Foram propostas várias reconstruções desses poemas satíricos. Embora dis
cordantes sob alguns aspectos, essas reconstruções concordam na apresentação
de três cenas.
Numa delas, parodiando os combates narrados por Homero na Ilíada, Tí
mon apresenta uma grande batalha de filósofos, sob gritos, apupos e aplausos da
multidão. Sob a incitação de Éris, deusa da discórdia, enfrentavam-se dogmáticos
e antidogmáticos numa logomaquia ensurdecedora até que aparece Pirro, "ao
qual nenhum mortal pode resistir" e, depois de censurar a todos pela ruria e vacui
dade de seus discursos, estabelece a paz.
Em outra, é representada uma pescaria em que os pescadores são filósofos
contemporâneos -estoicos, epicuristas, acadêmicos e socráticos menores. Nada
conseguem pescar porque suas redes (isto é, seus argumentos capciosos) eram
arrastadas pelos peixes (isto é, as coisas que pretendem conhecer) e pela corrente
za (isto é, pela realidade movente).
Enfim, na terceira, parodiando o Canto IX da Odisseia, Tímon narra uma
descida aos infernos, onde, descobertos na multidão de sombras, os filósofos do
passado são impiedosamente ridicularizados pela comparação entre suas doutri
nas e suas vidas. Pitágoras é um charlatão impudente e ignaro; Heráclito, um de
clamador que ofende toda gente; Platão, um tagarela fanfarrão que não se deixa
enganar por suas próprias mentiras; Aristóteles, um vaidoso insuportável.
Tímon satiriza todos os que pretendem confirmar o testemunho dos senti
dos invocando a razão e confirmar esta última invocando os primeiros. Mas,
pela boca de Xenófanes, cujo mérito foi ter combatido as fábulas de Homero, há
os filósofos que Tímon preza e respeita: os eleatas, Protágoras e Demócrito, isto
é, todos os que manifestaram dúvidas sobre o conhecimento da verdade ou
cujas afirmações puderam dar razão ao ceticismo. Assim, "o grande e ilustre
Parmênides" mostrou que as ideias são vãs aparências; Protágoras, que nada é
por natureza e tudo é por convenção; Demócrito, a aversão por discursos equí
vocos e vazios.
No que tange à interpretação da atitude Tímon, reencontramos a mesma
divergência que assinalamos no caso de Pirro, isto é, a ênfase deve recair sobre os
aspectos teóricos ou sobre os práticos?
De acordo com Victor Brochard, o fato de que Tímon tenha apontado as
contradições e dificuldades de seus adversários não faz dele um cético dialético,
pois seu ceticismo é como o de Pirro, uma reação contra as pretensões da filosofia
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