O Estado de São Paulo (2020-05-09)

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A6 Política SÁBADO, 9 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


A Advocacia-Geral da União (A-
GU) entregou ontem à noite ao
Supremo Tribunal Federal
(STF) o vídeo da reunião do pre-
sidente Jair Bolsonaro com o
ex-ministro da Justiça Sérgio
Moro e outros auxiliares do go-
verno. O decano do STF, minis-
tro Celso de Mello, decidiu colo-
car o material temporariamen-
te sob sigilo.
Segundo a AGU, o vídeo en-
tregue ao Supremo “contém o
inteiro teor” da reunião, “sem
qualquer edição ou seleção de
fragmentos”. “Esse sigilo, que
tem caráter pontual e temporá-
rio (...), será por mim levanta-
do, em momento oportuno”, es-
creveu Celso de Mello, que vai
aguardar um parecer da Procu-
radoria-Geral da República (P-
GR) para decidir sobre o tema.
O material vai agora compor
o inquérito que investiga as acu-
sações do ex-ministro Sérgio
Moro de “interferência políti-

ca” do presidente Jair Bolsona-
ro. Segundo o ex-juiz da Lava
Jato, na reunião de 22 de abril,
Bolsonaro falou sobre sua von-
tade de tirar Maurício Valeixo

do comando da PF e ameaçou
demitir Moro. Ministros que
participaram da reunião relata-
ram ao Estadão que a substitui-
ção da PF foi tratada, mas que a

ameaça de demissão foi genera-
lizada. Reportagem publicada
na edição de ontem mostrou
que a reunião foi marcada por
palavrões, briga de ministros,
anúncio de distribuição de car-
gos para o Centrão e ameaça de
Bolsonaro de demissão “genera-
lizada” a quem não adotasse a
defesa das pautas do governo.
A agenda com o presidente
foi convocada inicialmente pa-
ra apresentação do programa
Pró-Brasil, de recuperação eco-
nômica, e teve a participação de
26 autoridades, incluindo o vice
presidente, Hamilton Mourão,
todos os ministros e presiden-
tes dos bancos públicos. Ou-
tros auxiliares diretos de Bolso-
naro também acompanharam.
A AGU pedia, desde quarta-
feira que o decano do STF revi-
sasse a ordem de entrega da gra-
vação, inicialmente afirmando
se tratar de uma reunião que tra-
tou de assuntos sensíveis. Na
quinta-feira, a defesa do gover-
no pediu para enviar somente
trechos do vídeo e, ontem, an-
tes de entregar o vídeo, pediu
pra saber quem teria acesso à
gravação. O governo alega que
na reunião foram tratados “as-
suntos potencialmente sensí-

veis e reservados de Estado”.
A defesa de havia alegado que
“destacar trechos que são ou
não importantes não pode ficar
a cargo do investigado”.

Depoimentos. Ontem, foram
divulgados os dias dos depoi-
mentos de algumas das pessoas
citadas por Moro. Os ministros
Augusto Heleno (GSI), Walter
Braga Netto (Casa Civil) e Luiz
Eduardo Ramos (Secretaria de
Governo) serão ouvidos na ter-
ça-feira. Além de participar da
reunião do dia 22, eles também
se encontraram com Moro no
dia seguinte, quando o ex-juiz
da Lava Jato teria relatado que
não pretendia tirar Valeixo da
chefia da PF.
Valeixo deverá ser ouvido na
segunda-feira, mesmo dia em

que estão marcados os depoi-
mentos do diretor da Agência
Brasileira de Inteligência (A-
bin), Alexandre Ramagem, cuja
posse foi impedida pelo minis-
tro Alexandre de Moraes, e do
ex-superintendente da PF no
Rio, Ricardo Saadi. O “número
dois” da PF, Carlos Henrique
de Oliveira Sousa, o superinten-
dente da PF no Amazonas, Ale-
xandre Saraiva, e o ex-chefe da
corporação em Minas, Rodrigo
Teixeira, também devem ser ou-
vidos na semana que vem, em
data a ser confirmada.
A Polícia Federal marcou pa-
ra o dia 13 o depoimento da de-
putada Carla Zambelli (PSL-
SP). A parlamentar será ouvida
por troca de mensagens com
Moro em que pede ao ex-minis-
tro que aceite a mudança na di-
reção-geral da PF solicitada por
Bolsonaro e, em troca, ela se
comprometeria ‘a ajudar’ com
uma vaga no STF.

Mourão. Ontem, Mourão disse
que a reunião citada por Moro
“não teve nada de mais”. “A reu-
nião do dia 22 de abril não teve
nada de mais e o presidente, eu
acho, já tomou as providências
para entregar o vídeo que está
sendo requerido”, disse, após
deixar o Ministério da Defesa. /
FAUSTO MACEDO, PAULO ROBERTO
NETTO, MARLLA SABINO e R.M.M

AGU envia ao Supremo vídeo de reunião citada por Moro


GABRIELA BILO / ESTADÃO - 1/8/

l Normal

Material com inteiro teor
do encontro ficará em
sigilo; Augusto Heleno,
Braga Netto e Ramos
serão ouvidos no dia 12

“A reunião do dia 22 de
abril não teve nada
de mais e o presidente,
eu acho, já tomou as
providências para
entregar o vídeo”
Hamilton Mourão
VICE-PRESIDENTE

Decano. Ministro Celso de Mello recebeu ontem os vídeos

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


O presidente do Superior Tri-
bunal de Justiça (STJ), minis-
tro João Otávio de Noronha,
decidiu ontem atender ao Pa-
lácio do Planalto e barrar a de-
terminação para que o presi-
dente Jair Bolsonaro torne
públicos exames realizados
para verificar se foi infectado
pelo novo coronavírus. A Ad-
vocacia-Geral da União (A-
GU) acionou o STJ para impe-
dir que Bolsonaro fosse obri-
gado a divulgar os laudos dos
testes. O
Estadão vai recor-
rer da decisão de Noronha.

Nos últimos dias, a Justiça Fe-
deral de São Paulo e o Tribunal
Regional Federal da 3ª Região
(TRF-3) garantiram ao Esta-
dão
o direito de ter acesso aos
testes por conta do interesse pú-
blico em torno da saúde do pre-
sidente. A decisão de Noronha,
no entanto, derrubou o entendi-
mento da primeira e da segunda
instâncias.
“Agente público ou não, a to-
do e qualquer indivíduo garan-
te-se a proteção a sua intimida-
de e privacidade, direitos civis
sem os quais não haveria estru-
tura mínima sobre a qual se fun-
dar o Estado Democrático de Di-
reito”, escreveu Noronha em
sua decisão de ontem.
“Relativizar tais direitos titu-
larizados por detentores de car-
gos públicos no comando da ad-


ministração pública em nome
de suposta ‘tranquilidade da po-
pulação’ é presumir que as fun-
ções de administração são exer-
cidas por figuras outras que não
sujeitos de direitos igualmente
inseridos no conceito de popu-
lação a que se alude, fragilizan-
do severamente o interesse pú-
blico primário que se busca al-
cançar por meio do exercício
das funções de Estado, a despei-
to do grau hierárquico das ativi-
dades desempenhadas pelo
agente público”, concluiu o pre-
sidente do STJ.
Para o advogado do Estadão
Afranio Affonso Ferreira Neto,
a decisão de Noronha “afronta
o devido processo legal, a lei or-
gânica da magistratura e a Carta
Magna”. “Vamos recorrer ao
próprio STJ e ao STF, já”, disse
Ferreira Neto.
O Estadão havia pedido que
Noronha se considerasse impe-

dido de analisar o recurso da
AGU por ter antecipado em en-
trevista ao site jurídico Jota sua
posição sobre o tema. Na últi-
ma quinta-feira, o ministro afir-
mou que “não é republicano”
exigir que os documentos de
Bolsonaro sejam tornados pú-
blicos. “Essa decisão poderá
chegar a mim com um pedido
de suspensão de segurança, en-
tão vou permitir para não res-
ponder. Mas é o seguinte, eu
não acho que eu, João Otávio,
tenho que mostrar meu exame
para todo mundo, eu até fiz, deu
negativo. Mas vem cá, o presi-
dente tem que dizer o que ele
alimenta, se é (sangue) A+, B+,
O-?”, disse Noronha, na entre-
vista ao site Jota.
“Não é porque o cidadão se
elege presidente ou é ministro
que não tem direito a um míni-
mo de privacidade. A gente não
perde a qualidade de ser huma-
no por exercer um cargo de rele-
vância na República. Outra coi-
sa, já perdeu até a atualidade, se
olhar, não sei como está lá, o
que adianta saber se o presiden-
te teve ou não coronavírus se
foi lá atrás os exames?”, afir-
mou o presidente do STJ.
Na semana passada, Bolsona-
ro se dirigiu ao presidente do
STJ na posse do novo ministro
da Justiça, André Mendonça, e
afirmou: “Confesso que a pri-
meira vez que o vi foi amor à
primeiro vista. Me simpatizei

com Vossa Excelência. Nós te-
mos conversado com não mui-
ta persistência, mas, as poucas
conversas que temos, o senhor
ajuda a me moldar um pouco
mais para as questões do Judi-
ciário”, disse o presidente.

Histórico. Depois de questio-
nar o Palácio do Planalto e o pró-
prio presidente sobre o resulta-
do do exame, o Estadão entrou
com ação na Justiça na qual
aponta “cerceamento à popula-
ção do acesso à informação de
interesse público”, que culmi-
na na “censura à plena liberda-

de de informação jornalística”.
A Presidência se recusou a for-
necer os dados via Lei de Aces-
so à Informação, argumentan-
do que elas “dizem respeito à
intimidade, vida privada, honra
e imagem das pessoas, protegi-
das com restrição de acesso”.
Em parecer encaminhado na
última quinta-feira ao Tribunal
Regional Federal da 3ª. Região
(TRF-3), o Ministério Público
Federal (MPF) defendeu o direi-
to de o Estadão ter acesso os
“laudos de todos os exames”
realizados por Bolsonaro. “Tra-
dicionalmente a condição médi-

ca dos Presidentes é de interes-
se geral”, escreveu a procurado-
ra regional da República Geisa
de Assis Rodrigues.
Bolsonaro já realizou dois tes-
tes para saber se foi contamina-
do pela doença – em 12 e 17 de
março. Ele disse que o resulta-
do deu negativo, mas se recusa
a divulgar os testes. Em entre-
vista à Rádio Guaíba, na quinta-
feira retrasada, o presidente
afirmou que “talvez” tenha sido
contaminado. “Eu talvez já te-
nha pegado esse vírus no passa-
do, talvez, talvez, e nem senti”,
afirmou o presidente.

Adiamento. Presidente Jair Bolsonaro acena após deixar o Ministério da Defesa, em Brasília

Ministro João Otávio Noronha acata recurso da AGU contra pedido


do ‘Estadão’ para divulgação de testes do presidente para covid-


“Agente público ou não, a
todo e qualquer indivíduo
garante-se a proteção a sua
intimidade e privacidade,
direitos civis sem os quais
não haveria estrutura
mínima sobre a qual se
fundar o Estado
Democrático de Direito.”
João Otávio de Noronha
PRESIDENTE DO STJ

l ‘Privacidade’

Presidente do STJ


livra Bolsonaro de


entregar exames


O Tribunal Regional Federal
da 2.ª Região (TRF-2) autori-
zou a abertura de um processo
administrativo disciplinar con-
tra o juiz federal Marcelo Bre-
tas, responsável pelos proces-
sos da Operação Lava Jato no
Rio de Janeiro. A corregedoria
do órgão vai analisar a conduta
de Bretas, que participou de
dois eventos, em 15 de feverei-
ro, ao lado do presidente Jair
Bolsonaro – a participação de
atos político-partidários não é
permitida pela magistratura
nacional. Bretas afirmou que
não vai se manifestar.

O ministro das Relações Exte-
riores, Ernesto Araújo, criticou
ontem o ex-presidente Fernan-
do Henrique Cardoso e os ex-
chanceleres Rubens Ricupero
e Celso Amorim. “Se querem
implementar de novo seus fali-
dos projetos de política exte-
rior para servir a um sistema
de corrupção e atraso, muito
bem. Apresentem esse projeto
ao povo e disputem uma elei-
ção. Não fiquem usando a
Constituição como guardana-
po para enxugar da boca a sua
sede de poder”, declarou Araú-

jo, em seu Twitter. Ele fez refe-
rência a artigo publicado on-
tem no Estadão por FHC e os
ex-ministros sobre o futuro da
política externa brasileira.
Araújo os chamou de “paladi-
nos da hipocrisia”.

O ministro do Supremo Tribu-
nal Federal (STF) Alexandre
de Moraes manteve, ontem, a
suspensão da nomeação do di-
retor da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), delegado
Alexandre Ramagem, para a
chefia da Polícia Federal. A no-
meação de Ramagem havia si-
do anulada pelo Palácio do Pla-
nalto após a decisão de Mo-
raes. Ontem, mais cedo, a Ad-
vocacia-Geral da União (AGU)
havia pedido ao ministro do
Supremo que reconsiderasse a
decisão que barrou Ramagem
na direção-geral da PF.

GABRIELA BILO/ ESTADÃO

GOVERNO EM RISCO


SUPREMO
Bolsonaro é denunciado
por homenagem a Curió
O Instituto Vladimir Herzog, o
Núcleo de Preservação da Me-
mória Política e o PSOL denun-
ciaram o governo Jair Bolsona-
ro à Corte Interamericana de
Direitos Humanos após o presi-
dente receber, nesta semana,
no Palácio do Planalto, o tenen-
te-coronel da reserva Sebas-
tião Curió Rodrigues de Mou-
ra, de 85 anos. Major Curió foi
um dos agentes de repressão
da ditadura militar que atua-
ram no combate à Guerrilha
do Araguaia, nos anos 1970. A
Presidência não se manifestou
até a conclusão desta edição.

DIREITOS HUMANOS

O Ministério Público de São
Paulo e a Procuradoria Regio-
nal Eleitoral propuseram a 33
partidos a assinatura de um
termo de compromisso públi-
co pela legitimidade, integrida-
de, idoneidade e transparência
nas eleições municipais de ou-
tubro deste ano. Os termos do
documento, apresentados on-
tem durante uma audiência
pública, incluem o incentivo
ao lançamento de candidatu-
ras femininas “reais e competi-
tivas” e o engajamento das le-
gendas no combate à dissemi-
nação de fake news.

MP propõe a partidos
termo contra fake news

ELEIÇÕES 2020
TRF-2 abre processo
contra Marcelo Bretas

RELAÇÕES EXTERIORES EVENTO COM BOLSONARO


Ernesto Araújo critica ex-chanceleres e


FHC por artigo sobre política externa


Moraes mantém veto
a Ramagem na PF

LUIS ECHEVERRIA / REUTERS
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