Aero Magazine - Edição 311 (2020-04)

(Antfer) #1

MAGAZINE 311 | (^17)


AVIAÇÃO EM


QUARENTENA


O mundo não estava preparado para uma pandemia


POR | GIULIANO AGMONT


O


ano de 2020
certamente ficará
na história como
o mais impactan-
te marco político,
econômico e
social desde a Segunda Guerra Mun-
dial. A pandemia provocada por um
vírus até então desconhecido impôs
ao planeta uma paralisação compul-
sória das atividades não essenciais e
grande parte da população simples-
mente se recolheu ao isolamento
doméstico, com medo de um colapso
dos sistemas de saúde e a consequen-
te perda de centenas de milhares de
vidas.
A covid-19 inaugura uma era.
Ao eclodir justamente na virada da
segunda para a terceira década do
século 21, a doença promete deixar
reflexos profundos na forma como
as relações humanas se moldarão
neste terceiro milênio, marcado
até aqui pela consolidação de uma
gigantesca revolução digital.
Num piscar de olhos, a rede
mundial de transportes aéreos – um
dos maiores orgulhos da civilização
contemporânea – transformou-se
em cúmplice involuntária da rápida
disseminação da crise sanitária. Com
a maioria das aeronaves paradas no
solo, a aviação civil perdeu o fôlego
e entrou em quarentena. É provável
que irá precisar de algum tempo
para se recuperar, o que certamente
acontecerá assim que os negócios


voltarem com força total.
Na atual fase dos acontecimentos,
o que mais nos impressiona é que o
transporte aéreo global, uma das mais
eficientes indústrias, com sua capaci-
dade invejável de gestão de situações
complexas e resiliência a variáveis
múltiplas, foi pega inteiramente de
surpresa pela emergência sanitária
desencadeada pelo novo coronaví-
rus. Ninguém foi capaz de prever a
brutal escalada de cancelamentos de
voos que iria ocorrer entre fevereiro e
março últimos: gestores de aeroportos,
companhias aéreas, fabricantes de
toda a cadeia, autoridades de aviação,
especialistas em segurança, agentes
sanitários, institutos de pesquisa,
analistas de mercado, médicos aeroes-
paciais, investidores... enfim, ninguém!
Ainda no calor do momento, é
difícil saber exatamente como tudo
começou. Provavelmente será mais
uma daquelas perguntas históricas
sem resposta definitiva, que suscitam
debates e especulações. Hoje, a hipó-
tese mais aceita associa a transmissão
do novo coronavírus aos humanos
a alguns hábitos alimentares e ao
comércio de animais selvagens, como
morcegos e pangolins, na China.
Teorias mais controversas aventam a
possiblidade de o vírus ter sido criado
em laboratório.
Seja qual for a resposta, o fato é
que a pandemia escancarou a vul-
nerabilidade da aviação frente a um
inimigo invisível. Agora, governos e

indústria se concentram na redução
dos danos e na busca por soluções
para evitar que episódios como este
voltem a acontecer, como determi-
na a boa prática das investigações
de acidentes aéreos. É possível que
questionamentos em torno do
direito à privacidade dos passageiros
aéreos ganhe força. Com objetivo
de identificar indivíduos com maior
risco de contágio, sistemas de reco-
nhecimento biométrico e informa-
ções sobre geolocalização, preferên-
cias e hábitos de vida podem passar
a ser cruzados com dados de mídias
sociais, usando sistemas de Big Data
e a quinta geração das redes telefonia
móvel (5G). Paralelamente, as
discussões sobre as novas regras de
segurança sanitária contra epide-
mias globais podem criar condições
para o surgimento de um sistema
interligado de monitoramento
internacional de voos, embarques e
desembarques.
Por ora, a aviação aguarda até
que se tenha uma dimensão mais
exata das consequências globais da
pandemia para poder redimensionar
sua atuação e traçar novas estratégias.
Em meio às mudanças causadas pela
crise, é certo que novas oportunida-
des surgirão. Resta saber por quanto
tempo essa transformação no trans-
porte aéreo se estenderá e quantos
dos grandes players atuais consegui-
rão sustentar seu protagonismo. Até
porque, a aviação nunca para.
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