Elle - Portugal - Edição 369 (2019-06)

(Antfer) #1

Sempre me conheci magra e sempre
gostei de ser magra. Lembro -mede
ter 6 anos e de pedir à minhaavó
para tirar uma fotografia minha
da sala. A razão? Essa fotografia
mostrava -me com 1 ano e nessa
altura eu era uma bola, e não gostava
de me ver gorda. Nunca gostei,
sempre adorei que as minhascla-
vículas se vissem por baixo dapele
e que ossos da anca se notassem
por cima do cós das calças decin-
tura ultradescaída do iníciodeste
milénio. Com 6 anos, já tinhaesta
perfeita consciência de que gostava


MARGARIDA BRITO


PA ES 29 ANOS


MADALENA ABECASIS 37 ANOS


Desde que me lembro de ser gente, tenho
consciência das minhas sardas. Sempre foi algo que
tentei esconder desde muito cedo, principalmente
no verão, porque com o sol ainda se notam mais.
Cheguei a andar com um penso rápido no cotovelo,
onde tenho um conjunto de sardas que se uniram,
tal era a vergonha que tinha delas. Mas é giro ver
como as coisas mudam. Mais do que à nossa volta


  • e mais importante do que isso –, como mudam
    dentro de nós. Quando vim do Alentejo para Lisboa,
    esquelética, sotaque alentejano, ruiva e – pior do que
    tudo – com sardas, era um fartote: “Cocó de moscas”,
    “Nestum”, e por aí fora... Foram tempos “chatos” e
    tentava arranjar inúmeras formas de as esconder.
    Só anos mais tarde comecei a aceitar -me como
    sou. Talvez com a ajuda de amigos que elogiavam
    as minhas sardas, quando diziam que também
    gostariam de as ter... Mas foi um processo que
    demorou anos até eu estar confortável como estou.
    Hoje as sardas são capazes de ser aquilo de que mais
    gosto em mim. E agora até há produtos para fazer
    sardas! Tempos modernos, viva a diferença!


VÍTOR MACHADO 27 ANOS


Muito provavelmente, depois de ler todos os testemunhos anteriores, e pelo facto de ser um
homem, deve estar à espera que diga: “Sempre vivi bem com o meu corpo, aliás nem nunca dei
muita importância.” Mas essa não é a verdade. Desde que me lembro, sempre tive um enorme
problema em aceitar o meu corpo. Como nunca fui de grandes desportos (e acredite que tentei),
o meu corpo nunca se desenvolveu como o dos meus pares, por isso, em vez de crescer com uma
musculatura relativamente desenvolvida, cresci com uma barriga ligeiramente avantajada.
Muitas pessoas não a veem, e podem até dizer que ela não existe, mas a verdade é que na minha
mente eu sei que ela está ali. E não, nunca me apontaram o dedo, mas também nunca foi preciso,
eu próprio o faço. Sempre fui o meu pior inimigo. Ao longo dos anos, tentei habituar -me a ela,
depois acabar com ela, e finalmente aceitar a sua existência. Tem sido complicado, e não sei se
vai terminar, mas quem sabe se um dia eu não vou olhar para ela, dizer “olá”, e tirar a camisola
na praia sem ter medo de as pessoas a minha volta pensarem: “Olha a pancinha!”

do meu corpo magro. Sei que isto
pode parecer uma loucura para a
maioria das pessoas, mas esta é a
história do meu corpo! Eu gosto
de ser magra e, por o dizer aberta-
mente, muitas vezes me acusaram
de ter um distúrbio psicológico e
sempre partiram do princípio de
que eu passava fome. Não é verdade!
Nunca fiz uma dieta, nunca deixei
de comer, nunca vomitei depois
de uma refeição e até há três anos
não corria nem para apanhar o au-
tocarro. Suponho que tenho sorte
porque o meu metabolismo é rápido
e por isso não engordo, mas nunca
ninguém acreditou muito nisso.
A dúvida latente sobre a minha saúde
porque era magra e gostava disso
levou -me a questionar muitas vezes
se teria mesmo de chegar ao ponto de
deixar de comer, para que as pessoas
percebessem realmente a diferença
e compreendessem que nem todos
os que são muito magros passam
fome. Da mesma maneira que nem
todos aqueles com peso a mais co-
mem muito. Hoje peso mais dez
quilos do que há cinco anos. Gosto
tanto de magreza como quando
tinha 6 anos, e continuo a ser cri-
ticada por o dizer. Quando o faço,
ainda acham que sou uma fanática
das dietas, mesmo que eu esteja
a comer um prato de cozido.
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