mos, do conhecimento da natureza das coisas que provém a sensação como crité
rio ou cânone para distinguir o verdadeiro do falso. Poder-se-ia argumentar que
Epicuro cai num círculo vicioso: o conhecimento da natureza das coisas depende
da sensação e esta depende daquele, ou se ja, a fisica depende da canônica e esta,
daquela. Todavia, observaJacques Brunschwig, o círculo não é vicioso porque, se
usarmos uma terminologia aristotélica, vemos que a canônica é anterior à fisica
"para nós" - ou seja, na ordem do conhecimento -, enquanto a fisica é "em si"
anterior à canônica -ou seja, na ordem da realidade objetiva. A canônica oferece
as razões epistemológicas da verdade da fisica e esta contém as causas ontológicas
da validade da canônica.
Toda sensação é uma afecção, portanto, passiva, ou se ja, depende de algu
ma outra coisa que afete nosso corpo. Assim, a sensação é um contato entre
corpos, ou melhor, um movimento atômico resultante do contato entre corpos
e sua forma mais simples é o sentimento de contato que experimentamos em
alguma parte de nosso corpo quando um corpo externo afeta o nosso. Como se
dá o contato? No caso do tato e do paladar parece não haver necessidade de expli
cá-lo, bastando constatá-lo. Como, porém, falar em contato no caso da visão e da
audição? Na verdade, em qualquer dos cinco sentidos a sensação é produzida da
mesma maneira: de todos os corpos emanam complexos de átomos que consti
tuem as imagens (eidola, em grego; simulacra, em latim) das coisas e as sensações
são produzidas pela penetração dessas partículas em nosso corpo por meio dos
órgãos dos sentidos, que se alteram (ou se movem4) sob a ação do objeto "gera
dor de imagem" (phantastón). Uma sensação é, pois, a recepção de partículas
que modificam o estado das partículas do corpo afetado ou da parte afetada de
um corpo. Como as partículas emanadas conservam todas as características ou a
forma dos corpos de onde provêm, a sensação apreende os corpos exteriores tais
como são em si mesmos. Eis por que Epicuro pode afirmar que toda sensação é
verdadeira, de sorte que a verdade não é o acordo entre proposições compatíveis,
mas a presença da realidade em nós, uma evidência (enárgeia) que não exige
justificações.
Todavia, surge aqui um grave problema: como explicar as "ilusões dos senti
dos"? Como explicar que tenhamos a sensação de uma torre pequena e redonda,
quando vista de longe, mas grande e quadrada quando vista de perto? Como ex
plicar que o som de uma voz ou da batida num objeto de bronze seja diverso
quando ouvido de perto ou de longe? Dois são os principais argumentos de Epi-
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