Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
prios hábitos, os homens aprovam os que se lhes assemelham e consideram estra­
nho o que deles difere.

o argumento de Epicuro é claro e preciso: sabemos com evidência que os
deuses existem e que são seres felizes; ora, a felicidade é ausência de perturbação,
ocupação e desejo. É contraditório, portanto, imaginar que os deuses se ocupem
em criar e governar o mundo, desejem que os homens lhes prestem cultos, se
perturbem com as ações humanas e usem o curso da natureza para puni-los. Em
suma, Epicuro não propõe a supressão dos deuses e sim das imagens antropomór­
ficas, que levam a opiniões enganosas e a ficções sobre o ser das divindades. Mais
do que isso. Ao distinguir entre o divino e o humano, Epicuro eleva os deuses e os
homens: os primeiros porque nada os perturba, pois não estão sujeitos a paixões;
os segundos porque podem encontrar sua própria medida para o conhecimento
verdadeiro e a ação virtuosa, liberados do pavor dos mistérios e do medo do des­
conhecido, numa palavra, liberados da superstição. É o que nos diz Lucrécio, no
início do Livro I Da natureza das coisas:

Quando, miserável espetáculo, a vida humana jazia por terra, oprimida pelo peso da
religião, cuja cabeça, mostrando-se do alto das regiões celestes, ameaçava os mortais
com seu horrível aspecto, foi um grego quem primeiro ousou erguer os olhos para
fitá-la, resistir-lhe e desafiá-la; um homem que nem a fama dos deuses, nem os raios,
nem o céu com seu ruído ameaçador puderam dominar: antes mais lhe excitaram a
valorosa força do ânimo e o levaram a desejar ser o primeiro a escancarar as bem
fechadas portas da natureza. E assim triunfou a vívida força de seu ânimo para além
das muralhas flamejantes do mundo e percorreu com a mente e o ânimo todo o
imenso para voltar a nós vitorioso e nos ensinar o que pode e não pode nascer, e
enfim, por qual razão cada coisa tem um poder definido e um termo que firme e alto
se nos apresenta. Por isso à sua volta a religião é derrubada e calcada sob os pés, e a
vitória nos iguala aos céus.

A filosofia, porque "dissipa os terrores do ânimo", é concebida por Epicuro
como uma terapêutica ou medicina da alma. Por isso, numa de suas Máximas,
afirma que assim como a medicina só tem valor se nos liberta das dores do corpo,
também só tem valor a filosofia que nos liberta do sofrimento da alma. Eis por
que concebe o prazer como "ausência de dor, moderação dos afetos e disposição


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