Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

É de se supor que havia um terceiro termo que, em algum momento da história do
texto, desapareceu. Seria esse termo a fe licidade? Não podemos saber.
No que se refere à ap hasía, é preciso distinguir a maneira como os céticos
posteriores a interpretaram - como suspensão do juízo - e a maneira como ela
aparece no texto. Por isso o intérprete não a traduz por " silêncio" e sim por "perda
da palavra". De fato, o testemunho de Tímon coloca a aphasía não como o hábito
de suspender o juízo (a canônica posta na segunda etapa) e sim como o efeito be­
néfico desse hábito e, por conseguinte, como silêncio absoluto, uma renúncia final
à palavra, que acarreta um segundo beneficio, a ataraxía.
Aristóteles dissera na Metafisica que aquele que não respeita o princípio de
contradição "não diz nada determinado", uma vez que diz ao mesmo tempo que
é assim e não é assim ou que não é assim e é assim, portanto, nada dizendo. E
aquele que nada diz "é semelhante a um legume". Ora, ao recusar o princípio de
contradição, Pirro julgou que se deveria falar exatamente como Aristóteles negou
que fo sse possível fazê-lo porque somente assim se conseguiria o despojamento
perfeito ou, nas palavras de Diógenes de Laércio, "despojar o homem".
Sabemos que na cultura grega o despojar-se do humano era concebido de
duas maneiras: para baixo, caindo no mutismo animal ou vegetal, e para o alto,
ascendendo à imobilidade divina. É essa ascensão que aparece na figura de Pirro
como mestre da verdade, imóvel, impassível e feliz, descrito nos versos das Ima­
gens de Tímon:


Como, tu que és um homem, fazes para passar tua vida numa tal serenidade, sempre
livre de pensamentos preocupantes, isento de agitação, sempre o mesmo, sem pres­
tar a menor atenção nas misérias de uma sabedoria de linguagem suave? Somente tu
guias os homens à maneira de um deus [ ... ]

E a resposta paradoxal de Pirro:

Vo u dizer-te, como isso me parece ser manifestamente, pois tenho por reta regra um
discurso de verdade: a natureza do divino e do bem é sempre o que assegura ao ho­
mem a vida mais igual.

Os céticos posteriores renunciaram a compreender logicamente a passagem
da ap hasía à ataraxía, pois é logicamente incompreensível como aquele que busca

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