Folha de São Paulo - 25.03.2020

(nextflipdebug5) #1

aeee


opinião


A2 QUARTA-FEIRA,25DEMARÇODE 2020

UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

presidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
superintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-executivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

[email protected]

EDITORIAIS


Ir evir


Maisemelhorestestes


Acrisegerada pelo novo coronaví-
rusforçou uma trégua parcial en-
treopresidente Jair Bolsonaroe
osgovernadores,comretomada
do diálogoeumpacotedeapoio
orçamentário aos estados.Resta
ao menos um aspectoalarmante
no processo,contudo.
No compreensívelafãdeprote-
gerpopulações doavançodapan-
demia, autoridadesmunicipais,
estaduaiseaté do PoderJudiciá-
riotêmadotado às pressas medi-
das,emalgunscasos inócuas, para
impedirotrânsitodeveículoseo
acessoacidades,estadoseregiões
—numa escalada arbitrária, irraci-
onal e, nãoraro,inconstitucional.
Oexemplo de maiorvisibilida-
defoiodeWilson Witzel (PSC),
do Rio deJaneiro, que isolouare-
gião metropolitanacomrestrições
ao transporteintermunicipal.Ro-
meu Zema (Novo) impediu ônibus
de entraresair de MinasGerais.
Ao menos outros seisgovernado-
restomaramdecisões dogênero.
Logo, porém, vieram as iniciati-
vasdeprefeitos.Ascidadespau-
listas de UbatubaeIlhabela, por
exemplo,limitaramoacessode
não moradores.AJustiçadeSão
Paulo,ademais, determinou um
bloqueio narodovia dosTamoios,
queligaacapital ao litoral norte.
AreaçãoinicialdogovernoBol-
sonarosedeucomaedição de uma
medidaprovisória paradiscipli-
naracompetênciafederal —não
deoutrosentesfederativos— em
decisõesrelativas aofechamento
de aeroportoserodovias.

Emborapudesse serlidacomore-
ação aosgovernadores,aMPécor-
reta econtoucomrespaldo jurídico
do SupremoTribunalFederal, em
consultainformal.AConstituição
já estabelecequecabeàUnião le-
gislar sobretrânsitoetransporte;
paraalém do aspectolegal,nãoé
difícil imaginar asconsequências
desastrosasdeumfechamentoca-
óticodedivisaspelopaís.
Opresidente, entretanto, acabou
porceder aos estados—ejusta-
mente no que não poderia.Nanoi-
te de segunda-feira ( 23 ), ogoverno
publicouresolução que transfe-
re aórgãosde vigilância sanitária
dos estadosopapel de determinar
“restriçãoexcepcionaletemporá-
ria porrodovias de locomoçãoin-
terestadualeintermunicipal”.
Trata-sedegambiarra, poisaCar-
ta prevêquetaldelegação se dê por
meio de leicomplementar. Mais
que isso,trata-se de um desatino.
Odireitodeirevir estáentreos
mais básicos do mundocivilizado.
Cerceá-lo se admiteapenas nas cir-
cunstânciasexcepcionais previstas
na legislação.Nocontextodacri-
se,obloqueio desordenado de vi-
as ameaçaoabastecimento de ali-
mentos,remédioseoutros produ-
tosdeprimeiranecessidade.
Decertoqueaemergênciasanitá-
ria pode justificar medidas drásti-
cas, mas estastêmdeser tomadas
complanejamento, visão nacional
eponderação de impactoseconô-
micos—oque seráquase impossí-
velcom 27 unidades daFederação
aarbitraremsuasprópriasregras.

Testar,testar,testar —recomenda
aOrganizaçãoMundial daSaúde
(OMS) paradomarapandemia do
coronavírus. Seminformaçãoem
quantidadeequalidadesobreadis-
seminação daCovid- 19 ,ocomba-
te movidopor autoridades sanitá-
rias sefazquase àscegas.
Aurgência não seresumeaco-
nheceronúmerocorretodeinfec-
tadoscomovírus CoV- 2 ,subestima-
do portodaparte.Adistorçãodo
totaldecasos,quetiraprecisão do
cálculo de letalidade,resulta da es-
cassez deexames diagnósticos, que
cumprereverteratoque decaixa.
OBrasil estáatrasado nessa fren-
te,mas seriaagoraocioso debater
oque se deixou defazer. Todas as
energias precisamvoltar-seaex-
pandir demodoheroicoatesta-
gem,eapastadaSaúde aparen-
ta estarconscientedoimperativo.
Em dias ou semanas os hospitais
verãoser inundadoscompacientes
em estado grave.Depassocoma
escalada,oriscodecontaminação
de profissionais de saúdetambém
se multiplica exponencialmente.
Identificar quais deles são porta-
dores do CoV- 2 vaisemostrar de-
cisivoparadefinir quem deve afas-
tar- se equem podecontinuar tra-
balhando sem ameaçaparaapró-

pria saúdeeados circundantes.
Há dois tipos deexame.Ogené-
tico, RT-PCR,mais preciso por de-
tectarovírus,édemoradoecus-
toso.Oimunológico, que procura
por anticorpos no possível infecta-
do,dárespostaemminutos, mas
só servepara aplicação após cin-
codias, quandoareação do siste-
ma imune passaaser detectável.
Oprimeirotipo seguirácomo pa-
drão-ourodediagnóstico, crucial
paraapráticaclínica.Osegundo
constituiráoveículo da massifi-
caçãoapontadacomo um dosfa-
toresnorelativosucessodepaíses
asiáticoscontraaCovid- 19.
OMinistério daSaúde anunciou
acompradequase 23 milhões de
sistemasekits dos dois tipos —a
conferir.Acifrasobeacadadia, sus-
citandoalgumceticismoquantoà
suacapacidade de cumprirapro-
messaeorganizaradistribuição.
Cumpre ainda,énecessáriolem-
brar,providenciarmais máscaras
eventiladoresparaUTIs.
Ogoverno paulistatambém agiu
certoaoorganizarrede de 17 labo-
ratórios no estado pararealizar
2. 000 testesRT-PCR por dia. Urge
replicariniciativasassimpelosvá-
rioscentrosdeexcelênciaempes-
quisa biomédica dopaís.

Bolsonarodelegaaestadoscompetência para


bloquearestradas,oqueameaçagestãodacrise


sãopauloPorummomento,deixei-
me iludir pela preparaçãorazoavel-
mente competentedas autoridades
sanitáriasparaaepidemia.Foibom
verque elas pelo menos tinham pla-
nos, aocontrário docomandante-
mor.Mas éclaroque, entreoplane-
jadoearealidade,háuma enorme
diferença.Efoi sóarealidade aproxi-
mar-se paraosburacos aparecerem.
Faltaequipamentodeproteção
individual paraosprofissionais de
saúde. Elesestão,emmuitas unida-
des, trabalhandocommaterial me-
nos seguro queodesejávelecom es-
toques menores que osconfortáveis.
Nãoignoroque hajacarência mun-
dial dessesprodutos,masadistri-
buição do quetemos deveriatersi-
do mais criteriosa. Se médicoseen-
fermeirosmaishabituadosalidar
comsituações críticas tiverem de
ser afastados da linha de frente pa-
ra cumprir quarentenas, nosso de-
sempenho em salvar vidas serápior.
Algoparecidovale paraostestes.
Eles são importantíssimos paraten-
tarquebrar ascadeias de transmis-
são nacomunidadeeindispensáveis

paragerenciar ofluxonos hospitais.
Opiorcenárioéaquele em que pa-
cientes de Covid- 19 sãomisturados
comosdeoutras doenças, infectan-
do umapopulação cujo riscojáten-
deaser aumentado.
Ogargalo são as UTIs,maisespeci-
ficamenteosventiladores pulmona-
res. Omundo inteirocorreparapro-
duzi-los,mas eles dificilmenteche-
garãoantes de um picodedeman-
da.Ocorreque mesmo nessa situa-
çãodesesperadoraháoquefazer,
sehouverplanejamento.
Há ao menos um trabalho acadê-
mico(NeymaneIrvin, 2006 )refe-
rendandoarepartiçãodeventilado-
resemsituações decatástrofe.Des-
de queopeso dos pacienteseospa-
râmetrosventilatórios necessários
sejamparecidos, um únicoapare-
lho pode ser usadopor quatropes-
soas.Falamos aqui de emtese qua-
druplicaracapacidade.Éclaroque,
paraessa medidatornar-se viável, é
preciso providenciarréguas etubu-
laçãoextra paraasligações. Há al-
guém cuidando disso?
[email protected]

brasíliaDepois de posarcomo um
presidentesensato,DonaldTrump
teve umarecaída.Oamericano che-
gouareconheceragravidade da crise
provocada pelocoronavíruseanun-
ciou medidas derestrição emtodo
opaís. Agora, decidiu desafiarau-
toridades sanitáriasedisse quees-
peraveraeconomiafuncionando
normalmenteemmenos de 20 dias.
Atentaçãodeforçar aretomada
de umavidanormalressurgiucedo
em círculos populistas. Alguns líde-
resestão claramentedispostosacon-
tarcadáveresdesde que, em troca,
consigamreduziroimpactopolíti-
co da inevitável retraçãoeconômica.
Apressãotendeaser maior em pa-
íses que nãotêmcondiçõesouinte-
resse em sustentar medidas paliati-
vas, comoacoberturadepartedos
salários dos trabalhadores.Jair Bol-
sonaroqueodiga.Obrasileirofoi
porta-estandartedesse movimento.
Éuma questão detempoatéque
aansiedadevolteadominar opre-
sidente. Alémdeter sidovocalizada
por seuídolo americano,avisãoga-
nhaforçaentreempresáriosgover-

nistas.Umdelesdesdenhou dapos-
sibilidade dever 7. 000 mortos no pa-
ís eoutrodisse que os trabalhadores
deveriamtermais medo de perder o
empregodoque de morrer.
Oterrorismodesumano esconde
maisumafaceda incompetênciado
governo.Oefeitodeações como o
fechamentodocomércio serádra-
mático, masissosó será necessário
atéque asautoridades criemambi-
entes seguros para aretomada das
atividades. Enquantoisso,ostraba-
lhadores deverãoreceber proteção.
Bolsonaroaindanãoconseguiu
oferecer respostasadequadas para
nenhuma dessascondições. Se op-
tarpor uma saídaabrupta, ascon-
sequênciasserão desastrosas.

*
Opresidentediz que seus doistestes
paraocoronavírus deram negativo,
mas serecusaamostrar os papéis.
OministrodaSaúde afirma que os
exames sãoconfidenciais. Como o
próprioBolsonarojáanunciouore-
sultado,aalegação sófaria sentido
se ogoverno estivesse mentindo.

riodejaneiroAoverimagens do Rio
comasruas desertas, lembrei-me de
umareportagem que pedi em 1976
aofotógrafoJanuário Garcia paraa
revistaDomingo, doJornal do Bra-
sil,que eueditava—oRio sob ângu-
los inusitadosesem ninguémàvis-
ta,nemcarros.Otextocoubeaou-
trocolaborador nosso,Carlos Drum-
mondde Andrade.Nãoera tarefa fá-
cil paraJanuário.Parapegar as ruas
vazias, eleteve defotografar muito
cedoeusar filtros especiais. Masfi-
coulindo —principalmenteporque
eraumRio defazdeconta.
Asimagens de hoje sãoreais, pare-
cidascomasdas cidadesdespovoa-
dasdeantigos filmes americanosso-
breasconsequências daguerranu-
clear. Omaiscitado nas mensagens
pelainternettemsido “O Dia em que
aTerraParou”( 1951 ),deRobert Wi-
se. Mas nãoéomelhorexemplo.Tu-
do bem, ele mostraaTerra“parada”,
pelaaçãodeumalienígena quecor-
ta aenergia elétrica do planeta por
meiahora, paranos dar umaamos-
tradeseu poder.Mas 30 minutossem

luz sãopintodiantedos vários apa-
gões nacionais que já tivemosdepois.
Muito mais assombroso era“ODi-
abo,aCarneeoMundo” ( 1959 ), de
RanaldMacDougall, em que Harry
Belafonteescapa dos escombros de
um prédio paradescobrir queaguer-
ra atômicavarreuahumanidade do
planeta.Ofilmefoirodado nas ruas
deNovaYork comaajuda da prefei-
tura,que asfechou paraascâmeras.
Imagine Times SquareouaQuinta
Avenidasem viv’alma,comovento
levando os jornais.
Outros filmes de fim do mundo
foram“Mortos que Matam” ( 1964 ),
deSidneySalkow(nooriginal,“The
Last Man on Earth”),comVincent
Price,e“AÚltima EsperançadaTer-
ra” ( 1969 ), deBorisSagal, comCharl-
tonHeston,baseados nomesmoro-
mancedeRichardMatheson.Nos
dois,aguerraquímicadisseminou
um vírusfatalque pegoutodas as
pessoasválidasesódeixouzumbis.
Eles nosdeixamuma lição—con-
tinuarmosválidos, nãonos transfor-
marmos em zumbis.

Surgemosburacos


Os nuseosmortos


Filmesdefimdomundo



  • Hélio Schwartsman


  • BrunoBoghossian




  • RuyCastro




Infelizmente,opresidente Bol-
sonarocomeçoumuitomal o
seugoverno.InventouaCa-
sa Civil mais desajeitadaein-
competentedahistóriadaRe-
públicaecriminalizouoexer-
cício da políticacom uma in-
definida“novapolítica”.Nun-
caentendeu que, eleito, po-
dia muito, mas não podiatu-
do.Principalmentepela sua
condição “superminoritária”
no Congresso.
Oano de 2019 só nãofoium
desastre político porqueoCon-
gresso assumiuoprotagonis-
moeaprovouareforma da
Previdência,comaoposição
deBolsonaroemrelação aos
militares. Iniciamos 2020 com
aameaçade umagravecrise
política. Sobtensão crescen-
te,oCongresso introjetouofa-
to de queBolsonaroéincapaz
deconformar-secomaslimi-
tações que lhe impõemana-
tureza de suavitóriaeaCons-
tituição.Ficou clara, então,a
separação entreassuasprio-
ridadeseasdoCongresso.Aí,
amesma CasaCivil, politica-
menteingênua, assumiu uma
estratégiasalomônica,prova-
velmentesemaclara aprova-
çãodopresidente,eentregou
“poder”aoCongresso.Quan-
do ele acordou, eratarde.Pra-
ticamentetodaaexecução do
Orçamentoestavanas mãos
do Congresso,querevela um
flertecomovelho“parlamen-
tarismo de ocasião”...
Foisobre esse ambientepo-
lítico conflagrado que se aba-
teuatremenda desgraçada
Covid- 19 .Bolsonaroseguiu seu
“guru”Trump na negativado
conhecimentocientíficoeclas-
sificou-a como “histeria”. Feliz-
mente, parece queadimensão
da crise devolveu algum bom
senso ao Executivoeabalou
as pretensõesdo Legislativo.
Estamos metidos num sério
processo de queda da já mingua-
da demanda global interna, as-
sociadaàexigência insuperável
de uma paralisação da produ-
çãoimposta pelocombate ao
coronavírus.Teremos, portan-
to,uma enorme queda da oferta
globalinterna(eexterna!).De-
saguarão numa profundareces-
sãoeempressões desinflacio-
nárias.Éessefato queexigeará-
pida superaçãodas diferenças
entreosPodereseaconstru-
çãodeumprogramacomum,
cujaexecução deve ser delega-
da ao Executivo, dotando-o de
um “fast-track”com prazocer-
to esobocontrole do Legislati-
voedoJudiciário.
Creio quecomeçamosafazer
acoisa certaparaenfrentar a
calamidade. Podemos mitigá-
la comasmedidas de emergên-
cia já aprovadasecomas que,
acadadia, se imporão emres-
postaàevolução dofatorepi-
demiológico, oquepermitirá,
talvez, enfrentarcomsucesso
o“pico” da crise. Os créditos
extraordinários nos autoriza-
rãoafazê-lo sem descontinu-
ar oenorme esforçoem busca
doequilíbrio fiscal implícitona
emendaconstitucional dote-
to.Sem este, jamaisteremos o
crescimentorobusto,equâni-
meeestável de que precisamos.
[email protected]

Recessão e


desinflação



  • Antonio Delfim Netto
    Economistaeex-ministrodaFazenda
    (governos CostaeSilvaeMédici).
    Escreve às quartas


Hubert

Guerracontraocoronavírus depende de massificar


diagnósticos;governoscorremcontraotempo

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