Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
assim, pelo fato de os contornos dos simulacros terem sofrido uma alteração ao
passar através do ar; e quando aparece grande e de outra forma também é assim na
realidade. Não que nos dois casos o objeto seja igual; de fato, é próprio da opinião
errada considerar que o gerador de imagens é exatamente o mesmo de perto e de
longe. O próprio da sensação se limita a captar o que está presente e a afeta, como a
cor, por exemplo, e não decidir que o objeto é outro aqui e ali. Por isso as sensações
são todas verdadeiras (Sexto Empirico, Adversus mathematicos, VIII, 203-10).

Há, pois, três pontos a considerar: em primeiro lugar, a alteração da sensação
decorre do que se passa com o corpo que afeta o nosso, ou seja, o meio ambiente
atua sobre os simulacros; em segundo, que o corpo que causa a sensação não é O
mesmo quando a distância ou quando próximo, pois a distância, trata-se de um
corpo acrescido das condições ambientais que determinam a emissão dos simula­
cros, enquanto um corpo próximo não está modificado pelas condições do am­
biente; e, em terceiro, a afirmação de que uma sensação é falsa decorre de uma
opinião errada, em outras palavras, é a intromissão indevida da opinião sobre a
sensação que leva a juízos equivocados sobre ela.
Os dois primeiros pontos são aparentemente paradoxais, pois parecem des­
fazer a identidade do objeto percebido ao mesmo tempo que afirmam que a sen­
sação o capta tal como realmente é. Todavia, se nos lembrarmos do fundamento
fisico da sensação, isto é, do movimento dos átomos, o que Epicuro afirma não é
paradoxal nem contraditório: uma vez que a sensação é um movimento das par­
tículas de nosso corpo afetado pelas partículas do corpo externo, o movimento
dos átomos do corpo distante é diferente daquele do corpo próximo e é neste
sentido que o objeto da sensação não é o mesmo nos dois casos. A sensação esgo­
ta-se em ser a apreensão imediata e instantânea de um corpo e, por ser passiva ou
receptiva e pontual, ela o apreende tal como ele efetivamente se apresenta aos
nossos órgãos dos sentidos. Donde a conclusão do argumento, isto é, a crítica da
avaliação da sensação (aisthésis) pela opinião (doxa), pois considerar uma sensação
falsa equivale a julgar falsas todas as sensações.
O argumento apresentado por Diógenes de Laércio e que, segundo ele, en­
contra-se no Cânon, enfatiza o caráter passivo e pontual da sensação:


Toda sensação é sem palavra (álogos)6 incapaz de qualquer memória; não é posta em
movimento por si mesma e, quando posta em movimento por alguma outra coisa,

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