ciado inicial da segunda etapa - "portanto, por esse motivo, é preciso não lhes
dar confiança" -, pois tanto num caso como noutro trata-se de inferências fe itas
por Tímon acerca de nossa capacidade cognitiva.
Todavia, a segunda parte da segunda etapa - "permanecer sem opinião,
sem inclinação e sem oscilação" - recoloca a dificuldade apontada para o início
da primeira etapa, ou seja, os três adjetivos usados por Pirro (adoxastous, aklineis,
akradantous) recomendam uma atitude teórica, a saber, abster-se de juízos de
realidade, ou uma atitude prática, isto é, abster-se de juízos de valor? Brunschwig
opta por esta última. Uma vez que a perspectiva dominante do período é a busca
da fe licidade,A "indiferença" do sábio é apresentada como a consequência que o homem deve ti
rar da natureza "indiferenciada" das próprias coisas, o que incita a pensar que essa
indiferenciação consiste precisamente em que elas nada comandam por si mesmas,
nem que ele as escolha, nem que ela as evite (Brunschwig, 1997, p. 470).Conclui-se, então, que a canônica ou a fórmula técnica do justo cânone -
"dizendo de cada coisa que ela é não mais do que não é, ou que é e que não é, ou
ainda que nem é nem não é" - deve ser interpretada na perspectiva do juízo de
valor e não de realidade. Em outras palavras, o verbo ser do "é" e "não é" deve ser
, tomado em sentido predicativo e não existencial. Pirro teria dito, portanto, que de
cada coisa deve-se dizer que ela pode ser tanto isto como aquilo, que ela pode não
ser nem isto nem aquilo, ou, enfim, articular o antagonismo, dizendo que ela é e
não é isto ou aquilo. No entanto, a dificuldade permanece porque não sabemos se
os predicados "isto" e "aquilo" são teóricos ou práticos, se se referem ao conheci
mento ou à ação.
Poder-se-ia esperar uma solução na terceira etapa, se esta se limitasse a di
zer que tal disposição perante as coisas tem como efeito a fe licidade. No entan
to, não é o que o texto diz, pois afirma que " os que se colocam nessa disposição
conseguirão, diz Tímon, primeiro a perda da palavra (aphasía) e depois a quie
tude (ataraxía)".
Brunschwig observa que há uma anomalia no texto: o conjunto do testemu
nho é "construído sobre uma estrutura obstinadamente ternária" (três etapas, três
adjetivos sobre as coisas, três adjetivos sobre a disposição do sábio, três recomenda
ções na canônica) e é incompreensível que haja somente dois efeitos, em vez de três.
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