a certeza para apaziguar-se pode acabar, paradoxalmente, apaziguando-se na re
núncia a toda certeza. No caso de Pirro, pode-se dizer que
Despojando-se de todo desejo, de todo afeto, de toda inclinação, tornando-se indife
rente e insensível a tudo e a todos, encontrou no desespero a beatitude inesperada
(Brunschwig, 1997, p. 473).b) Primado da teoria
Como já observamos, há intérpretes que sublinham os aspectos teóricos do
pirronismo e consideram que os ef eitos práticos da atitude pirrônica são insepará
veis da dimensão propriamente teórica de sua filosofia.
Essa perspectiva leva, por exemplo, Frédéric Cossutta a afirmar que os versos
de Tímon devem ser interpretados literária e não filosoficamente, corresponden
do a um modelo poético característico do gênero epidítico ou laudatório, no qual
é comum a referência ao divino e à quase divinização de um humano. Foram es
critos para dar a Pirro o lugar do fundador e do mestre.
Nessa interpretação, a aphasía é vista como a decisão de escapar das tena
zes aristotélicas, graças a um deslocamento dos usos da linguagem. Por um
lado, como atesta Diógenes de Laércio, Pirro era um exímio zetético, hábil em
perguntar e responder, conhecendo perfeitamente a dialética e a erística. Por
outro, sua oposição ao dogmatismo o levou a inventar o uso cético da lingua
gem, isto é, afirmar sem afirmar e negar sem negar, de maneira a fazer com que
a expressão inclua sua própria anulação. A linguagem é terapêutica e pode ser
eliminada quando a cura está completa: "a cura é obtida quando o procedimen
to apofático esgotou sua virtude curativa". No prolongamento desses procedi
mentos, a afasia opera uma neutralização do dizer, a partir do momento em
que foi superada a ilusão referencial da linguagem e o desejo de asserção. Essa
afasia negativa
pode ceder lugar a uma afasia "positiva", que não simples suspensão do discursivo,
mas um estado a-discursivo fe ito de silêncio interior. Não é, portanto, uma atitude
pré-predicativa, mas o resultado de uma travessia pela linguagem, efeito de um mo
vimento que nos livra dela [ ... ] silêncio interior que não é perturbado por nenhum
desejo de comunicar (Cossuta, 19 94, p. 53).