O Estado de São Paulo (2020-05-10)

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A10 Internacional DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


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á um certo clima no Brasil
de que é hora de retomar as
atividades, porque é isso o
que o mundo está fazendo. O racio-
cínio ecoou na Praça dos Três Pode-
res, durante a missão liderada pelo
presidente Jair Bolsonaro ao Supre-
mo Tribunal Federal (STF), quando
um representante dos empresários
lembrou que “a Ásia está abrindo”.
Sim. Mas a China está três meses
na frente do Brasil nessa história; a
Itália, dois meses; e os Estados Uni-
dos – um exemplo a não ser seguido
–, um mês.
Como pairam muitas dúvidas
acerca da transparência dos dados

da China, vamos nos ater por um ins-
tante ao caso da Coreia do Sul, uma
democracia avançada que se notabili-
zou pelo número de testes. São 10.
casos para uma população de 52 mi-
lhões, ou seja, um para cada 4.805 habi-
tantes. No Brasil, 145.328 casos para
uma população de 209 milhões signifi-
cam um para cada 1.438 habitantes.
Com duas diferenças importantes:
o Brasil testa muito menos que a Co-
reia do Sul. As estimativas de especia-
listas são que há 1,5 milhão a 2 milhões
de casos no Brasil, observa Vitor En-
grácia Valenti, pós-doutor em fisiopa-
tologia pela USP e um dos autores do
estudo Brasil, o Próximo Epicentro da

Pandemia.
Além disso, o Brasil está longe do
seu pico. A Coreia do Sul detectou 25
novos casos na sexta-feira e adotou
providências. No Brasil, foram 10.
casos novos na sexta-feira. Nossa cur-
va está em plena ascensão. Não há o
menor sinal de que ela vá se achatar
tão cedo.
Alemanha, Itália e Espanha come-
çaram a afrouxar as medidas, depois
de meses de confinamento de suas
populações, porque os novos casos
diminuíram muito – graças precisa-
mente às medidas rigorosas adota-
das por seus governos, e pelo tempo
suficiente.
O governo alemão anunciou na quar-
ta-feira que reabriria restaurantes, ho-
téis e lojas, e o campeonato nacional
de futebol, a Bundesliga, voltaria, sem
torcedores nos estádios. De lá para cá,
no entanto, o número de casos voltou
a subir. De quinta para sexta-feira, fo-
ram 1.268 novos registros e 117 novas
mortes. Então a chanceler Angela
Merkel determinou que as áreas que

tiverem 50 novos casos por 100 mil ha-
bitantes voltarão ao confinamento.
O prefeito de Milão, Giuseppe Sala,
ameaçou fechar o Navigli, o passeio ao
longo do canal, e proibir serviços de
entrega, porque as pessoas não estão
obedecendo distanciamento social
nem usando máscaras, ao voltarem do
confinamento.
Na Espanha, mais da metade da po-
pulação vai retomar atividades ama-
nhã, mas não em Madri e Barcelona, as
cidades mais afetadas. O governo na-
cional recusou autorização para a re-
gião de Madri afrouxar as medidas de
confinamento. Barcelona reabriu
praias das 6 às 10 horas da manhã para
as pessoas nadarem e correrem, sob
vigilância da polícia para manterem o
distanciamento e usarem máscaras.
O contraexemplo são os EUA, on-
de 47 dos 50 Estados estão retoman-
do parte das atividades até hoje, quan-
do sua curva ainda está em ascensão.
Christopher Murray, diretor do Insti-
tuto de Métrica de Saúde e Avaliação
da Universidade de Washington, disse

na sexta-feira que estava revendo as
projeções de mortes, porque elas en-
volviam muitas cautelas que agora
estão sendo abandonadas. Uma des-
sas projeções era de 134 mil mortes
até o início de agosto.
A curva do Brasil é igual à dos
EUA em números absolutos. Se vo-
cê considera que a população ameri-
cana é 50% maior que a do Brasil,
estamos indo de forma acelerada pa-
ra o topo do ranking mundial, onde
estão hoje os Estados Unidos.
Segundo um modelo matemático
desenvolvido por Valenti e mais
dois cientistas, o Brasil chegaria a
64 mil mortes no dia 9 de junho, se
mantido o ritmo de abril. Medidas
rigorosas, como distanciamento so-
cial e uso de máscaras, diminuiriam
esse número para 31 mil. Ou seja,
salvariam 33 mil vidas.
A paralisia econômica, assim co-
mo o confinamento, é consequên-
cia do coronavírus. Querer salvar a
economia permitindo a circulação
do vírus não vai dar certo.

LOURIVAL


SANT’ANNA


Problemas no paraíso

PEQUIM


O Conselho do Estado Chinês
aprovou ontem a reabertura de
cinemas, academias, bibliote-
cas, museus e galerias de arte,
entre outros espaços fechados,
após o país registrar apenas um
caso de coronavírus em 24 ho-
ras. Além disso, o governo bai-
xou o nível de alerta da epide-
mia de “emergência” para “tra-
balho regular” e autorizou que
mercados, shopping centers,


hotéis e restaurantes também
voltem a funcionar.
Segundo a agência de notí-
cias estatal Xinhua, esses lo-
cais, vetados até agora em mui-

tas províncias chinesas para evi-
tar aglomerações, terão de esta-
belecer um limite para o núme-
ro de visitantes e operar sob me-
didas especiais de prevenção.

Atualmente, o foco da pande-
mia na China parece estar na
fronteira da província de Hei-
longjiang, onde nas últimas se-
manas houve um pico nos casos
por causa do afluxo de chineses
que retornaram da Rússia, embo-
ra as autoridades ainda conside-
rem que o risco na área é baixo.
Segundo o último relatório ofi-
cial da Comissão Nacional de Saú-
de, existem apenas 208 casos ati-
vos de covid-19 no país, dos quais
15 pacientes estão em estado gra-
ve. Nas últimas 24 horas, 53 chine-
ses tiveram alta do hospital.
Segundo a comissão, a China
teve 13 novos casos nos primei-
ros oito dias deste mês, e o últi-
mo dia em que houve dez ou
mais notificações de infecção
foi em 30 de abril, com 12. Des-

de o começo da pandemia, fo-
ram reportadas 82.887 notifica-
ções, com 4.633 mortes.
Ainda ontem, o governo admi-
tiu que a covid-19 revelou “lacu-
nas” em seus sistemas de saúde
e prevenção de doenças infec-
ciosas. O país é alvo de críticas
de líderes mundiais – as mais fe-
rozes vêm do presidente dos Es-
tados Unidos, Donald Trump.

“A luta contra a epidemia de
covid-19 representa um grande
teste para o sistema e as capaci-
dades de governança do país”,
disse neste sábado Li Bin, vice-
ministro chinês da Saúde.
“Também revelou que a Chi-
na ainda tem lacunas em seus sis-
temas e mecanismos de preven-
ção e de controle de grandes epi-
demias e em seu sistema de saú-
de pública”, disse ele em uma en-
trevista coletiva em Pequim.
As declarações deste sábado
acontecem no momento em
que o governo dos Estados Uni-
dos acusa a China de ter oculta-
do informações e de ter admi-
nistrado a crise de maneira equi-
vocada.
Vários países, como França,
Alemanha e Reino Unido, tam-
bém fizeram um apelo para que
o governo chinês demonstre
mais transparência na gestão
da epidemia. / EFE e AFP

EMAIL: [email protected]
LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

SAN JUAN

C


om economias frágeis
e dependentes do tu-
rismo, a pandemia de
coronavírus ameaça devas-
tar os países do Caribe. Aero-
portos sem voos, hotéis fe-
chados e cruzeiros ancora-
dos fizeram o Banco de De-
senvolvimento do Caribe
prever uma contração de até
50% do PIB da região.
Em Santa Lúcia, ilha com
178 mil habitantes nas Anti-
lhas, 13 mil pessoas já perde-
ram o trabalho. Em Porto Ri-
co, território americano que
já vinha sofrendo com as con-
sequências do furacão Ma-
ria, de 2017, 93 dos 160 hotéis
fecharam as portas, ameaçan-
do cerca de 20 mil empregos.
O turismo, um dos setores
mais afetados pelo surto, re-
presenta de 30% a 50% do
PIB de países como Baha-
mas, Barbados e Jamaica, de
acordo com o Banco Intera-
mericano de Desenvolvimen-
to (BID). Em alguns países, o
setor responde por mais de
80% das receitas diretas e in-
diretas, como em Aruba.
Segundo a Organização
de Turismo do Caribe, o se-
tor emprega 2,5 milhões de
pessoas na região, compos-
ta por pequenos Estados in-
sulares já fortemente endivi-
dados e com economias pou-
co diversificadas. “Nin-
guém está preparado para o

impacto social e econômico da
covid-19, mas especialmente
nós aqui no Caribe”, escreveu
Angelique Nixon, professora
da University of the West In-
dies, de Trinidad e Tobago.
Clarisa Jiménez, presidente
da Associação de Hotéis de Por-
to Rico, disse que a situação é
desesperadora. Segundo ela, a
taxa de ocupação na ilha é de
8%, um número baixíssimo pa-
ra o início da temporada.
O presidente da Associação
dos Proprietários de Alber-
gues de Porto Rico, Jesús Ra-
mos, disse que o setor está
“completamente parado”. “A
Semana Santa já foi um desas-
tre completo. Agora temos me-
do do que vai acontecer no ve-
rão”, disse. “Ninguém vai que-
rer viajar.”
As empresas de cruzeiro são
fundamentais para as econo-
mias da região. São as paradas
rápidas que os navios fazem nas
ilhas que injetam milhões de dó-
lares nos pequenos países cari-
benhos. A maior companhia de
cruzeiros do mundo, a Carnival
Cruise Line, cancelou todas as
partidas até o final do mês que
vem, enquanto a Royal Carib-
bean suspendeu as operações
até o dia 11 também de junho.
Para tentar responder à crise,
a Jamaica anunciou um pacote
financeiro de mais de US$ 8 bi-
lhões (R$ 45 bilhões) para em-
presas e trabalhadores do se-
tor. Alguns países, no entanto,
não têm capacidade de reação.

O primeiro-ministro de Antí-
gua e Barbuda, Gaston Browne,
pediu ajuda internacional e afir-
mou que não existe um plano
local de resgate para o Caribe.
Segundo ele, o país já perdeu 20
mil empregos – o que represen-
ta metade da força de trabalho.

O ministro do Turismo da Ja-
maica, Edmund Bartlett, disse
que dos 20 países mais depen-
dentes do turismo no mundo,
13 estão no Caribe. O topo da
lista é ocupado pelas Ilhas Vir-
gens Britânicas, que são segui-
das de Bahamas, Santa Lúcia,
Granada e São Cristóvão e Ne-
vis. Segundo ele, o fechamento
das fronteiras no Caribe deixou
300 mil pessoas na Jamaica sem
trabalho. “Estamos diante de
uma série de incógnitas, tentan-
do descobrir uma nova maneira
de fazer turismo”, disse.
Outro sinal de perigo para as
pequenas economias da re-
gião é a queda brusca do envio
de remessas de dinheiro de
imigrantes que trabalham no
exterior. As receitas represen-
tam em média cerca de 7% do
PIB de muitos países – núme-

ro que pode chegar a 15% no
Haiti e na Jamaica. Com EUA,
Reino Unido e Canadá em re-
cessão, os fluxos secaram.
Dada a alta dependência da re-
gião de bens importados, as in-
terrupções na cadeia de supri-
mentos também afetam investi-
mentos, restringindo a entrada
de materiais e de mão de obra,
além de comprometer a segu-
rança alimentar e de saúde, atra-
sando a entrega de comida, de
equipamentos e de suprimen-
tos médicos.
Até a sexta-feira, a região ti-
nha cerca de 15 mil casos confir-
mados de covid-19, com pouco
mais de 830 mortes, a maioria
da República Dominicana. Um
dos locais mais afetados é Vara-
dero, em Cuba. Na ausência de
turistas, o único movimento
nos resorts são dos lagartos que

correm pelos jardins.
“Quase toda a minha famí-
lia, todos os meus primos tra-
balham no turismo”, disse
Maria Elisa Torres, que alu-
ga quartos em sua casa em
Santa Marta, perto de Vara-
dero. “Minha prima é lojista
e está sem emprego. O meu
marido trabalha com alu-
guel de carros. Ele está de-
sempregado. Meu irmão tra-
balha com turistas na praia e
também está parado.”
Alguns que ainda traba-
lham nos resorts da cidade
fantasma tentam sobreviver
da melhor maneira possível.
Carlos Padron, cuida de 15
golfinhos em Varadero, usa
um apito para chamá-los pa-
ra os turistas. “Acho que eles
sentem a falta do público”,
disse. / REUTERS, NYT e AFP

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l Redução

China vai reabrir cinemas, academias e shoppings


l Dependência

VÍRUS LEVA


CENÁRIO


CINZENTO


AO CARIBE


AFP

Governo reduziu o nível


de alerta da epidemia de


coronavírus de
‘emergência’ para


‘trabalho regular’


1 caso
de covid-19 em 24 horas, foi o
que a China registrou ontem. O
país determinou a reabertura de
cinemas, academias, bibliotecas,
museus e galerias de arte.

Volta. Alunos em carteiras com barreiras em Wuhan

É preciso cautela


RAMON ESPINOSA/REUTERS

“Minha prima é lojista
e está sem emprego. O
meu marido trabalha com
aluguel de carros. Ele
está desempregado. Meu
irmão trabalha com
turistas na praia e
também está parado”
Maria Elisa Torres
CUBANA QUE ALUGA QUARTOS
EM SUA CASA EM SANTA MARTA,
PERTO DE VARADERO

Fiscalização. Membro do serviço de saúde no Porto de Mariel, em Cuba: cruzeiros estão parados e resorts ficam vazios

Aeroportos fechados e hotéis vazios afetam


economias frágeis que dependem do turismo

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