Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
Essa imagem do homem inculto e ignorante reaparece num verso do cético
Tímon, que assim escreveu:

Ei-Io, o mais recente e o mais impudente dos fisicos; ei-Io que vem de Samos, filho de
um mestre escola, o mais inculto dos viventes (Tímon, fragmento 51, apud Brunsch­
wig, 19 97, p. 475).

A referência à fisica de Epicuro é fundamental na construção de sua imagem
porque nela o filósofo retoma o atomismo de Demócrito, ou a concepção da na­
tureza como agregado de corpúsculos indivisíveis, eternos e imutáveis (os áto­
mos), e concebe o cosmo (ou a ordem natural) como efeito do entrechoque de
átomos, que se unem ou se separam no vácuo. Em outras palavras, a natureza e a
ordem natural não são efeitos da ação de uma inteligência divina (como afirmam
os estoicos quando apresentam a ideia de Providência) nem da operação de causas
finais (à maneira de Aristóteles). Essa fisica levou os estoicos a declarar o epicuris­
mo um ateísmo, não porque Epicuro negue a existência dos deuses, mas porque
afirma que estes são felizes, portanto, serenos e impertubáveis, desinteressados
do que se passa com os homens e na natureza.
A historiadora da filosofia Genevieve Rodis-Lewis observa que o epicurismo
foi a primeira grande construção filosófica que se opôs ao idealismo espiritualista
de Platão, à hierarquia ontológica e finalista de Aristóteles e à teologia astral des­
ses dois filósofos, cujo caráter providencialista foi retomado pelo estoicismo com
o nome de Destino. Em outras palavras, o epicurismo, ao levar ao abandono dos
grandes pilares da filosofia clássica grega, ao manifestar todo apreço pelo conhe­
cimento sensorial e fazer o elogio da felicidade proporcionada pelo prazer, produ­
ziu uma ruptura teórica e prática que poucos poderiam suportar e suscitou o
empenho em desqualificá-Io por todos os meios.
Ateísmo e materialismo tornaram-se os aspectos centrais da crítica a Epicuro
feita pelos primeiros pensadores cristãos. Ateísmo, em primeiro lugar, porque ao
afirmar em sua fisica que "nada vem do nada" e que as coisas se formam pelo en­
contro contingente dos átomos no vácuo, Epicuro recusa a ideia cristã de criação
do mundo por Deus a partir do nada e como ato de uma vontade inteligente que
não opera ao acaso. Em segundo, porque a indiferença divina se opõe não só à
ideia cristã da criação do mundo por um deus, mas também à concepção cristã de
um deus que se relaciona com os homens dando-lhes mandamentos e leis, recom-


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