O Estado de São Paulo (2020-05-09)

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A10 SÁBADO, 9 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional

Cidade do México tem 3 vezes mais


mortes por covid-19 do que diz governo


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


WASHINGTON


As travessias ilegais na frontei-
ra sul dos EUA caíram pela me-
tade em abril, de acordo com es-
tatísticas divulgadas pelo gover-
no americano. A queda coinci-
de com a estratégia de Donald
Trump de contornar procedi-
mentos normais de imigração e
expulsar sumariamente os imi-
grantes em meio à pandemia de
coronavírus.
As autoridades de fronteira
detiveram 16.789 imigrantes


no mês passado, quase metade
dos 34.064 de março, mês em
que a Alfândega e a Proteção
de Fronteiras dos EUA (CBP,
na sigla em inglês) começou a
expulsar os ilegais usando um
dispositivo legal da década de
1940.
As estatísticas de abril foram
a segunda menor para um mês
desde que Trump tomou posse
e representaram uma redução
de 85% em relação a abril de
2019, quando as autoridades de
fronteira detiveram 109.415 pes-
soas em meio a um fluxo recor-
de de famílias e crianças da
América Central.
Os agentes realizaram 14.
expulsões em abril ao longo da
fronteira sul, com agentes de-
tendo, processando e devolven-
do imigrantes para o México

em poucas horas. Como resulta-
do, a CBP também conseguiu re-
duzir o número de detidos nas
estações fronteiriças dos EUA.
Essas detenções caíram de mais
de 3 mil por dia para apenas 100.
Trump vem tentando desviar
a atenção das críticas recebidas
durante a pandemia destacan-
do as restrições de imigração
sem precedentes de seu gover-

no, incluindo políticas anuncia-
das no mês passado que dificul-
tam mais o acesso ao green
card.
Mark Morgan, comissário in-
terino da CBP, disse que as ex-
pulsões na fronteira deveriam
ser consideradas medidas de
saúde pública – e não uma políti-
ca de imigração. “O que não foi
percebido é o risco à saúde pú-

blica associado à imigração ile-
gal”, disse Morgan, citando os
bairros apertados e as péssimas
condições sanitárias às quais
muitos migrantes são expostos
a caminho da fronteira com os
EUA. “A rede de contenção e mi-
tigação do presidente de políti-
cas e iniciativas em relação à co-
vid-19 tem sido histórica e efi-
caz para retardar a propagação

da doença.”
Morgan disse ainda que as me-
didas de emergência, provavel-
mente, permanecerão em vigor
mesmo que a Casa Branca incen-
tive os Estados e as empresas a
reabrirem, argumentando que
o vírus ainda está se espalhando
pelo México e pela América Cen-
tral. “A ameaça que enfrenta-
mos fora de nossas fronteiras
desta doença infecciosa global
destaca a necessidade, agora
mais do que nunca, de seguran-
ça nas fronteiras”, afirmou.
Embora as autoridades ameri-
canas tenham tentado enfati-
zar a ameaça externa do vírus,
os EUA continuam tendo o pior
surto do mundo, com mais de
1,2 milhão de casos confirma-
dos e 75 mil mortes.
Os casos nos EUA represen-
tam aproximadamente 33%
do total mundial e as mortes
são 28% de todas as relaciona-
das à covid-19 em todo o mun-
do. O Reino Unido tem a se-
gunda maior contagem de
mortos, com pouco menos de
31 mil, e a Itália é o terceiro
país da lista, com pouco me-
nos de 30 mil. / WP

CIDADE DO MÉXICO


Autoridades da Cidade do
México contaram mais de 2,
mil mortes pelo novo corona-
vírus e por doenças respirató-
rias, provavelmente ligadas à
covid-19, segundo dados obti-
dos pelo
New York Times pu-
blicados ontem. O governo fe-
deral, porém, informou ape-
nas 700 óbitos na região me-
tropolitana da capital e está
demitindo funcionários que
já contabilizaram três vezes
mais óbitos do que o número
oficial.

A tensão chegou ao ápice na
última semana, quando a Cida-
de do México alertou reiterada-
mente o governo federal a res-
peito das mortes, na esperança
de que a população saiba o ver-
dadeiro custo da pandemia em
vidas humanas na maior cidade
do país. Mas nada aconteceu.
Profissionais de saúde afir-
mam que a realidade da epide-
mia está sendo ocultada. Em al-


guns hospitais, os pacientes per-
manecem dias deitados no
chão. Idosos são acomodados
em cadeiras de metal porque
não há leitos, enquanto vários
doentes são mandados para cen-
tros de saúde menos equipados.
Muitos morrem no caminho, se-
gundo vários profissionais.
“É como se nós, médicos, vi-
vêssemos em dois mundos dife-
rentes”, explicou Giovanna Avi-
la, que trabalha no Hospital Beli-
sario Domínguez. “Uma no inte-
rior do hospital, com os pacien-
tes morrendo o tempo todo, e a
outra quando saímos às ruas e
vemos as pessoas circulando,
sem terem ideia do que está
acontecendo.”
Em todo o país, o governo fe-
deral divulgou cerca de 3 mil
mortes em um país de 120 mi-
lhões de habitantes. Mas os es-
pecialistas afirmam que o Méxi-
co tem apenas uma noção míni-
ma da escala real da epidemia,
porque está testando poucas
pessoas. Menos de um em cada

mil mexicanos é testado – bem
menos do que os 23 testes por
mil habitantes registrados por
países da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE).
Segundo o governo, o México
está em uma situação melhor
do que muitos países. “Achata-
mos a curva”, disse nesta sema-
na o ministro da Saúde, Hugo
Lopez-Gatell. Mas até agora
ninguém explicou a discrepân-
cia de dados na capital – incluin-
do os pedidos de entrevista fei-
tos pelo Times.
José Narro Robles, ministro
da Saúde anterior, acusou Lo-
pez-Gatell de mentir à popula-
ção. Alguns governadores che-
garam a conclusões semelhan-
tes. Normalmente, a contagem
oficial não representa a realida-
de da pandemia. Mas, na Cida-
de do México, parece uma ação
deliberada.
A desconfiança surgiu no
mês passado, quando a prefeita
da cidade, Claudia Sheinbaum,

começou a suspeitar que os da-
dos federais estavam errados,
de acordo com três pessoas a
par do assunto. Ela já havia ins-
truído sua equipe a ligar para to-
dos os hospitais públicos para
perguntar a respeito das mor-
tes confirmadas. Na última se-
mana, Claudia pôde confirmar
que o número de óbitos era três
vezes maior que informado.
A prefeita não quis comentar
o caso, para não constranger o
presidente, Andrés Manuel Ló-
pez Obrador, um aliado políti-
co. A prefeitura e o governo fe-

deral continuam trabalhando
em conjunto em diversas fren-
tes, até mesmo na aquisição de
respiradores.
Os números, porém, são cru-
éis. “É chocante”, afirmou Fer-
nando Alarid-Escudero, espe-
cialista em saúde pública que
criou um modelo para traçar a
curva da epidemia no México.
“Se for este o caso, não estamos
compreendendo o quadro. Esta-
mos subestimando a magnitu-
de da epidemia.”
Ao que tudo indica, o México
está ocultando as mortes. Dados
oficiais, na quinta-feira, mostra-
vam apenas 245 óbitos suspeitos
em todo o país. O hiato de infor-
mação deixa muitos mexicanos
com a sensação de que o gover-
no ignora o surto angustiante
que aflige os EUA, onde 1,2 mi-
lhão de pessoas oram infectadas
e mais de 70 mil morreram.
O modelo que o país estaria
usando supõe que apenas 5% da
população infectada apresenta
sintomas, e apenas 5% destes pa-

cientes irão para o hospital, se-
gundo documentos obtidos pe-
lo Times. “Este modelo está erra-
do”, disse Laurie Ann Ximenez-
Fyvie, de Harvard, atualmente
na Universidade Nacional Autô-
noma do México. Segundo ela,
casos sintomáticos e graves são
mais numerosos. “Há amplo
consenso a este respeito.”
Vários especialistas também
questionam a confiança do go-
verno de que a epidemia passa-
rá em breve. O modelo oficial
mostra um aumento das infec-
ções, seguido de um rápido de-
clínio. Mas em nenhum outro
país do mundo foi registrado
um declínio tão rápido depois
do pico. “A curva tem uma cau-
da longa e o número de mortes
não cairá tão cedo para zero”,
disse Nilanjan Chaterjee, pro-
fessor de bioestatística da Uni-
versidade Johns Hopkins. “O
gráfico que eles estão usando
não coincide com o formato da
curva de outros países.” / NYT,
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Governo federal relata 700 mortes na capital, mas profissionais de saúde afirmam que há 2,5 mil óbitos pelo coronavírus e por doenças


indiretamente ligadas a ele; especialistas criticam presidente Andrés Manuel López Obrador por negligência no combate à pandemia


Regras impostas por


Trump com o argumento


de deter a pandemia


reduzem pela metade
a entrada de imigrantes


l Divergência

LOREN ELLIOTT / REUTERS - 23/8/

Travessias ilegais na


fronteira com EUA


têm queda drástica


Cerco. Fila de imigrantes ilegais detidos na fronteira entre México e Estados Unidos

DANIEL BEREHULAK/THE NEW YORK TIMES

2,5 mil
mortes pelo vírus foram
registradas por médicos
na Cidade do México, mais de
três vezes os 700 óbitos
reconhecidos oficialmente
pelo governo do presidente
Andrés Manuel López Obrador

Realidade. Trabalhadores carregam caixão de vítima da covid-19 para ser cremado em cemitério da Cidade do México, onde em alguns hospitais os pacientes ficam dias deitados no chão

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