qual, por seu turno, acarreta a das sensações e opiniões. A so­
lução dessa dificuldade poderia encontrar-se numa leitura literal do texto, pois
gramaticalmente o enunciado sobre as sensações e opiniões está referido a Tímon
CTímon diz que") e não a Pirro, de maneira que se poderia considerar que o dis­
cípulo acrescentou uma consequência ao que o mestre disse, acarretando o círcu­
lo. No entanto, mesmo aqui, pode-se considerar que não há círculo, desde que se
leve em conta que Tímon afirma que sensações e opiniões também são coisas e,
como tais, são indiferentes, instáveis e indecisas, não sendo, portanto, nem verda­
deiras nem falsas.
Assim interpretado, o final da primeira etapa encontra sequência no enun-


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