Folha de São Paulo - 25.03.2020

(nextflipdebug5) #1

aeee


mundo coronavírus


A12 QUARTA-FEIRA,25DEMARÇODE 2020


Número de mortes
voltaasubir na Itália
AItáliaregistrou nesta
terça( 24 ) 743 novas mor-
tesporcoronavírus, che-
gando a 6. 820 nototal,
segundoaAgência de
Proteção Civildopaís.
Há dois diasonúmero
de mortesvinharegis-
trando desaceleração: na
segunda ( 23 ),foram 602
e, no domingo( 22 ), 650.
Nosábado ( 21 ),opaís
teverecordedevítimas:
793 .Umdosmaisatin-
gidos pelapandemia, a
Itáliaestudaestender o
confinamentoaté 31 de
julho.Ogovernopubli-
couumdecreto coma
data,mas opremiê Giu-
seppe Contenegou que
planeja manter as medi-
das rígidas portanto
tempo.Disseainda que
pretende afrouxar as
restrições muitoantes
disso.Adatainicial-
menteprevistaparao
fim das medidasrestriti-
vasera 3 de abril.

Mães da Praça de Maio
deixam de marchar
Pela primeiravezdesde
ofimdaditaduramili-
tarargentina ( 1976 - 1983 ),
odia da MemóriaHistó-
rica, quetodo ano,em
24 de março,lembraos
desaparecidos durante
oregime, nãocontou
comatosehomena-
gens nas ruas.Também
foiaprimeirasemana,
desde 1977 ,que as Mães
daPraçadeMaio não
saíram paramarchar,
rotina que nuncaaban-
donaram. Os doisatos
foramsubstituídos por
um “pañuelazo” —agi-
taçãodepanos bran-
cos, símbolo das mães—
eapublicação nasredes
sociaisdos nomes de 120
intelectuaiseartistas
desaparecidos, além de
canções, poemasefotos.
Ainiciativapartiudas
organizações de direi-
toshumanos paratentar
conscientizar as pessoas
anão saírem decasa.

Berço da doença na
China deixaquarentena
Berçodapandemia da
Covid- 19 ,aprovíncia de
Hubei se preparapara
sair da quarentena. A
partir destaquarta( 25 ),
os moradores pode-
rãocircular livremente,
segundo decisão anun-
ciada pelas autoridades
chinesas.Noentanto, os
habitantes deWuhan,
cidade ondefoidetec-
tadoonovocoronaví-
rus,devem esperaraté 8
de abril parasair normal-
menteàsruas.

Cuba proíbe moradores
de deixaremopaís
Aditaduracubana proi-
biu na segunda seus cida-
dãosde deixaremopaís,
em mais uma medida
paratentarconteradis-
seminação decoronaví-
rus na ilha. Haverá exce-
çãoapenas paraquem
precisar viajar porrazões
humanitárias, disse o
númerodoisdoregime,
Manuel Marrero. Os
cubanostambém não
poderão se locomo-
verpelas diferentes pro-
víncias sem autoriza-
ção. Ele anunciouainda
quetodos os 32 milturis-
tasatualmentenopaís
devemficaremisola-
mentoeestão proibidos
de deixaremseus hotéis.

Casamentos terão até
5pessoas naAustrália
AAustrália anunciou
nesta terçadiversas
medidas paratentar bar-
rarapropagação docoro-
navírus. Oscasamentos
poderãoterapenas cinco
pessoaspresentes, inclu-
indo os noivoseocele-
brador dacerimônia.Os
velóriosefunerais tam-
bémterãolimite, de dez
pessoas,edeverão ser

OIMPACTONOMUNDO

‘Essa desproteção, em especialnapolícia,vaicobrarfatura’


DIÁRIO DEUM
CONFINAMENTO



  • Susana Bragatto


barcelonaDia# 11 –Barcelo-
na–Terça, 24 de março.Ce-
na: pensandoemcomo me-
ter“youshouldhaveunders-
tood it the first timearound”
em umaletra de música.
“Pi, pipicachu?Picachu, pica-
pi picapi pipipi, PI-CA-CHU!!”
Ovídeocaseiro,filmado na
comunidade espanholadeAs-
túrias,vemcirculando pelain-
ternerdpor aqui e, deverda-
de, deixou meucorazónzinho
brasilêroemocionado.“Achei
bobo”,alguémcomenta.Bom.
Mostrauma patrulhapolicial
parada no meio de uma rua,
rodeadadeedifícioscomgen-
te àjanela(claro, onde mais),
eumpolicial narrando no al-
to-falanteumacartadoPica-
chu às criançasconfinadas.
Aplausos, aplausos.


Penso na polícia do nosso
país. Digo, você sabe(dou-lhe
uma, dou-lhe duas...). Me per-
guntosehaverámarolasde
civilidadeebom humor por
aí como as que outrodia leva-
ramuma patrulha espanho-
la asimular um pique-escon-
decomacriançadadeumpu-
eblo.Ouumsentido de soli-
dariedadecomooque moti-
vounos últimos diasadança
decarros, sireneseaplausos
da polícia em homenagem
aos profissionais de saúde
em Moncloa, um dos princi-
pais bairroscentrais de Madri,
eemoutros lugares do país.
Arealidade,porém, estálon-
ge de serromântica. “ 85 a 90 %
da população estáseguindo
àriscaoconfinamento”,co-
mentaum“mossodeescua-
dra” (membrodaforçapoli-
cial dacomunidade da Cata-
lunha).Oproblemamaissé-
rio,noentanto, estánaprote-
çãodos que estão na linha de

frenteemgeral.Assimcomo
aopessoal sanitário,aos po-
liciaistambémfaltamaterial
simples de proteção,como
máscaras.“Atéagora,muitas
vezesaparecematerial por-
que alguém tinhaemcasa
ou encontrou em alguma lo-
ja”, diz. Além disso,hápolici-
ais em quarentena semcon-
firmação de diagnósticopor
faltadetestes—enquanto
seuscompanheiros seguem
nas ruas trabalhando.“Essa
desproteção vaicobrarfatura.”
Hoje, 11 ºdia deconfinamen-
to domiciliar,minha medita-
çãomatinalfoiturbulenta. Mil
inquietações,inclusiveeconô-
micas, plus participações es-
peciaissortidas.
Porexemplo.Umfulanona
esquinadeterninhoepasta
de escritório berrando note-
lefone“Quê???Papel higiêni-
cotambém??Ok, ok”. Uma
mãe mascarada arrastando
uma criançamascarada(“Fi-

quem emcasaaaa!”,penso,e
minhas pálpebras meditativas
dão umasflickadas nervosas).
Umcarrodapolícia passando
pelo cruzamentovaziocom le-
treiroluminoso onde se lê em
várias línguas: “OBRIGADO
PORFICAR EM CASA”.
E, principalmente, os pas-
sarinhos na árvore em frente
do meu prédio piando mais al-
to do que nunca, overpiando,
derramando seucantosobre
omundo outdoors ensolara-
do queagentedeixouàspres-
sas há 11 dias. Pensonos len-
dáriospovoadosespanhóis
abandonados, onde, dizem,
você ganhacasa,comidaesa-
lário praviver —seaguentar.
Agripe normal matou 6. 300
pessoas na Espanha em 2019 —
ouoequivalente apoucomais
de 17 acada dia. Só hoje, mais
de 500 pessoasfalecerampor
complicaçõesda Covid- 19 no
país. Espera-se que os números
aumentemexponencialmen-

te nestasemanaecheguem
ao seu pontomáximoatéofi-
naldo mês.Noentantoanáli-
sesrecém-publicadas já apon-
tamuma curva decrescimen-
to mais íngremedoque aitali-
ana.Osubdiagnósticoéuma
das grandes questões.
Enquantoisso, vouvendo
fotosaéreasdaminha cidade
vazia.Barcelona, grandeca-
pitalturísticadomundo.Va-
zia, mas não detodo—esses
dias um javali (bichimatéco-
mum nas montanhas que cir-
cundamacapital, mas não no
perímetrourbano)foi surpre-
endidonocentro, sentado de
boas no meio de umaaveni-
da normalmentesupermovi-
mentada.Nasruas de algum
povoadodeAstúrias(deno-
vo), região no noroestedaEs-
panhatãoamada porWoody
Allen, játoparamatécom um
ursopardo.“Vamosver quem
denunciaourso por nãoficar
emcasa”, disse alguém.


  • Sylvia Colombo


buenosairesLíder de um pa-
ís comquase 130 milhões de
habitantes, ondesãoregistra-
dos 367 casos e 4 mortes por
Covid- 19 ,omexicano Andrés
ManuelLópez Obrador se
mostrou um negacionistada
mesma escala do problema.
Aos 66 ,portantodentrodo
grupo de risco, opresidentejá
declarou que“abraçarébom”
eque, mesmoque digam para
não se abraçar devido aos ris-
cosdecontágio pelocoronaví-
rus, “nãovaiacontecer nada”.
Numa viagemrecentea
Guerrero,um dos estados
maispobres do México,opre-
sidentecolocousuasdeclara-
ções em prática, abraçando
apoiadoresebeijandobebês
duranteumgrandeevento.
Ocomportamento de AM-
LO,comoLópez Obradoréco-
nhecido,remeteasuacampa-
nha eleitoral, cujo slogan pe-
dia paratrocar“balazos” (ti-
ros) por“abrazos”.
Questionadosobreosperi-
gosdeseusgestos paraasaú-
de pública emtempos de pan-
demia,omexicano disse que
suafé oprotegia. Em segui-
da, mostrou imagens de san-
toscatólicos paraaimprensa.
Nodia 15 ,divulgou um ví-
deoainda maistemeroso. Ne-
le,aparecediantedeuma me-
sa farta,comcomidasmexica-
nas típicas.“Vamos em fren-


te,enão deixemdesair”, dizia.
“Quandoforomomentode
ficar emcasa, eu osavisarei.”
Opresidenteainda pedia
aos mexicanos, “umaetnia
forte, queconseguevencervá-
rios tipos de peste”,paraque
continuassem levando suas
famíliasarestaurantes,for-
talecendo assimaeconomia
popular,umavezque “nãofa-
rá bem ao país paralisaraeco-
nomia de maneiraexagerada”.
Diantedepedidos de mem-
bros dogoverno para suspen-
dervoos entreoMéxicoeos
Estados Unidos, AMLOne-
gouapossibilidadecategori-
camente.“Precisamosdeles.”
Num país em que 69 mi-
lhões de pessoas nãotêmaces-
so anenhumtipodeplano de
saúde,eosistemapúbliconão
dariacontadeumgrande nú-
merodeinternações, as decla-
rações são alarmantes.
Uma pesquisa do instituto
Mitofsky divulgada no início
de marçomostrou que 63 %
dos mexicanos afirmamter
medo de serem infectados ou
de queadoençaafete alguém
dafamília.Por outro lado, 28 %
disseramter dúvidas sobrea
necessidadede ficaremcasa.
Nointerior, écomum que
famílias inteiras dividamca-
sas pequenas,oquefacilitaria
apropagação do vírus,eesse
aspectoéapontadocomoou-
trotemor dos entrevistados.
“A pesar deopresidentedi-

Presidente do México pediu


beijos enada de quarentena


Andrés ManuelLópez Obradorfoicriticado por minimizar gravidade da crise


zeressascoisas, há outrasfor-
çasnopaístomando iniciati-
vas”,diz aescritoraeanalis-
ta políticaCecíliaGonzález.
“Hácampanhasque sur-
gemdasociedade, há políti-
costomandodecisõeslocais,
eoMéxicotem tradição deter
uma sociedade civil muitoati-
va,que nãovaisimplesmen-
te aceitaressas bobagens que
AMLOestádizendo.”
Um dosexemploséaprefei-
ta da Cidade doMéxico, Clau-
dia Sheinbaum, que mandou
fechar cinemas,teatros, mu-
seus, academiasebares.
Já asecretariadeSaúdelan-
çoucampanha baseada num
personagem batizado de Susa-
na Distância, um jogodepala-
vrascom“sana distancia”(dis-
tância saudável), que abreos
braços paramostraroquão
longetem de estar dos amigos.
Os críticos de AMLOafir-
mam que ele não quer alar-
marapopulaçãoporque sa-
be que nãoterá comoatender
auma demanda altadepaci-
entes.Opaís,asegunda mai-
oreconomiadaAméricaLa-
tina,temapenas 4. 372 leitos
equipadoscomrespiradores.
Nasredes sociais,afúria
contraopresidentecresce,
como no dia em que elereco-
mendou aos que estão preo-
cupadoscomapandemia ler
olivro“OAmor nosTempos
do Cólera”,docolombiano Ga-
brielGarcía Márquez, “porque
aliteraturapode ser um bál-
samo para aalmainquieta”.
AMLO,no entanto, parece
não perceberque, apesardo
aparentefinalfeliz, trata-se
de uma obrasobreuma tra-
gédia, humanaeespiritual.
Poroutrolado,umaoutra
autoridade parecemanter
mais os pés no chão do que o
presidente. HugoLópez-Ga-
tell, subsecretário deSaúde
eresponsávelpela adminis-
tração da crisenoMéxico, é
quemtemdivulgado os nú-
merosdapandemiaedado
recomendações àpopulação.
Nestaterça ( 24 ), anunci-
ou novasdecisões paraten-
tarconteroavançodadoen-
ça.Além dofechamentode
escolas por um mês, medida
quecomeçounasegunda-fei-
ra ( 23 ),ogoverno suspendeu a
realização de grandeseventos.
“Decidimos suspendertem-
porariamenteeventoscom
cemoumais pessoas”,disse
López-Gatell.“Todas asreuni-
ões —públicas, privadas,go-
vernamentais, sociais— de-
vemser evitadas.”
Oanúncio,porém,teveuma
cena inusitada. Enquanto o
presidente recomendava dis-
tanciamento, seusministros
se espremiamnopalco.
Apesar disso, AMLO,que
poucotempoatráspegou uma
garotinha nos braços em meio
àmultidãoedeu oitobeijos
em suasbochechas, parece
tercomeçadoaentender a
gravidade da crise.
Noúltimo sábado ( 21 ), pu-
blicou um vídeonoqual uma
criança,escreveele,queria lhe
dar beijos. “Mas não posso
devidoàdistância saudável.”


OMéxicotem tradição deteruma
sociedade civil muitoativa,que
nãovaisimplesmenteaceitar essas
bobagens que AMLOestádizendo

Cecília González,escritoraeanalistapolítica

Movimentonometrôda Cidade do Méxicocontinua intenso em meioàpandemia decoronavírus GustavoGraf/Reuters


Opresidentemexicano, Andrés ManuelLópezObrador,
gesticuladurante entrevistanestaterça(24) Xinhua
Free download pdf