O Estado de São Paulo (2020-04-23)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2020 Economia B


H


á muito trabalho a ser feito
na economia. Mesmo que
não houvesse o isolamento
social, o custo econômico da epide-
mia seria elevado, pelas consequên-
cias de uma crise social e pelo contá-
gio do quadro global sobre o crédi-
to, as exportações e o mercado fi-
nanceiro.
O governo não está inerte, mas
há muitas lacunas no conjunto de
medidas e desafios a serem enfren-
tados, durante e após o isolamento
social.
Primeiro, há indefinições e ajus-
tes necessários nas medidas econô-
micas. Por exemplo, a linha de crédi-
to da Caixa às microempresas dá tra-

tamento diferente daquele oferecido a
pequenas e médias empresas para hon-
rar a folha, com juros mais baixos. Há
também muitas pendências no socor-
ro a setores, como o de energia.
Segundo, é preciso maior coordena-
ção interna do governo. Um exemplo
são as dificuldades enfrentadas pelos
Ministérios da Saúde e da Agricultura
por conta da ausência de resposta con-
tundente do governo aos ataques do
ministro da Educação à China. É neces-
sário reconstruir as relações diplomáti-
cas, não só pelas dificuldades na impor-
tação de equipamentos de saúde da-
quele país, mas pelo impacto sobre as
exportações e futuros investimentos
no Brasil, inclusive nos leilões de in-

fraestrutura.
Terceiro, falta diálogo com Estados
e municípios para uma solução rápida
e justa para a expressiva queda de arre-
cadação, sem comprometer a higidez
fiscal da União e sem abrir espaço para
excessos desses entes. A solução da
tensão atual deveria se dar pelo diálo-
go entre os Poderes Executivos da fede-
ração, e não pelo ataque ao Congresso.
O governo também falha ao afastar
a proposta de flexibilizar a carga horá-
ria e os salários do funcionalismo –
contida na PEC emergencial –, em li-

nha com o proposto ao setor privado.
Seria um grande passo no socorro a
Estados e a municípios, cuja arrecada-
ção está comprometida com o paga-
mento da folha.
Quarto, falta respeito institucional e
liderança do Executivo na relação com
os demais Poderes, abrindo espaço pa-
ra avanço de pautas perigosas. Há cen-
tenas de projetos de lei no Congresso,
para o período de calamidade pública,

que geram distorções e injustiças, com
ônus ao erário e ao funcionamento da
economia.
Não faltam propostas de proteções
indevidas a segmentos do setor produ-
tivo e da sociedade.
O mesmo vale para a suspensão da
cobrança de serviços de utilidade pú-
blica – energia, água, telecomunica-
ções, gás, internet, pedágio de trans-
porte de carga. Seria um desastre para
esses setores que já sofrem as conse-
quências da epidemia e engrossam a
fila de pedidos de ajuda da União.
Há propostas que ferem o mercado
de crédito e ameaçam jogar por terra
os esforços do Banco Central para esti-
mular as concessões. É o caso da sus-
pensão do pagamento de emprésti-
mos bancários de empresas de menor
porte, financiamento imobiliário, e
cheque especial e cartão de crédito.
Preocupam as propostas de em-
préstimo compulsório sobre empre-
sas – alíquota de 10% sobre o lucro
líquido nos últimos 12 meses de empre-
sas com patrimônio liquido igual ou
superior a R$ 1 bilhão – e outras tantas
sobre grandes fortunas.
São medidas de apelo populista que
gerariam fuga ainda maior de recursos

do País e desincentivo à produção.
Não se pode confundir a necessida-
de de promover a justiça tributária
com medidas desastrosas, que po-
dem parecer avanços aos olhos da
sociedade, mas, na realidade, são
contraproducentes.
A grande maioria das propostas
na Câmara aguarda o despacho do
seu presidente, Rodrigo Maia, que
provavelmente não o fará, tendo in-
clusive rejeitado algumas recente-
mente. Por exemplo, a Câmara der-
rubou proposta do Senado que cria-
va o auxílio-emprego com impacto
fiscal na casa de R$100 bilhões.
Importante, porém, o trabalho do
governo. Sem isso, fica difícil as lide-
ranças no Congresso desarmarem
tantas bombas.
A crise é severa e o pós isolamento
será muito difícil. A julgar pela atua-
ção atual do governo, os sinais preo-
cupam, incluindo a inacreditável
discussão de plano de retomada
sem consulta ou liderança do time
da Economia.

]
CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA
PELA USP

ZEINA


LATIF


É inacreditável a discussão
da retomada sem consulta
do time da Economia

Eduardo Rodrigues
Lorenna Rodrigues / BRASÍLIA


Antes mesmo dos piores impac-
tos da crise causada pelo novo
coronavírus, a arrecadação de
impostos e contribuições fede-
rais caiu 3,32% em março na
comparação com o mesmo mês
do ano passado. Os tributos re-
colhidos pela Receita Federal
no mês passado somaram R$


109,7 bilhões, o pior desempe-
nho desde 2010 para meses de
março.
O resultado reflete, principal-
mente, a atividade econômica
de fevereiro, quando Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS)
ainda não tinha classificado o
surto da covid-19 como uma
pandemia global – o que aconte-
ceu apenas em 11 de março.
Mesmo sem a influência das
medidas de isolamento social,
tomadas por governos esta-
duais e municipais ao longo de
março, sobre o que seria arreca-
dado no mês, as empresas se
adiantaram e decidiram turbi-
nar o uso de créditos tributá-
rios para já reduzirem os paga-

mentos ao Fisco.
Normalmente, as firmas utili-
zam esses créditos – referentes
a impostos já pagos ao longo
das cadeias de produção – para
aliviar a curva de pagamento de
tributos no decorrer do ano.
Desta vez, com a ameaça real de
redução no faturamento, mui-
tas delas lançaram mão dos
créditos de maneira concentra-
da no mês.
O chefe do Centro de Estu-
dos Tributários e Aduaneiros
da Receita Federal, Claudemir
Malaquias, explicou ontem que
a queda na arrecadação de mar-

ço se deveu justamente ao cres-
cimento de 53,4% no volume de
compensações tributárias em
relação a março de 2019.
Nessa comparação, o uso de
créditos para o abatimento de
impostos passou de R$ 7,642 bi-
lhões para R$ 11,724 bilhões. “A
queda em março reflete mais au-
mento da compensação tributá-
ria do que redução da atividade
econômica”, disse Malaquias.
Os maiores efeitos da crise so-
bre a arrecadação serão senti-
dos a partir do resultado de
abril. No primeiro trimestre, a
arrecadação federal somou R$
401,1 bilhões e, por causa do
bom desempenho das receitas
em janeiro, o montante ainda
representava um avanço real de
0,21% na comparação com igual
período do ano passado.
Já o desempenho da arrecada-
ção de abril sofrerá o impacto
da redução da atividade econô-
mica e das desonerações e adia-
mentos de tributos feitos pelo
governo; “Em abril teremos a
concorrência dos dois fatores.”

Na confusão,


não se vai longe


Daniel Weterman / BRASÍLIA


O Senado aprovou ontem o
projeto que estende o auxílio
emergencial de R$ 600 a ou-
tros grupos, como mães ado-
lescentes, por exemplo. O pro-
jeto determina que chefes de
família solteiros, independen-
temente do sexo, terão direi-
to a duas cotas (R$ 1.200) do
benefício por mês. A propos-
ta depende agora de sanção
do presidente Jair Bolsonaro
para entrar em vigor e alterar
as regras do pagamento.

O auxílio emergencial é uma
iniciativa do governo destinada
aos trabalhadores informais. Pe-
lo programa, eles receberão
três parcelas de R$ 600 para
compensar os prejuízos causa-
dos pela pandemia do novo co-
ronavírus. A proposta aprovada
ontem complementa a lei, já em
vigor, que criou o programa. O
pagamento do benefício está li-
mitado a dois membros da mes-
ma família.


O texto dos senadores man-
tém o valor e a duração do bene-
fício, mas abranda alguns requi-
sitos para ter direito ao auxílio.
Por exemplo, o projeto não exi-
ge um limite máximo de renda
de R$ 28,5 mil em 2018 para se
beneficiar do programa. A equi-
pe econômica calcula que a am-
pliação do programa terá custo
extra de R$ 10 bilhões, além dos
R$ 98 bilhões já previstos pelas
regras que estão em vigor. O tex-
to aprovado ontem ainda prevê
que mesmo que tenham menos
de 18 anos, mães adolescentes
serão beneficiadas.
As mudanças também devem

permitir que outras 7,5 milhões
de pessoas, que estão excluídas
do programa com as regras
atuais, tenham direito ao benefí-
cio. Segundo o governo, a am-
pliação faz com que o auxílio
emergencial passe a ser pago pa-
ra carreiras como taxistas, moto-
ristas de aplicativo e advogados.
As regras em vigor para o pa-
gamento do auxílio já contem-
plam os informais de todas as
categorias, mas a lei atual não
menciona profissões ou ativida-
des específicas. O projeto apro-
vado traz uma lista com exem-
plos de profissionais beneficia-
dos para reforçar que também
terão direito. Essa relação não
impede, porém, que outras ativi-
dades também sejam contem-
pladas, desde que respeitadas
as exigências.
Estão na lista, entre outros,
pescadores profissionais e arte-
sanais, agricultores, taxistas,
motoristas de aplicativo e pipo-
queiros ambulantes que ven-
dem alimentos. No caso de pes-

cadores artesanais, eles terão di-
reito aos R$ 600 nos meses em
que não receberem o seguro- de-
feso.
O texto deixa claro que profis-
sionais intermitentes também
serão incluídos, dependendo
de sua renda. O contrato inter-
mitente é uma modalidade em
que a prestação do serviço não é
contínua, mas conforme a de-
manda do empregador. A pro-
posta considera como emprega-
do informal, que tem direito ao
benefício, pessoas que pos-
suem contrato intermitente
com uma renda mensal menor
que um salário mínimo, que ho-

je é de R$ 1.045.

BPC. Os senadores também re-
cuperaram o texto que amplia o
Benefício de Prestação Conti-
nuada (BPC). Hoje, têm direito
ao BPC, no valor de um salário
mínimo por mês, deficientes e
idosos com 65 anos ou mais que
não conseguem se sustentar e
cuja família também não tenha
renda suficiente para tal.
É considerada incapacitada
de manter um idoso ou deficien-
te a família que tem renda men-
sal, por pessoa, igual ou inferior
a um quarto de salário mínimo,
o equivalente a R$ 261,25. O pro-

jeto altera esse valor para meio
salário, hoje em R$ 522,50. Essa
mudança chegou a ser retirada
pelos deputados, pois é critica-
da pela equipe econômica do go-
verno federal. Mas o relator no
Senado retomou a medida.
Essa é uma alteração definiti-
va da lei que organiza a Assistên-
cia Social no Brasil e regulamen-
ta o BPC e não somente uma
mudança durante o período de
pandemia. Dessa forma, o valor
seria alterado permanentemen-
te. De acordo com o Ministério
da Economia, a mudança repre-
senta uma ampliação nos gas-
tos de R$ 15 bilhões por ano.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l Compensação

Março registrou queda,


mas Receita já prevê que


números ficarão mais


ruins nos próximos meses


com redução da atividade


3,3 milhões já


fizeram acordo


com empresas


E-MAIL: [email protected]
ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

LEILÃO AO VIVO


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WALDEMIR BARRETO/AGÊNCIA SENADO

l Cálculo

Sessão digital. David Alcolumbre (D) comanda sessão que ampliou auxílio emergencial

Nova crise do petróleo leva dólar a R$ 5,40. Pág. B7}


“A queda em março reflete
mais aumento da
compensação tributária do
que redução da atividade
econômica.”
Claudemir Malaquias
CHEFE DO CENTRO DE ESTUDOS
TRIBUTÁRIOS E ADUANEIROS DA
RECEITA FEDERAL

Arrecadação federal


cai 3,3%, antes mesmo


de cenário piorar


Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

O governo já registrou mais de
3,3 milhões de acordos entre em-
presas e empregados para redu-
zir jornada e salário ou suspen-
der contratos durante a crise
provocada pela pandemia do no-
vo coronavírus. Esses trabalha-
dores receberão um benefício
emergencial equivalente a uma
parte do seguro-desemprego a
que teriam direito caso fossem
demitidos, um auxílio do gover-
no para amortecer a perda na
renda da família.
Os números são processados
pela Dataprev, que analisa um a
um os arquivos enviados pelas
empresas. Algumas fecham
mais de um acordo e prestam
essa informação de uma vez só.
Por isso, é preciso analisar caso

a caso para chegar ao número
exato.
O governo espera colocar à
disposição para consultas públi-
cas um “empregômetro”, es-
pécie de contador do número de
acordos fechados entre empre-
sas e salários.
As negociações individuais va-
lem para os trabalhadores com
carteira assinada e que recebem
até R$ 3.135 ou que tenham ensi-
no superior e ganham acima de
R$ 12.202,12. Quem tem salário
intermediário também pode ne-
gociar individualmente para re-
duzir 25% da jornada e do salá-
rio, mas depende de acordos co-
letivos, negociados pelos sindi-
catos das categorias, para altera-
ções mais radicais no contrato.
A expectativa do governo é
que o número cresça mais com a
decisão do Supremo Tribunal
Federal de assegurar a validade
imediata dos acordos indivi-
duais. No total do programa, a
equipe econômica prevê que até
24,5 milhões receberão o benefí-
cio emergencial.

Senado aprova


ampliação de


auxílio emergencial


R$ 108 bi
é quanto a equipe econômica
acredita que será o custo do
programa de auxílio emergencial
a ser pago aos trabalhadores
informais e outras categorias

Senadores decidiram estender ajuda de R$ 600 a outros grupos,


como as mães adolescentes, e o dobro será pago a pais solteiros


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