não pode acrescentar-lhe ou retirar-lhe algo. Nada há que possa refutar a sensação:
uma sensação homogênea não pode refutar outra porque ambas têm o mesmo va
lor, nem o pode uma heterogênea porque seu objeto é diferente, nem o pode o ra
ciocínio porque todo raciocínio depende das sensações, nem, enfim, uma sensação
pode refutar outra porque estamos ligados a todas. A existência atual das percepções
confirma a realidade das sensações. O fato de ver e ouvir é tão real quanto o de sentir
dor (Diógenes de Laércio, x, 32).A parte inicial do texto descreve a sensação. Ela é álogos: nada diz sobre as
coisas, apenas as percebe ou sente; em resumo, não é opinião ou juízo sobre as
coisas. É "sem memória", ou seja, pontual e instantânea. Esses dois primeiros as
pectos indicam que a sensação não é uma cadeia contínua de conexões entre ex
periências sensoriais, ou seja, por ser sem palavra, não é um encadeamento dis
cursivo; e por ser "sem memória", não estabelece vínculos temporais entre suas
múltiplas ocorrências. Esses dois aspectos assinalam sua diferença com relação ao
raciocínio. O terceiro aspecto evidencia que a sensação não é uma causa e sim um
efeito: não se põe em movimento por si mesma e sim é posta em movimento por
outra coisa, ou se ja, é passiva e receptiva. Por ser efeito de uma causalidade exter
na que a faz existir, não pode acrescentar ou retirar algo daquilo que a faz aconte
cer, de maneira que ela necessariamente sente as coisas tais como estas são ao
afetá-la.
A segunda parte do texto apresenta a principal consequência da descrição: a
sensação é irrefutável. Antes de qualquer coisa, porque, não sendo um discurso
(ou sendo "sem palavra"), não pode ser refutada por um outro. Todavia, a posição
de Epicuro é radical, pois afirma que nada pode refutar uma sensação, nem outra
sensação (as homogêneas se equivalem e as heterogêneas possuem objetos distin
tos) nem o raciocínio (pois o lógos, seja este a razão ou o discurso, depende dela).A pré-noção
O conhecimento, porém, não pode resumir-se ao sem palavra e sem memó
ria, mas é feito de conexões e relações. A própria teoria da sensação seria impossí
vel sem ideias como as de causalidade e de movimento. A fisica dos átomos seria
impossível se a sensação fo sse a primeira e a única forma de conhecimento, pois
os átomos não são objeto de sensação e o vácuo onde se movem jamais é dado aos
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