Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

caso do epicurismo, a teoria do conhecimento, a teoria da natureza e a ética são
inseparáveis. De fato, a teoria do conhecimento afirma que o fundamento do co­
nhecer é a sensação e que esta é sempre verdadeira; ora, essa afirmação decorre
da fisica atomística e da teoria dos eídola ou simulacros como causas da sensação.
A teoria do conhecimento é inseparável da ética porque Epicuro considera que,
além da sensação, também o prazer e a dor -ou paixões (páthos
) -são manei­
ras de conhecer e a ética lida com esses afetos. A finalidade da ética é conduzir os
homens à felicidade e tem como condição libertá-los dos sofrimentos acarretados
pelo medo originado pelo desconhecimento das verdadeiras causas das coisas
naturais, de sorte que curar o medo significa oferecer ao agente ético uma fisica
verdadeira.
No entanto, como também observamos na introdução, a tradição da história
da filosofia adota a divisão da filosofia, proposta por Xenocrátes, em lógica, fisica
e ética, de maneira que, embora formem um sistema, essas disciplinas ou essas
partes do saber filosófico tendem a ser apresentadas separadamente, como já se
vê nos textos de Diógenes de Laércio. A lógica oferece princípios e regras para o
conhecimento da verdade; a fisica estuda a realidade; e a ética, articulando lógica
e fisica, propõe os fins virtuosos da ação humana e os meios para realizá-los.
Visto que Epicuro critica a dialética platônica e recusa as lógicas aristotélica e
estoica, introduz uma inovação no primeiro elemento do sistema, propondo a canô­
nica, conjunto de critérios e regras (cânones) ou de fórmulas técnicas que consti­
tuem uma teoria do conhecimento verdadeiro. Embora a canônica tivesse sido ex­
posta num tratado que se perdeu, o Cânon (Khanón*), podemos conhecê-la por
trechos da Carta a Heródoto, por algumas das Máximas .fUndamentais, por citações de
Diógenes de Laércio e por comentários de Sexto Empírico, que explica esse abando­
no da lógica por uma teoria do conhecimento fundada em preceitos ou fórmulas
técnicas (cânones) muito simples, mas capazes de sustentar os juízos.
Da mesma maneira, embora perdidos os trinta e sete livros do tratado Da
natureza, a fisica pode ser conhecida pela Carta a Heródoto e a Carta a Pitócles, por
citações de Diógenes de Laércio e pelo poema de Lucrécio.
Assim também, embora perdidos os tratados de ética, podemos ter acesso a
ela graças à Carta a Meneceu, às Máximas .fUndamentais, às Sentenças vaticanas e às
citações de Diógenes de Laércio, Lucrécio, Cícero, Sêneca e Plutarco.
Além disso, lacunas podem ser preenchidas recorrendo-se à inscrição de
Enoanda e às incontáveis obras dos epicuristas, cuja fidelidade ao mestre é incon-


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