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A6 Política QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
J
air Bolsonaro bradou que o “po-
vo está no poder” ao discursar
numa manifestação abertamen-
te golpista em frente do QG do
Exército, e se empenha em provar o
que disse. Está negociando cargos
em troca de apoio aos que, no siste-
ma brasileiro, são por definição os re-
presentantes do povo: os deputados.
Para seus padrões, é a mais sofistica-
da jogada política desde que assumiu.
Tentar arrebanhar uns 200 deputa-
dos da confusa e amorfa massa de par-
lamentares identificada como “Cen-
trão”. Em busca do que até agora dizia
não ser necessário para governar, ou se-
ja, uma base razoavelmente ampla e
coordenada na Câmara dos Deputados.
Os motivos para proceder de forma
que prometeu jamais empregar – tro-
car cargos por apoio político – são dos
mais diversos, inclusive a vontade pes-
soal de “punir” quem considera chanta-
gista, conspirador e traidor, o atual pre-
sidente da Câmara, de quem Bolsona-
ro pretende tomar parte efetiva do con-
trole do “Centrão”. Um dos mais rele-
vantes motivos para a ação do presi-
dente, porém, é o reconhecimento táci-
to de que o poder do chefe do Executi-
vo diminuiu desde que ele assumiu.
Outro motivo é o efetivo cerco que
esferas políticas e institucionais impuse-
ram ao presidente via STF. Bolsonaro
tem razão em apontar para o outro lado
da Praça dos Três Poderes ao se dirigir
por redes sociais a apoiadores e dizer
que “eles” (ministros do STF) o impe-
dem de fazer o que quer. Reconhece que,
sem o Supremo e o Legislativo, nada vai.
A outra operação política sofisticada
(para padrões bolsonaristas) encabeça-
da pelo Planalto lembra fortemente o
que se fez nos tempos da tal “velha po-
lítica”, que, teoricamente, teria deixa-
do de existir. É sacar praticamente a
fundo perdido dos cofres públicos, in-
vestir em grandes obras e ver no que dá.
A possibilidade surgiu com a tal aju-
da de emergência a governadores e pre-
feitos que o próprio ministro da Econo-
mia chamou de “farra fiscal aproveitan-
do-se de uma crise de saúde pública”.
As modalidades desse socorro estão
em negociação, mas já abriram uma
avenida que permitiria ao Executivo
utilizar um “orçamento de guerra” pra-
ticamente sem limites e sem restrições
do tipo Lei de Responsabilidade Fiscal.
Claro, enquanto for tudo “temporá-
rio”, isto é, enquanto durar o estado de
calamidade. Sabe-se que, no Brasil,
“temporário” em questões fiscais é ter-
mo elástico – desonerações “temporá-
rias” de folhas de pagamento, por
exemplo, já duram uns 10 anos. E a jul-
gar pelo que se ouve falar no Planalto, o
“temporário” entraria pelo próximo
ano (para provável desespero do secre-
tário do Tesouro) e abriria a janela para
execução de um plano de recuperação
baseado em investimentos públicos
com foco central em infraestrutura.
É um tipo de intervenção estatal que
requer centralização e coordenação e a
tarefa foi atribuída a um oficial de Esta-
do-Maior, general Braga Netto, minis-
tro da Casa Civil. Talvez uma pitada de
oportunismo político (quem não
tem?) tenha levado o ministro Paulo
Guedes, um dedicado aluno de Mil-
ton Friedman, a cooperar estreita-
mente nessa empreitada e abraçar-
se a John Maynard Keynes. Famoso
pela frase, entre outras, de que “se
mudam os fatos, eu mudo de opi-
nião” (Guedes, tal como os clássi-
cos Friedman e Keynes, gostaria
que os políticos o ouvissem mais).
Os fatos que mudaram são de enor-
me magnitude. A crise do coronaví-
rus tornou imprevisível o tamanho
da tragédia de saúde pública e econô-
mica no mundo e no Brasil. Ela escan-
carou a falta de liderança no topo do
Executivo, a profunda disfuncionali-
dade do sistema de governo brasilei-
ro e agravou a situação de um país já
prisioneiro da armadilha da renda mé-
dia, com produtividade estagnada – e
sem ter conseguido levar adiante o es-
sencial das reformas estruturantes.
Sim, não há manuais prontos para
lidar com uma crise dessas. Que já é
uma lição prática do esqueçam o
que eu disse antes.
Estados e municípios come-
çam a reduzir gastos com cus-
teio para direcionar mais ver-
bas para o combate ao corona-
vírus. Ontem, o governador
de Goiás, Ronaldo Caiado
(DEM), propôs corte de 20%
nas despesas do Executivo,
Legislativo e Judiciário do
seu Estado para garantir o pa-
gamento do salário dos servi-
dores e direcionar recursos
para a Saúde. O governador
Helder Barbalho (MDB), do
Pará, anunciou que vai doar
três meses de salário a um
fundo para combater a covid-
19. Em São Paulo, a Assem-
bleia Legislativa e a Câmara
Municipal devem votar hoje
pacotes de cortes.
Nas últimas semanas, Caiado
e os outros chefes de Poderes
de Goiás vinham se reunindo pa-
ra construir uma proposta que
fizesse frente à queda de arreca-
dação do Estado. O corte de
20% nos gastos fixos da admi-
nistração estadual, excluindo
salários, também vale para o Mi-
nistério Público, a Defensoria
Pública e o Tribunal de Contas
do Estado de Goiás. Segundo
Caiado, se o governo federal
não repassar mais recursos, ele
terá que fazer cortes diretamen-
te na folha de pagamento.
“Estou num impasse. Vou do-
sando de acordo com a arreca-
dação, mas não posso perder o
apoio dos servidores. Se não
chegarem recursos federais, o
corte de custeio pode não ser
suficiente e vou ter que entrar
na folha de pagamento”, disse
Caiado ao Estado.
No Pará, Barbalho diz espe-
rar que sua iniciativa de doar sa-
lário seja copiada por outros Po-
deres. “Decidi que vou doar, a
partir deste mês, três meses do
meu salário para o fundo de
combate ao novo coronavírus
no Pará. O valor total é de R$
67.148,19. Espero que esta pe-
quena atitude estimule outros
Poderes a se juntarem a mim”,
escreveu Barbalho no Twitter.
A Assembleia Legislativa de
São Paulo (Alesp) apresentou
ontem um plano de corte de gas-
tos que deve gerar uma econo-
mia de R$ 320 milhões. O valor,
que equivale a um quarto do or-
çamento da Casa, deve ser in-
vestido em ações de combate à
pandemia do coronavírus. O
projeto tramita em regime de
urgência e deve ir para votação
hoje à tarde. A expectativa é que
as medidas passem a vigorar a
partir do dia 1.º de maio.
A proposta é que sejam redu-
zidos em 30% os salários e ver-
bas de gabinete dos 94 deputa-
dos da Alesp. A Mesa Diretora
também sugere um corte de
20% nos salários e benefícios
dos funcionários comissiona-
dos da Casa, além da doação de
70% do Fundo Especial de Des-
pesas e revisão de contratos.
Votação. “Estamos apresentan-
do esse projeto, de maneira mui-
to clara e explícita, de redução
do custo operacional do Poder
Legislativo, fazendo esse gesto
importante, e esperamos que as
demais casas legislativas do Bra-
sil sigam nessa direção tam-
bém”, declarou o presidente da
Alesp, Cauê Macris (PSDB). Si-
tuação e oposição devem votar
a favor da proposta.
A Câmara Municipal de São
Paulo também deve apreciar
hoje um projeto que reduz em
30% os salários dos vereadores
da capital enquanto estiver em
vigor o estado de calamidade
pública. O salário do parlamen-
tar é de R$ 18.991,68. O texto
ainda determina redução de
20% nos vencimentos dos servi-
dores comissionados e em 30%
da verba para despesas gerais
dos 55 gabinetes.
Segundo a Câmara Munici-
pal, “as medidas representam
uma economia de R$ 3,92 mi-
lhões por mês, um total de R$
31,4 milhões até dezembro”.
Na Câmara, tramita ainda pro-
jeto de lei para retomada das
atividades econômicas, que
prevê descontos de Imposto
Predial e Territorial Urbano
(IPTU) para comerciantes
atingidos pelo fechamento do
comércio e prorrogação da vali-
dade de alvarás que venceram
durante a pandemia. / BRUNO
NOMURA, BRUNO RIBEIRO E PEDRO
VENCESLAU
WILLIAM
WAACK
Em blog, chanceler
fala em ‘comunavírus’
A sofisticação de
Bolsonaro
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
O ministro da Saúde, Nelson
Teich, anunciou ontem o nome
de seu novo braço direito, o se-
cretário executivo da pasta, ge-
neral Eduardo Pazuello. O gene-
ral foi uma escolha pessoal do
presidente Jair Bolsonaro.
“Acredito que ele possa de ver-
dade ajudar a criar um progra-
ma de crescimento compatível
com a necessidade que nós te-
mos hoje”, disse o ministro.
Pazuello comandou, até outu-
bro do ano passado, a Operação
Acolhida, que dá apoio a refugia-
dos, especialmente da Venezue-
la. O cargo de secretário executi-
vo do Ministério da Saúde é ocu-
pado atualmente por João Gab-
bardo, médico e ex-secretário
de Saúde do Rio Grande do Sul,
indicado por Osmar Terra
(MDB). Gabbardo já declarou
que pretende permanecer na
pasta, se for convidado pelo no-
vo ministro.
O novo secretário executivo
do Ministério da Saúde, general
Eduardo Pazuello, é paraquedis-
ta, assim como o presidente Jair
Bolsonaro e grande parte dos
militares que atuam no primei-
ro escalão do governo.
Durante dois anos, Pazuello
comandou a Operação Acolhi-
da, em Roraima, pela qual rece-
beu prêmio de direitos huma-
nos junto com agências da Orga-
nização das Nações Unidas e o
Exército, pela resposta humani-
tária dada ao atendimento aos
venezuelanos. Também exer-
ceu vários comandos na área de
logística, o que foi decisivo para
a sua escolha para o novo posto.
“Quando eu falo em relação a
trazer o general, é que eu acredi-
to que ele possa, de verdade, aju-
dar que a gente consiga criar um
programa de ajuste e crescimen-
to compatível com a necessida-
de que a gente tem hoje”, disse
o ministro, referindo-se à adap-
tação da infraestrutura médica
e hospitalar do País para lidar
com o avanço da doença.
O novo secretário executivo
da Saúde entrou no Exército
em 1984, ainda está na ativa e,
com a nomeação, ficará afasta-
do da Força por até dois anos,
para assumir um cargo de natu-
reza civil. A passagem para a re-
serva está prevista para março
de 2022. / TÂNIA MONTEIRO
Felipe Frazão / BRASÍLIA
Uma manifestação do ministro
das Relações Exteriores, Ernes-
to Araújo, provocou reação no
Congresso em meio ao desgas-
te das relações entre Brasil e
China. O deputado Fausto Pina-
to (PP-SP), que preside a Fren-
te Parlamentar Brasil-China na
Câmara, ameaça entrar com
um pedido de impeachment do
chanceler por causa de críticas
ao país asiático.
Pinato encomendou a asses-
sores jurídicos a elaboração de
uma denúncia por crime de res-
ponsabilidade e pretende apre-
sentá-la nos próximos dias ao
Supremo Tribunal Federal e à
Câmara. O motivo foi o texto
intitulado “Chegou o comunaví-
rus”, publicado pelo ministro
na noite de anteontem em seu
blog pessoal, o Metapolítica 17.
No texto, o chanceler cita um
livro do filósofo esloveno Sla-
voj Zizek e fala em “jogo comu-
nista-globalista de apropriação
da pandemia para subverter
completamente a democracia li-
beral e a economia de merca-
do”. Faz ainda observações críti-
cas sobre o regime do Partido
Comunista Chinês e a Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS).
“A pretexto da pandemia, o no-
vo comunismo trata de cons-
truir um mundo sem nações,
sem liberdade, sem espírito, di-
rigido por uma agência central
de ‘solidariedade’ encarregada
de vigiar e punir”, escreveu.
Pinato disse que vai proces-
sar o chanceler por “reiterada-
mente externar posições irres-
ponsáveis e depreciativas” so-
bre a China, a maior parceira co-
mercial do Brasil. “Logo, contra
os interesses do nosso país”,
afirmou. Procurado, o Itama-
raty não quis comentar.
lUm dos primeiros governado-
res a decretar medidas de isola-
mento e paralisação de comércio
e escolas por causa da pandemia
do coronavírus, o governador do
Distrito Federal, Ibaneis Rocha,
mudou o discurso e disse ontem
que o momento é de “parceria”
com o governo Jair Bolsonaro.
Governadores têm sido alvo de
ataques do presidente, que cobra
um afrouxamento no distancia-
mento social e a “volta à normali-
dade”. “Temos que nos unir”, afir-
mou Ibaneis, que planeja a rea-
bertura de escolas.” / ANDRÉ
BORGES e JULIA LINDNER
l Confiança
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) agendou na madrugada
de ontem o julgamento em ple-
nário virtual de um recurso
apresentado pelo ex-presiden-
te Luiz Inácio Lula da Silva no
caso do triplex do Guarujá. A
análise do caso começou na tar-
de de ontem e deverá continuar
até o dia 28. Advogados do petis-
ta alegaram que não tiveram
tempo de se manifestar.
“A movimentação não foi de-
vidamente publicada, em tem-
po e modo, suprimindo o direi-
to da defesa de apresentar me-
moriais, ter conhecimento pré-
vio do julgamento para se prepa-
rar”, disse o advogado de Lula,
Cristiano Zanin Martins. Lula
foi condenado pelo STJ em
abril do ano passado por corrup-
ção passiva e lavagem de dinhei-
ro e teve pena reduzida para 8
anos, 10 meses e 20 dias de re-
clusão. / PAULO ROBERTO NETTO
‘Momento é de
união’, diz Ibaneis
STJ julga
recurso de Lula
no caso triplex
AFONSO BRAGA / REDE CÂMARA
Estados reduzem
custeio para o
combate ao vírus
Goiás anuncia diminuição de 20% das despesas dos três Poderes;
em SP, Assembleia e Câmara Municipal votam pacotes de cortes
Remoto. Câmara de São Paulo realiza sessão plenária virtual: corte nas despesas da Casa
Cargo de secretário
executivo do Ministério
da Saúde será ocupado
por Eduardo Pazuello,
escolhido por Bolsonaro
“Acredito que ele possa, de
verdade, ajudar a criar um
programa de ajuste e
crescimento compatível
com a necessidade que a
gente tem hoje.”
Nelson Teich
MINISTRO DA SAÚDE
Teich anuncia general
como número 2 da pasta
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