Elle - Portugal - Edição 369 (2019-06)

(Antfer) #1
DR (3)

Comecei a escrever o livro sobre o meu corpo há 29 anos. É, por
isso, uma história em análise e com possíveis mudanças de finais
e desenvolvimentos. na verdade, não sei se quero terminá ‑la.
Tive uma infância feliz, sem pensar muito no corpo, sem nenhum
problema de excesso de peso, apesar de ter passado aquela fase
de criança em que estava bem “gordinha”. sempre adorei comer.
Tenho 1,58 m, peso cerca de 69/70 kg e sou curvilínea. Costumo
dizer que tudo aquilo que como se acumula da anca para baixo,
embora com a idade a tendência seja para começar a ir ter à
barriga e aí a coisa já se agrava. sim, porque o rabo bem abonado
já é algo com que vivo naturalmente, mas jamais irei habituar‑
‑me a olhar ‑me ao espelho e ver a minha barriga grande e flácida.
Passei a minha adolescência com o corpo que sempre desejei:
zero gordura a mais, peito q.b., um rabo bem jeitoso (segundo o que
ouvia e o que agora vejo em fotos antigas) e uma barriga invejável.
na altura, achava que estava gorda. Gorda? Como assim? acho que
só o tempo e a distância nos fazem ver verdadeiramente como as
coisas são. Eu era uma sortuda. Depois de terminar a faculdade,
com falta de exercício, pouco descanso e muitos deslizes na
alimentação, engordei bastante e nunca mais consegui voltar ao
que era. Estou há dez anos em constante aceitação e, apesar dos
altos e baixos, este é talvez o momento em que, mesmo com todas
as imperfeições, me sinto mais completa e mais realizada. Isto, no

que diz respeito ao meu corpo, claro. se antes me incomodavam
as críticas, hoje consigo ignorá ‑las e escolher o que me faz feliz.
Coisas como “não podes usar vestidos compridos porque és
baixinha e não te favorecem”; “Quando te casares, tens de usar um
vestido caído e que não seja justo no rabo, porque só ficam bem
a pessoas magrinhas”; “Essa saia não te fica bem porque é muito
curta”; “Roupa justa na barriga não é para ti”; “Essas calças de cinta
subida fazem ‑te mais gorda “; “algo largo fica ‑te melhor”... são
comentários constantes no meu dia a dia. na verdade, eu uso aquilo
com que me sinto bem. E daí? Chega de regras e de estereótipos!
Vou continuar a vestir aquilo que quero e, sobretudo, aquilo que me
faz sentir livre e segura. Quem disse que só as pessoas altas podem
usar vestidos compridos? E o meu vestido de noiva não pode ser
de sereia porquê? Estou muito longe de ser perfeita: há dias em
que olho ao espelho e não me sinto tão confiante, mas depois
penso que tenho de me amar. não é egocentrismo. É valorização
pessoal e amor ‑próprio. E a melhor forma de me cuidar é continuar
a alimentar ‑me bem, com escolhas saudáveis, mas também com
os pequenos prazeres muitas vezes chamados “proibidos”. sei que
a luta vai continuar, mas de uma coisa tenho a certeza: apesar de
todos os altos e baixos e das descobertas menos boas acerca do
meu corpo, ele é meu. Prometo, para toda a minha vida, tratar dele
e dar ‑lhe a minha melhor versão. Eu sou aquilo que quero.

MóniCa ribEiro 29 anos


“Tens os braços muito finos”, “De frente,
parece que estás de lado e de lado desa‑
pareces”, “Tens de comer”, “Devias ir ao
McDonald’s de vez em quando”, “Olívia
Palito”. Tudo isto são coisas que me
habituei a ouvir desde miúda. Quando
penso neste assunto é que percebo que,
já na escola primária, ouvia bocas dos
meus amigos, e uma vez até chegaram
a ligar para a minha mãe a perguntar se
me dava de jantar... Na verdade, e por
ter começado tão cedo a receber todo o
tipo de comentários, aprendi a lidar com
a situação com algum humor, porque sou
assim desde sempre, e provavelmente
para sempre assim serei... Quando chega
a primavera e tiro as 50 camadas de roupa,
não falha: “Estás mais magrinha.” Res‑
pondo sempre com um grande sorriso na
cara e digo: “Nem por isso, só não tenho
é tanta roupa. Gosto de mim e gosto do

meu corpo, e as pessoas que me rodeiam
sabem bem que, no que trata a comer, sou
a primeira na fila e a que mais come. Isto
não quer dizer que não tenha cuidado com
a minha alimentação – tento que seja o
mais saudável possível. O que me entris‑
tece muito é que este tipo de comentários
podem ser ditos numa fase em que, por
algum motivo, me sinto mais insegura
comigo, e não há nada pior do que nos
dizerem que temos algo de errado quan‑
do nada podemos fazer para mudar isso.
E mesmo que pudéssemos... Só a nós diz
respeito! As pessoas magras nem sempre
são doentes. No meu caso, é genética pura
e dura. Gosto muito do meu corpo e não
mudaria nada. Nada! Gosto da magreza,
gosto das manchas da psoríase e gosto
das tatuagens. Fazem parte de mim e eu
só sou eu com todos estes detalhes. Não
é tão maravilhosa a variedade?

Carolina florEs 28 anos


especial corpo

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