sua ascendência sobre a existência de todos, sobre uma organização amigável, mas
hierarquizada e um tanto conventual (Brunschvig, 1997, p. 476).2Em conformidade com os novos tempos, quando a pólis, sem vitalidade e sem
verdadeira autarcia, é mera sombra de um passado perdido, os adeptos do Jardim
afastam-se do antigo éthos do cidadão, abstêm-se de participar dos negócios públi
cos e nada pedem à Cidade senão que garanta a paz e a segurança, condições que
permitem a existência tranquila da pequena comunidade filosófica, voltada para a
busca da fe licidade individual. Em outras palavras, o Jardim traz um novo éthos no
qual se encontra desfeita a identidade entre o cidadão e o indivíduo. A política é
vista como" afã inútil" e o sábio "vive escondido", retirado e longe do tumulto.
Ora, se esse homem individual a que se dedica o Jardim distancia-se dos tumul
tos da política, é porque se sente imerso numa realidade mais ampla do que a pólis,
a Natureza. Diferentemente dos estoicos, particularmente Zenão e Cleanto, que
são cosmopolitas, isto é, concebem uma Cidade Mundial ou o mundo como Cida
de, Epicuro opõe a Cidade (particular ou mundial), com suas divisões econômicas e
sociais, suas hierarquias e desigualdades, seus privilégios e exclusões, à Natureza,
que é igualitária e inclusiva. Donde uma das máximas fundamentais de Epicuro:
A Natureza, única para todos os seres, não fe z os homens nobres ou ignóbeis, mas
sim suas ações e disposições do ânimo.Por isso, como a Natureza, o Jardim acolhe sem distinções homens e mulhe
res, crianças e velhos, escravos e estrangeiros.
Exatamente por que a Natureza não faz os homens nobres ou ignóbeis, uma
das máximas afirma que a justiça e a injustiça não existem em si, mas são estabe
lecidas pelos homens a partir do "j usto segundo a natureza" ou do "direito natu
ral", como traduzem alguns. A máxima 31 declara:
o justo segundo a Natureza [ou o direito natural] é o signo (symbolon*) que garante
o interesse [ou a utilidade] de não se prejudicar mutuamente.3Dessa maneira, a avaliação da justiça e da injustiça depende do justo segundo
a Natureza, mas em si mesmas justiça e injustiça são convenções que dependem
dos lugares, dos tempos e das circunstâncias. Em outras palavras, enquanto o