e a sucessão contínua dessa escola, única a subsistir enquanto todas outras se destruíam,
porque teve inumeráveis discípulos para suceder aos discípulos. Que se pense ainda
em seu amor filial, na sua generosidade para com seus irmãos, na sua brandura com
os domésticos, evidenciada por seu testamento [ ... ]. Numa palavra, era amigo de
todos os homens. [ ... ] Diócles (Exame dos filósofos, Livro m) diz que ele vivia de ma
neira sóbria e muito simples [ ... ]. Em suas cartas, ele próprio nos diz que se conten
tava com pão e água'[ ... ]. Assim era esse homem que declarou que a fe licidade era o
bem supremo (Diógenes de Laércio, x, 201-2).Por seu turno, o helenista Jean Brun afirma que seria absurdo considerar
Epicuro um ateu para o qual os deuses não existem, pois para ele os deuses não
apenas existem como são seres plenamente felizes porque vivem em absoluta se
renidade, desinteressados dos homens. Para estes, a serenidade ou felicidade divi
na deve ser o paradigma da vida ética perfeita e podem realizá-la porque podem
ser senhores de seu destino e de seu próprio saber, isto é, são capazes da mesma
autarcia* que os deuses. Para que sejam senhores de si, os homens devem dispor
de uma medida humana para o conhecimento e a ação, e essa medida só pode
provir do corpo humano. Eis porque Epicuro considera a sensação a medida fun
damental do conhecimento e da ação, pois essa medida é humana e nos assegura
a possibilidade de conhecer a verdade e encontrar o bem. A sensação é "a chave de
um universo à nossa medida". Evidentemente, uma ruptura tão grande com o
pensamento clássico só podia despertar suspeitas com relação àquele que preten
dia prescindir dos deuses para definir o saber e a virtude, não sendo surpreenden
te que sua imagem fo sse a do ateu.
O que, de fato, pretende Epicuro? Que os homens não mais concebam os
deuses à sua semelhança nem, esquecendo-se de que os conceberam segundo eles
próprios, os tomem como governantes e juízes dos humanos. Na Carta a Meneceu,
Epicuro escreve:
Pois os deuses existem, nós o sabemos com evidência, mas sua natureza não é a
que a massa lhes atribui. Não é ímpio quem rejeita os deuses da multidão, ímpio é
quem atribui aos deuses as ficções que a multidão lhes atribui. De fato, as afirma
ções desta última não repousam sobre noções evidentes, mas sobre conjeturas
enganosas. Daí vem a opinião de que os deuses causam os maiores males aos maus
e dispensam os maiores bens aos bons. Sempre predispostos em favor de seus pró-