O Estado de São Paulo (2020-05-09)

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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 9 DE MAIO DE 2020 Metrópole A


Fabiana Cambricoli


Regiões em que as UTIs já estão
com 85% a 90% de sua capacida-
de preenchidas, como São Pau-
lo e Rio, já deveriam ter decreta-
do lockdown (bloqueio total) e
agora correm o risco de ver seus
sistemas de saúde entrarem em
colapso nos próximos dias. Es-
sa é a opinião de especialistas
em saúde ouvidos pelo Estado
sobre a demora de governado-
res em adotar medidas mais
drásticas de isolamento social.
Eles afirmam que mesmo Es-
tados que adotarem agora o iso-
lamento radical ainda têm chan-
ces de sofrer com a falta de lei-
tos, já que são necessárias pelo
menos duas semanas para ob-
servar os efeitos da medida. Se-
gundo Ederlon Rezende, mem-
bro do conselho consultivo da


Associação de Medicina Intensi-
va Brasileira (AMIB) e coorde-
nador da UTI do Hospital do
Servidor Público Estadual de
São Paulo, quando uma UTI
chega a uma lotação de 85%, ela
já é considerada cheia pois a ro-
tatividade dos pacientes é me-
nor e o cenário pode mudar a
qualquer instante. “Esse índice
é problemático porque, depen-
dendo do tamanho da UTI, se
chegar dois ou três pacientes,
ela já lota e você começa a ter
problema de falta de vagas”, ex-
plica ele.
O especialista relata que no
Hospital do Servidor Estadual,
onde chefia a UTI, o número de
leitos de terapia intensiva do-
brou por causa da pandemia e,

mesmo com a ampliação, já che-
gou a 75% da capacidade. “Se
não tivéssemos aumentado, já
teríamos colapsado. Só hoje ( on-
tem ), tive sete novos pacientes
entrando e só duas altas”, diz.
Para o sanitarista Walter Cin-
tra Ferreira, professor de admi-
nistração hospitalar e sistemas
de saúde da Fundação Getulio
Vargas (FGV), embora seja di-
fícil estabelecer a hora certa pa-
ra o lockdown, a lotação de 90%
dos leitos do sistema público já
é um indicativo concreto de
que a situação está à beira do
colapso. “Está claro que ainda
não chegamos ao pico. Com o
aumento de mortes diárias, pre-
cisamos manter o distancia-
mento social no País e decretar
lockdown nos Estados que já
têm 90% das UTIs ocupadas
porque isso significa que já há
fila de doentes e que a situação
chega perto da perda de contro-
le”, afirma.
Segundo o governo paulista,
os hospitais estaduais da região
metropolitana já operam com
cerca de 90% de suas UTIs ocu-
padas há pelo menos quatro

dias. No Rio, mais de 400 pa-
cientes aguardam vaga de tera-
pia intensiva na rede pública.
Os especialistas dizem que,
se o distanciamento social defi-
nido até agora tivesse sido bem
sucedido, talvez o lockdown
não fosse necessário. Agora, po-
rém, a medida mostra-se inevi-
tável em algumas regiões. Para
eles, as divergências nos discur-
sos de lideranças políticas e a
demora do governo federal em
pagar o auxílio emergencial fize-
ram com que a adesão da popu-
lação ao isolamento ficasse abai-
xo do esperado.

“O governo federal errou em
duas questões: uma foi a postu-
ra do presidente Bolsonaro em
minimizar a pandemia. Com is-
so, as pessoas se sentiram com-
pelidas a não seguir as orienta-
ções de isolamento. A segunda
é a demora no pagamento de au-
xílio. Isso já deveria estar solu-
cionado no mês passado”, afir-
ma Paulo Lotufo, epidemiolo-
gista e professor da Faculdade
de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP).
Para Ferreira, foram ques-
tões políticas que impediram o
País de adotar medidas de isola-

mento mais restritivas. “Essa
decisão deveria ter sido técni-
ca. O objetivo principal de qual-
quer governante agora deveria
ser salvar vidas. Mas muitos
não quiseram arcar com o ônus
de problemas econômicos. Mas
podem ter outro ônus, que é o
de pilhas de mortos”, diz.

Márcia De Chiara


A decisão do governo do Estado
de São Paulo de adiar o início da
flexibilização do distanciamen-
to social para o dia 31 de maio
provocou frustração entre os lo-
jistas de shoppings e do comér-
cio de rua, que esperavam a reto-


mada a partir de segunda-feira.
Os líderes desses dois segmen-
tos disseram que o varejo vai
respeitar as medidas, mas espe-
ravam mais equilíbrio entre a
saúde e a economia na decisão
de retomada das atividades.
Além disso, cobram compensa-
ções para enfrentar as perdas
provocadas pelo prolongamen-
to da quarentena.
“Foi uma injustiça muito
grande com o nosso setor”, dis-
se o presidente da Associação
de Lojistas de Shoppings
(Alshop), Nabil Sahyoun. Se-
gundo ele, os shoppings têm

uma condição muito melhor do
que os supermercados de cum-
prir protocolos de segurança
exigidos na quarentena.
“Você consegue colocar 50 su-
permercados dentro de um
shopping center”, afirmou Sa-
hyoun, argumentando que os
corredores de shoppings são lar-
gos e os dos supermercados, es-
treitos, onde é possível trom-
bar com as pessoas.
O presidente da Alshop lem-
brou que existem na cidade mi-
lhares de prédios, onde há zela-
dores, funcionários de seguran-
ça e limpeza transitando entre

o trabalho e as suas casas e po-
dem estar eventualmente disse-
minando o vírus. “Então esse
pessoal pode trabalhar e o setor
do comércio que hoje está extre-
mamente protegido, não?”
Sahyoun disse que ficou de-
cepcionado com a decisão do
governo. Desde o início da qua-
rentena, os shoppings do Esta-
do de São Paulo deixaram de
vender R$ 8 bilhões. Com essa
prorrogação, o prejuízo deve au-
mentar. Por isso, ele cobrou me-
didas que ajudem os lojistas a
atravessarem esse período sem
vendas. Entre elas estão o adia-

mento de impostos, como o Im-
posto de Circulação de merca-
dorias e Serviços (ICMS), e li-
nhas de crédito mais acessíveis.
Para Alfredo Cotait, presiden-

te da Federação das Associa-
ções Comerciais do Estado de
São Paulo, a decisão do governo
provocou um desânimo no se-
tor. “Para a região metropolita-
na de São Paulo, Baixada Santis-
ta, não havia condições de fazer
a flexibilização, mas para cida-
des onde a incidência da doen-
ça é menor, sim.” Ele represen-
ta 420 associações comerciais
espalhadas pelo Estado de São
Paulo. “Mas vamos aceitar e res-
peitar o decreto”, disse.
Ele também cobrou compen-
sações para atenuar os impac-
tos negativos de falta de fatura-
mento do setor, que é um gran-
de empregador. “Como vamos
conseguir sobreviver nesse pe-
ríodo?”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Paloma Cotes
Tulio Kruse
Mariana Hallal


A quarentena no Estado de
São Paulo teve o prazo prorro-
gado até 31 de maio. O anún-
cio foi feito pelo governador
João Doria (PSDB) ontem no
Palácio dos Bandeirantes. “O
cenário é desolador. E a qua-
rentena está salvando vidas
em São Paulo. Nenhum gover-
nante tem prazer em dar más
notícias, mas não se trata de
ter ou não este sentimento,
trata-se de proteger vidas no
momento mais crítico desse
País”, disse Doria.

A quarentena foi implementa-
da em todo o Estado no dia 24
de março. A medida permite so-
mente o funcionamento dos
serviços considerados essen-
ciais e continua valendo para os
645 municípios paulistas. “Ne-
nhum país conseguiu relaxar as
medidas de isolamento social
em meio a uma curva crescente.
Autorizar o relaxamento agora
seria colocar em risco vidas e o
sistema de saúde. Retomare-
mos, sim, no momento certo,
na hora certa”, afirmou.
O prefeito de São Paulo, Bru-
no Covas (PSDB), também par-


ticipou do anúncio. “Situações
extremas exigem medidas ex-
tremas. Só na cidade de São Pau-
lo são 4.496 mortes, entre con-
firmadas e suspeitas. A lotação
das UTIs municipais é de mais
de 80% e mais da metade dos
nossos hospitais já tem 100%
de ocupação”, disse Covas.
Doria já havia prorrogado a
quarentena por duas vezes, o
que criou pressão de alguns se-
tores da economia e de prefei-
tos, que pediam regras mais fle-
xíveis. Diante desse cenário, Do-
ria anunciou no dia 22 de abril
que faria uma flexibilização das
regras, o chamado Plano São
Paulo. Na época do anúncio, o
governo afirmou que a flexibili-
zação levaria em conta três fato-
res: taxa de crescimento do nú-
mero de infectados, capacidade
do sistema de saúde de oferecer
leitos e número de pessoas tes-
tadas para a doença.
Mas, nesta sexta-feira, Doria
afirmou que ainda não será pos-
sível colocar o Plano São Paulo
em prática. Questionado sobre
a possibilidade de medidas ain-
da mais restritivas, Doria afir-
mou que o lockdown, o blo-
queio total do Estado, “não está
descartado”. “Acreditamos que
as medidas da quarentena e a

consciência das pessoas podem
ser suficientes. Se isso não ocor-
rer, outras medidas podem ser
adotadas”, disse.
O governo estabeleceu dois
critérios para iniciar a flexibili-
zação. Para a reabertura, será
necessária uma redução no nú-
mero de casos por 14 dias e que a
taxa de ocupação de leitos de
UTI fique no patamar de 60%.

O sistema de saúde público
na Grande São Paulo já opera
praticamente no limite. Segun-
do a Secretaria Estadual da Saú-
de, na Grande São Paulo a ocu-
pação dos leitos de UTI já é de
89,6%. No Estado, é de 70%. Em
leitos de enfermaria, a taxa de
ocupação é de 74% na região me-
tropolitana e de 51,7% no Esta-
do. “Houve um agravamento
nos últimos 15 dias e isso coinci-
diu com uma queda na taxa de
isolamento”, afirmou o secretá-
rio Estadual da Saúde, José Hen-
rique Germann.

Isolamento. São Paulo tem
41.830 casos confirmados e
3.416 mortes pelo novo corona-
vírus. O Estado vem enfrentan-
do baixas taxas de isolamento
social, abaixo dos 50%. A meta
do governo é de 60% e o núme-

ro ideal é 70%, a fim de evitar
um colapso do sistema.
“Quanto menos nós obede-
cermos o afastamento social,
maior será a taxa de contágio e,
portanto, mais grave a epide-
mia e mais tempo vai durar (o
fechamento) ”, disse o novo coor-
denador do centro de contin-
gência, Dimas Tadeu Covas.
Na capital paulista os índices
giram em torno de 48% (o núme-
ro só sobe em fins de semana) e,
diante deste cenário, Covas de-
terminou nesta quinta um novo
rodízio, mais restritivo, que pre-
tende tirar 50% dos carros das
ruas. “O objetivo é fazer com
que as pessoas fiquem em casa.
Não há motivo para ficar circu-
lando e levando o vírus de um
lugar ao outro”, disse Covas,
que relatou ter recebido amea-
ças após a medida.

Em outros municípios, a si-
tuação também é grave. Estudo
divulgado pelo próprio gover-
no na quinta-feira mostra um
avanço da doença no interior. A
cada três dias, 38 novas cidades
paulistas registram casos de co-
ronavírus. Se esse ritmo se man-
tiver, até o fim de maio todos os
municípios paulistas (são 645)
serão afetados pela doença.
“Ninguém será poupado des-
se vírus. É assustadora a pro-
gressão da doença. A adesão ao
isolamento já foi melhor, mas
piorou muito. Nesse ritmo, o
sistema de saúde ficará muito
prejudicado”, disse Dimas Ta-
deu Covas. Ontem, David Uip,
que coordenava o Centro de
Contingência, pediu licença.
Na quarta, ele se sentiu mal e,
por recomendação médica, fica-
rá afastado por alguns dias.

l Decisão e preço

Lotação de UTIs a 85% deve levar a


bloqueio total, dizem especialistas


l Prejuízo

Rio tem casos em alta e adota bloqueios parciais. Pág. A14 }


l Assustador

FELIPE RAU/ESTADÃO

“A decisão de decretar
lockdown é difícil, mas o
preço por demorar muito
para fazer isso vai ser o de
muitas vidas perdidas.”
Ederlon Rezende
MÉDICO INTENSIVISTA

Para eles, locais como


São Paulo e Rio correm o


risco de ver seus


sistemas de saúde


entrarem em colapso


Metrô, SP. Restringir mais a circulação de pessoas tornou-se inevitável em algumas áreas

Lojistas se dizem frustrados e pedem compensações


R$ 8 bilhões
é a quantia estimada que os
shoppings do Estado de São
Paulo deixaram de vender desde
o início da quarentena, em 24 de
março. O isolamento vai pelo
menos até o dia 31 de maio.

Líderes de associações


dizem que o varejo vai


respeitar a decisão de


prorrogar a quarentena,


mas esperam equilíbrio


PAULO GUERETA/AGÊNCIA O DIA

Doria decide


prorrogar


quarentena


até dia 31


“Ninguém será poupado. É
assustadora a progressão da
doença. O isolamento já foi
melhor, mas piorou. Nesse
ritmo, o sistema de saúde
ficará prejudicado.”
Dimas Tadeu Covas
COORDENADOR DO
CENTRO DE CONTINGÊNCIA

Governador vê cenário ‘desolador’ e diz que


não descarta adotar medida mais restritiva


Curva crescente. Aumento dos casos de covid-19 e alto índice de ocupação de leitos de UTI impedem fim da quarentena
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