Você SA - Edição 252 (2019-05)

(Antfer) #1
VOCÊ S/A wMAIO DE 2019 w 23

Oi, meu nome é Bettina, tenho 22
anos e 1 milhão e 42 000 reais de
patrimônio acumulado. O que fiz não
é segredo. Comprei ações na bolsa
de valores. Comecei com 19 anos e
1 520 reais. Simples assim.” A frase,
veiculada em março num vídeo pu-
blicitário da Empiricus, empresa de
relatórios financeiros, viralizou. No
Twitter, o economista Samy Dana,
professor na Fundação Getulio Var-
gas (FGV), rebateu: “Reflitam, se
for verdade que: a) a menina de 22
anos transformou 1 520 reais em
1 042 000 reais (ou seja, multiplicou
seu patrimônio por 685,53) e b) seja
possível replicar a estratégia dela.
Daqui a 15 anos, nossa heroína terá
37 anos de idade e um patrimônio
de 157 quintilhões de reais: 2 mi-
lhões de vezes o PIB americano de
2018 e 316 milhões de vezes a fortu-
na de Jeff Bezos, o homem mais rico
do mundo, segundo a Forbes”.
O vídeo foi visto por mais de 15
milhões de internautas, Bettina Ru-
dolph virou meme, estampou man-
chetes de portais e precisou ir a
público se explicar. A Empiricus, por
sua vez, foi multada pelo Procon em
58 200 reais por expor o consumidor
ao risco. Em nota, a empresa disse
que a peça publicitária direcionou
os interessados a um curso gratuito
de educação financeira.
Propaganda enganosa à parte, foi
a primeira vez que o Brasil parou
para discutir aplicações financeiras.
E não é à toa. O episódio reflete um
momento novo no país. De youtubers
de finanças, como Nathália Arcuri
(do canal Me Poupe, com 3,5 milhões
de seguidores) e Thiago Nigro (de O


Primo Rico, com 2 milhões), a cor-
retoras independentes; de aplicativos
que comparam rentabilidade a robôs
que investem por nós, está em curso
uma democratização sem preceden-
tes. “Antes, as classes média e baixa
não tinham acesso ao mercado fi-
nanceiro. Parecia um mundo exclu-
sivo. Com essas ferramentas, o há-
bito de investir se popularizou”,
afirma Gilvan Bueno, especialista
em finanças e CFO do banco Maré.
É verdade. Os números mostram
que as pessoas estão mais dispostas
a diversificar a aplicação de seu di-
nheiro. Nos últimos cinco anos, a
despeito da recessão, diversas mo-
dalidades cresceram de tamanho. O
volume de pessoas físicas na bolsa
de valores, por exemplo, pulou de
564 116, em 2014, para 813 291, no
ano passado — um aumento de 44%.
No Tesouro Direto o salto foi maior:
de 450 000 investidores cadastrados
em 2014 para 3 milhões em 2018.
Mas, ao contrário do que esses
dados fazem supor, o conservado-
rismo segue alto. A poupança ainda
é a primeira opção para 69% dos
brasileiros, segundo um estudo de
2018 da Comissão de Valores Mobi-
liários (CVM). Dois em cada dez
indivíduos deixam dinheiro parado
na conta-corrente ou, pior, guarda-
do em casa. Apenas 5% dos inves-
tidores operam na bolsa de valores.
Em países desenvolvidos, como os
Estados Unidos, mais de 50% da
população investe em ações. Ajuda,
claro, o fato de que os juros por lá
estão próximos a zero. Um cenário
bem diferente do nosso, mas que
está mudando. “No Brasil, temos

uma taxa de juro de 6,5% ao ano.
Antigamente, era de 14%. Por que
arriscar se você tinha rentabilidade
garantida na renda fixa?”, questiona
Felipe Paiva, diretor de relaciona-
mentos com os clientes da B3, bolsa
de valores oficial do Brasil, com
sede em São Paulo. De acordo com
ele, os juros baixos vêm tornando a
poupança cada vez menos atrativa.
Há também outro fator a considerar
na transformação de comportamento
do investidor brasileiro: a reforma da
Previdência. O tema ronda o país des-
de o governo Michel Temer (MDB) e
tornou-se uma das principais bandei-
ras de Jair Bolsonaro (PSL) e Paulo
Guedes, ministro da Economia. “As
pessoas estão começando a se cons-
cientizar que se apoiar só na Previ-
dência não será suficiente”, afirma
Michael Viriato, coordenador do la-
boratório de finanças do Insper.
Além de mexer com a aposentado-
ria dos cidadãos no futuro, a reforma
se reflete no presente. Com 120 dias
de atuação, não está claro que rumo
ogoverno dará à economia. E, en-
quanto a retomada não deslancha,
fica difícil tomar decisões claras. O
perigo, para o investidor comum, é
ficar desorientado em meio a tantas
informações. “Uma coisa é um jovem
de 25 anos que perde tudo e tem uma
vida toda pela frente para recuperar;
outra é alguém na faixa dos 60 que
parte para uma aplicação arrojada e
arca com o prejuízo”, diz Ricardo
Teixeira, coordenador do MBA em
gestão financeira da FGV. A seguir,
listamos seis maneiras de aproveitar
a popularização dos investimentos,
driblando as incertezas econômicas.

ILUSTRAÇÃO: SÉRGIO BERGOCCE

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