Folha de São Paulo - 25.03.2020

(nextflipdebug5) #1

aeee


coronavírus mercado


QUARTA-FEIRA,25DEMARÇODE 2020 A

Grandes hospitais se queixam
de quefaltam equipamentos
básicos de proteçãoparaoseu
pessoal, emSãoPaulo ou no
Amazonas.Trata-se de másca-
ras, óculos de proteção, aven-
tais e, se ainda pudesse ser mais


inacreditável, de álcool emgel.
Que há escassezdobásico
em hospitaisepostos de saú-
de, nãoéobviamente novida-
de. Mas, no meio da guerra
dramáticacontraaepidemia,
continuaafaltarroupa ele-


mentareantissépticodemo-
do desesperador,aopontode
médicosegrandes instituições


de saúde públicapediremdo-
ações ao público. Éumacinte.
Acontinuarafaltadeequi-
pamentos paraopessoal da sa-
úde, estaremos diantedeum
caso de negligência ou incom-
petências criminoso,pareci-
docomatraição emtempos
de guerra. Nãoéaceitável em
hipótese alguma que alguém
tenhaodesplantededizer que
faltadinheiro. Dinheiroterá
de haver.Falta éorganização
competente. Cadê umcomi-
tê nacional paraadministrar
aproduçãoedistribuiçãode
insumos?

Alémdedescaso fúnebrecom
os doentes, não providenciar
equipamentoparaopessoal de
saúdeéatirarcontraospró-
prios soldados.Ésabotar,an-
tesdoseu início,parte da gran-
de ofensivaque podemitigar
oefeitodevastador da epide-
mia sobrevidas, aquieago-
ra,esobre aeconomia,tam-
bémquestão de vidaemorte.
Nãohásoluçãoeconômica
paraoataque da epidemia.
Há paliativos, ainda queexi-
jam gastos públicoseesfor-
çosprivados gigantescos. Mas
não haverátentativadevolta

aalguma espécie de vidaeco-
nômicanormal, ainda que de-
primida, semvitórianafren-
te de saúde.
Em última instância, uma vi-
tória ou pelo menos umacon-
traofensivabem-sucedida de-
pendedevacinaouimuniza-
çãonatural, aindafora do ho-
rizonte. Antes disso,osucesso
parcial dependedeque se en-
contreumremédioque trate
deevitar muitas mortesede
proteger os mais frágeis,bai-
xandoaletalidade da epide-
mia. Comalgumremédio dis-
ponível,arealizaçãodetestes

em massa, deresto, pode au-
xiliar oufacilitar estratégias
deconfinamento maisdireci-
onadas, específicas, emvezdo
trancamentodos negócios e
das pessoas.Talvezaí avida
possarecomeçar.
Antes dessesprogressosain-
da sonhados, dispomosapenas
do pessoal da saúde, além da
inteligência dos nossos epide-
miologistas, médicoseespeci-
alistasemgeral em epidemias.
Precisamosconter as mortese
omedo paralisante. Paratan-
to,PRECISAMOSDAPRODU-
ÇÃOEMMASSADEEQUIPA-
MENTOSpara hospitais epa-
raopessoal da saúde.
Todos os dias, ouvimosases-
tatísticasnecessárias, master-
ríveis, do númerodeferidos e
mortos naepidemia. Onde es-
tãoosnúmeros do quefaltapa-
ra evitar essa desgraça? Quan-
tosventiladoreseequipamen-
tosparaUTIsfaltam?Másca-
ras? Um malditoecomezinho

álcool emgelparaoposto de
saúde ou hospital de alta com-
plexidade, até?
Gentedegovernosaté outro
diafalavaque “não haverátes-
tessuficientes” paraexames em
massaeparainformar estra-
tégias decontenção da epide-
mia.Agora,fala-se em 22 , 9 mi-
lhõesdetestes.Bom.Espera-se
que não sejafantasia.
Alguma providência similar
deveser adotada paraapro-
duçãoecompraemmassade
equipamentosmédico-hospi-
talares. Se possívelenecessá-
rio,fábricasdevem sercon-
vertidasparaaprodução des-
ses insumos,como sefabricam
armascontrauminimigoem
tempos de guerradefato.
Dinheiro? Arrume-se. Quem
estáfazendocontinha mesqui-
nha, derestomuitoequivoca-
da, mesmoeconomicamente,
estásendo cúmplicedamor-
te edadestruiçãoeconômica.
[email protected]

Onde estáocomitênacionalparaadministraraprodução do básicoparaasaúde?



  • ViniciusTorresFreire


Jornalista,foisecretário deRedação daFolha.Émestreemadministração pública pelaUniversidade Harvard(EUA)


Na epidemia,hospitais nãotêmálcool


Isolamentonãoésustentável


econômicanem socialmente


OPINIÃO
thewallstreetjournalOs
mercadosinterromperam
sua queda na última quinta
( 19 ), mas ninguém deve pen-
sar queacalamidadeeconô-
micaterminou. Seoisola-
mentoordenado pelogover-
no americanocontinuar por
muitomaisque uma sema-
na ou duas,ocustohumano
das perdas de empregoefa-
lências serásuperior ao que
amaioria imagina.
Isso não serámuitoapreci-
ado emalguns setores, mas
as autoridadesfederaisees-
taduais precisamcomeçara
adaptar sua estratégia antiví-
rus agoraparaevitarumare-
cessão que superaráem mui-
to os prejuízos de 2008 - 2009.
Oenorme projetodeafas-
tamentosocialfoinecessá-
rioefez bem:salvará vidas.O
públicorecebeu umaeduca-
çãocrucialemhigieneepre-
venção de doenças. Com sor-
te,essamudança vaireduzir
adisseminação docoronaví-
rusosuficienteparahospi-
tais não ficarem saturados.
Especialistas estãoga-
nhando umtempo crucial
paraqueogovernoeain-
dústriaprivada organizem
recursoscontraovírus.
Mas os custos desse isola-
mentocrescem horaaho-
ra,enão estamosfalando de
gastosfederais —mas sim de
um tsunami dedestruição
econômica quefará dezenas
de milhões perderemoem-
pregoenquantoocomércio
eaprodução simplesmente
param. Muitas grandes em-
presas suportam algumas se-
manas semreceitas, mas isso
nãovale para milhões depe-
quenasemédias empresas.
Primeiroelas demitirão
edepoisfecharão.Mais um
mêscomo estasemanaeas
demissões serão medidas em
milhõesdepessoas.
Oprejuízonaprodução se-
rá profundoelevará anos pa-
ra se reconstruir.Emumare-
cessão normal, os EUAper-
demcercade 5 %daprodu-
çãonacionalaolongode
mais ou menos um ano.Ago-
ra,poderemosperder esse
tantoouodobroemummês.
Ed Hyman,economista de
Wall Street, ajustou na quinta
sua estimativaparaosegun-
do trimestreparauma que-
da anual do PIB de 20 %.Ose-
cretário doTesouro, Steven
Mnuchin, disse queaecono-
mia suportarátudoisso, mas
seráexcessodeotimismose
continuar por muitotempo.
SeoPIB pareceabstrato,
pense nocustohumano:no
empresário que investiuavi-
da em umrestaurantepara
verseusclientes desaparece-
rememuma semana, narede
de 30 lojas que empregacen-
tenas, mas nãotemvendas
eprecisafecharasportas.

Ou narecém-formadacom
US$ 20 mil em dívidas estu-
dantisque sevê demitida do
primeiroemprego. Talvez ela
volteparaacasa dos pais,
maseseelesforemdemiti-
dos? Como se medeocusto
humano dessessonhosdes-
pedaçados,de danosàsaú-
de mentalresultantes das or-
dens dosgovernos?
Alguns na mídia dizem que
aChina administrou um cho-
quecomparávelàsuaecono-
miaeagoracomeça asairdo
outrolado.Por que os EUA
não podemfazeromesmo?
IssoignoraqueoEstadochi-
nês possui enorme partici-
pação naeconomiaedeci-
diu absorverosprejuízos.
NosEUAessesprejuízos se-
rãosuportados por propri-
etários privadosetrabalha-
dores que dependem de uma
economia privada funcional.
Políticos emWashington
dizem aos americanos,co-
mo sempre, que virão em
seu socorro. Masnão hávo-
lume dedinheirocapaz de
compensar os prejuízos da
magnitude queestamos en-
frentandoseisso durar mais
várias semanas.Depois do
primeiro trilhãode dólares
neste mês,teremos degastar
mais US$ 1 trilhão em abril,
emaisumemmaio?
Talveztenhamossorte, e
ogênio humanoecapitalis-
ta para inovaçãoproduzam
umavacina outratamentos
paraaCovid- 19 maisdepres-
sa do que se espera.Docon-
trário,nossos lídereseaso-
ciedade muitoembreve pre-
cisarão mudar sua estraté-
gia decombate aovíruspa-
ra algoque seja sustentável.
Autoridadesexplicaram
que essa severapolíticade
isolamentoseriareconside-
rada,adependerdadissemi-
nação da doença.Esse deve-
rá seromomento,senão an-
tes, de oferecer novasorien-
tações sobre afase 2 dacam-
panhacontraapandemia.
Estacertamenteincluirá
medidas rígidas paraisolar e
proteger os maisvulneráveis,
sem setornar uma discussão
sobrequantasvidas sacrifi-
carcontraquantosempregos
perdidospodemostolerar.O
afastamentosocial substan-
cialeoutras medidasterão
decontinuar poralgumtem-
po,dealgumaforma.
Mas nenhuma sociedade
podeprotegerasaúde pú-
blicadurantemuitotempo
ao custodesua saúdeeco-
nômicageral.Atéosrecur-
sos americanos paracom-
bateruma pragaviralnão
são ilimitados—ese torna-
rãomais limitados diaadia,
conforme os indivíduos per-
deremempregos, empresas
fecharemeaprosperidade
der lugaràpobreza.
Tradução de LuizRobertoM. Gonçalves


  • ViniciusTorresFreire


sãopauloÉuma situação de
guerra.Governosdevemgas-
tardemodomaciço, trilhões
de dólares nocaso dos EUA. Se
necessário,como emguerras
defato,devemconverter ins-
talaçõesquaisquerem hospi-
tais efazerfábricas produzi-
remmaterial hospitalaremé-
dico, porexemplo.
Éaopinião deKennethRo-
goff,professordeeconomia e
políticapúblicanaUniversi-
dade Harvard,ex-economis-
ta-chefedoFMI,tidocomo
exemplar defensordapru-
dência nogastopúblico (bom
ou mauexemplo,adepender
do freguês).
Em entrevistaarespeitodo
impactoeconômico da epide-
mia paraaPBS,TVpúblicados
EUA, Rogoffcomparouoco-
ronavírusauma invasão alie-
nígena. Em diálogocomojor-
nalistadaFolha,foi menospi-
toresco. Ainda assim,oesfor-
çodeve serodeguerra.
Dequantogasto dogoverno
se trata?Uma primeiraroda-
da em discussão nosEUAche-
ga àcasa de US$ 1 trilhão,mas
outros pacotesdevem ser ne-
cessários(o PIBamericanoé
de US$ 21 , 5 trilhões), segun-
dooeconomista.
Negócios especialmenteafe-
tados precisamdeajuda dire-
ta,grande,eempréstimos de
modoaevitar quequebrem,
entreelescompanhiasaéreas
eserviçosdeturismo,espetá-
culos,restaurantes, peque-
nas empresas, negócios viá-
veis emgeral. Gastopúblico
em massadeve ser direciona-
do parafamílias pobres ou de
baixarenda.
Otamanho darecessão deve
ser inédito,pelomenosdesde
aSegundaGuerra.NosEUA,o
PIB cresceu duranteoconfli-
to.Em 1946 ,caiu quase 10 %.
Em 1932 , 13 %.Nocurtopra-
zo,aqueda abruptadoPIB e
do empregopodeser maior
do que em 2008 ,temeRogoff.
Pelo mundo,umpaliativo
sugeridoparaacriseéadiar o
pagamento de impostos;ou-
tro, oferecer créditoafamí-
liaseempresas. Mas, por se-
manas semfaturar, firmaste-
rãodívidas emexcesso no fim
da crise.Nãoémelhortrans-
ferir dinheiro, diretamente?
“Nãoexisteuma solução jus-
ta esimples parasubstituirto-


Governos devemgastar


comonaguerra, diz


ex-economistadoFMI


KennethRogoff,deHarvard, defende financiar esforço com


endividamentovia títulosealguma ‘impressão de dinheiro’


KennethRogoff,
Professor de política pública
eeconomia na Universidade
Harvard,ex-economista-
chefedoFMI (2001-03)

daamassa derenda que está
sendo destruída. Alguns paí-
ses,comooReino Unidoea
Dinamarca,estão substituin-
do diretamenteamaior parte
dos salários[compagamen-
tosdogoverno], mas nos EUA
isso deixaria as necessidades
de muitas pessoas nãoatendi-
das (trabalhadoresdaecono-
mia do frila[bicos, “uberiza-
dos], autônomos, informais).
Então,atransferência direta
[dedinheiro] nãoéloucura,
emboranadadisso sejasufi-
cientesea‘pausa’continuar
indefinidamente”, dizRogoff.
Com seráfinanciadooesfor-
çodeguerra?Namaiorpar-
te,com mais endividamento
dogovernopor meio de títu-
losealguma “impressão de di-
nheiro”(criação de moedape-
lo bancocentral). Literalmen-
te,Rogoffdisseoseguinte:
“Por enquanto, [o governo]
pagaráquasetudocomdívi-
das.Partedadívidaserána
forma dereservasbancári-
as, queétecnicamentepar-
te da medidamonetária M 0

[dinheiroouativos imediata-
menteconversíveis em dinhei-
ro]. Mas, agoraqueoFed[BC
dosEUA]estápagando juros
sobre reservascomparáveis
aos títulos[doTesouro]de
uma semana,émelhor pen-
sar [talcoisa]comodívida”.
Nosanosdepois da crisede
2008 ,Rogofffoiobjetodecrí-
ticasferozespor seus estudos
que associavamaultrapassa-
gemdeumcertolimiar de dí-
vida públicaàredução docres-
cimento econômico,nolongo
prazo(masbaixocrescimen-
to também provocamaior en-
dividamento, adepender de
tempoelugar,argumentou
na época). “O objetivodega-
rantircontas sólidas emtem-
pos normaiséser capaz deto-
mar empréstimos em massa
em situações de emergência
como esta”, diz agora.
Mas ainda não parecepos-
sível estimar essa “massa” de
esforçodeguerra.Oproble-
ma fundamentalévenceroví-
rus.Nãosesabe quantotempo
vãodurar osconfinamentos,
quando haverá remédios pa-
ra aCovid- 19 ou umavacina.
Aguerraainda está em curso,
argumentaRogoff.

NY tem maior alta


desde 1933àespera
de pacote de US$2tri


  • JúliaMoura


sãopauloMercados globais
vi veramumaforterecupera-
çãonesta terça-feira ( 24 )com
aexpectativadeque um pa-
cote de estímuloseconômicos
de US$ 2 trilhões seja aprova-
do peloSenado dos EUA. A
Bolsa brasileiraavançou 9 , 7 %,
a 69. 729 pontos, maior pata-
mar desdeaúltimaterça( 17 ).
Acotação do dólarcomerci-
al cedeu 1 %,aR$ 5 , 084 .Otu-
rismo está aR$ 5 , 37 navenda.
NosEstadosUnidos,oín-
dice DowJones subiu 11 , 37 %,
maiorvalorização diária des-
de 1933 .OS&P 500 teve altade
9 , 4 %eNasdaq, de 8 , 12 %.
NaEuropa,oStoxx 600 ,ín-
dicequereúne as maiores em-
presas daregião,saltou 8 , 4 %,
amaiorvalorização diária des-
de 2008 .Londres subiu 9 %,
Paris, 8 , 4 %eFrankfurt, 11 %.
Após duasderrotasdosde-
mocratasnoSenado,opaco-
te trilionário dogovernore-
publicanodeDonaldTrump
paraamenizaroimpactoeco-
nômicodocoronavírussobre
companhiasefamílias pode
servotado ainda nestaterça.
Nanoitedesegunda ( 23 ),
Chuck Schumer,líder demo-
cratano Senado,eSteven
Mnuchin,secretáriodoTe-
souroamericano, disseram
estarconfiantes sobreum
acordo entre republicanos e
democratasparaaprovar as
medidas, que incluem che-
quesafamíliaseemprésti-
mosaempresas.

OsecretáriodoTesourodos EUA,StevenMnuchin
Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
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