O Estado de São Paulo (2020-05-10)

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A14 Metrópole DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


RENATA


CAFARDO


M


ais importante do que sa-
ber a data exata da volta às
aulas, que se tornou quase
uma obsessão para os pais nesses
tempos de isolamento, é planejá-la.
Escolas, professores e famílias não
podem ser pegos de surpresa, como
aconteceu quando houve o fecha-
mento no meio de março. Por isso, o
melhor a fazer agora – além de seguir
com o que é possível para cada um na
educação a distância – é se progra-
mar para o tão falado “novo normal”.
Nesse mundo que vai surgir após
a pandemia, providências práticas
de segurança e higiene são as primei-
ras e mais óbvias. Mas nada fáceis.

Pelo que já foi feito em outros países
que tentam retomar a educação pre-
sencial, os alunos de todas as idades
precisam estudar com máscaras – já
tentou pôr máscara em uma criança?
Eles também não vão poder chegar
muito perto dos amigos e teriam de
andar por caminhos específicos na es-
cola para evitar aglomeração. Imagina
depois de meses sem aulas, você dizer
ao seu filho: ok, agora você vai poder
ver seus colegas, mas não chegue mui-
to perto. Não consigo nem imaginar
crianças da educação infantil, de 3, 4
anos, sendo submetidas a esse tipo de
regra, mas... Somos todos seres resi-
lientes e acabamos nos acostumando.

A pior parte é enfrentar o que trazem
de casa alunos e professores na baga-
gem de um período de isolamento so-
cial e pandemia.
O Todos pela Educação recentemen-
te reuniu especialistas que analisaram
43 estudos sobre lugares que já passa-
ram por situações parecidas com a
atual, com outras epidemias, guerras e
desastres, além da experiência dos paí-
ses que deixaram o isolamento mais
rígido. O resultado virou uma nota téc-
nica detalhada, com informações cru-
ciais para o retorno às aulas.
Um dos pontos que o documento
chama muito a atenção é o impacto
emocional da pandemia sobre crian-
ças, adolescentes e também professo-
res. A longa duração do isolamento
traz junto o medo de infecção, a morte
de familiares, as incertezas quanto ao
emprego e recursos financeiros e, algu-
mas vezes, a convivência prolongada
em um ambiente doméstico tóxico,
com violência e abuso.
Alguns estudos mostram que alunos
que passam por situações traumáticas

podem ter maior dificuldade em desen-
volver competências numéricas e de
leitura, além de pior desempenho em
disciplinas que exigem maior concen-
tração, indica a nota.
Por causa disso, a educação vai preci-
sar muito das áreas da saúde e da assis-
tência social para manter a escola de
pé. O suporte psicológico deve se tor-

nar algo trivial pós pandemia para estu-
dantes e professores, hoje ainda muito
difícil de se encontrar pelo País, apesar
de uma lei de 2019 que exige esse tipo
de profissional na escola.
E ainda há aqueles que sequer vão
chegar lá para receber qualquer apoio.
Até 20% dos alunos que sobrevivem a
choques climáticos, ciclones e terre-
motos, por exemplo, não voltam a estu-
dar. Escolas públicas, principalmente,
terão de ir atrás dessas famílias em bus-

ca das crianças e adolescentes que
abandonaram a escola. E o governo
deve manter ajuda financeira para
que o jovem estudante de antes da
pandemia não seja obrigado a virar
trabalhador depois dela.
E por último está a defasagem de
aprendizagem. Claro que muitos, se-
jam ricos ou pobres, vão voltar sem
ter aprendido o que se esperava em
atividades a distância. E aí está o de-
safio maior. Programas muito orga-
nizados de avaliação diagnóstica
desses alunos e recuperação terão
de ser levados a sério. O Brasil que
pouco olha para o estudante com
dificuldade, acostumado a deixar pa-
ra trás quem não aprende, vai ter de
mudar. Ou estaremos aprofundan-
do nossa já grande desigualdade e
levando mais gente para um imenso
fundo do poço.

]
É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E
FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE
JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

A auxiliar de enfermagem Clau-
dia Cristina de Sá, de 36 anos,
fala que costuma colocar o “me-
do no bolso” sempre que veste
o uniforme de socorrista do Sa-
mu paulistano. “Espero, de co-
ração, quando a minha filha for


maior, que ela reconheça a gran-
deza de ajudar o próximo. E não
por esperar aplausos, mas pelo
crescimento pessoal e o cresci-
mento espiritual, que sirva de
exemplo em relação ao amor ao
próximo”, declara.
Tal qual a última obra de arte
de Banksy, em que uma enfer-
meira é a super-heroína de uma
criança, Claudia também é a ins-
piração da filha, Maria Antônia,
de 2 anos. Tempos atrás, a meni-
na se encantou com uma peque-
na camiseta semelhante ao uni-

forme do Samu entre as roupas
da mãe. “( A peça ) foi um presen-
te de um senhor aposentado do
Samu. Ela abriu a minha gaveta
e viu. Falou: ‘Mamãe, eu quero
pôr’. Ela fala: ‘não sou a Maria
Antônia, sou a doutora.”
Claudia conta que a menina
já pensa em trabalhar na área da
saúde quando adulta, também
inspirada por uma tia paterna
médica. Por isso, mãe e filha até
já posaram sorridentes para um
ensaio com as roupas.
As duas passarão o Dia das
Mães juntas, mas sem a compa-
nhia da avó materna, da tia ma-
terna e dos primos de Maria An-
tônia, com quem costumam fa-
zer “aquela festa” na data. “Por
conta dessa quarentena, vai ser

tudo via internet, o presente foi
comprado pela internet e a gen-
te vai se ver por vídeo”, comen-
ta a auxiliar de enfermagem.

Claudia vai na casa da mãe (i-
dosa e com doença preexisten-
te) periodicamente apenas pa-
ra entregar compras essenciais.

Já Maria Antônia tem contato
eventual com as duas avós quan-
do coincidem os compromis-
sos profissionais dos pais, em-
bora a socorrista não considere
a situação ideal.
Embora lide com casos gra-
ves no cotidiano, atendendo no
entorno do distrito de Ermeli-
no Matarazzo, no extremo leste
da cidade de São Paulo, a socor-
rista ressalta ser otimista em re-
lação à pandemia e diz que essa
“doença invisível” vai passar.
“O vírus é praticamente palpá-
vel para mim, vejo praticamen-
te todos os dias quando estou
de plantão”, aponta. “Tenho
medo? Tenho medo. Eu não sei
de onde estou tirando força pa-
ra ser tão confiante.” / P. M

Priscila Mengue


Grande parte do que se asso-
cia ao Dia das Mães não será
possível neste domingo. A ce-
lebração não terá casas
cheias, beijos e abraços aper-
tados nem grandes almoços
de família. Ao menos para
aqueles que podem e aceitam
o distanciamento necessário
na pandemia do novo corona-
vírus, tudo terá de ser adapta-
do com cuidado.

Esse sentimento é ainda mais
forte entre as mães que traba-
lham em funções essenciais, da
enfermeira à agricultora, da
condutora de trem à socorrista,
da cientista à profissional de
limpeza. Para elas, o dever pro-
fissional se soma às precauções
redobradas para preservar os fi-
lhos e pais idosos.
A enfermeira obstetra Rita
Icassatti Queiroz, de 45 anos,
conta ter sentido um “chama-
do” para seguir. Mãe de Davi e
Diego, respectivamente de 6 e
13 anos, ela até se sente “privile-
giada” em relação a outros pro-
fissionais de saúde neste mo-
mento, por trabalhar em uma
maternidade em que a “grande
maioria” das pacientes tem fi-
nal feliz.
No Hospital e Maternidade
Santa Joana, na cidade de São
Paulo, ela percebe os desafios
da enfermagem na pandemia,
em que o distanciamento não
pode impedir o segurar da mão
e outros gestos nos momentos
necessários. “Por causa da más-
cara, tento passar humaniza-
ção, carinho, pelo olhar.”
A pandemia é ainda mais pre-
sente no cotidiano de Danyella
Pereira, de 39 anos, uma das res-
ponsáveis pela análise de testes
do novo coronavírus no Grupo
Fleury. “Conforme a gente vai
liberando o resultado, enxerga
mais ou menos o que está acon-
tecendo. Às vezes, olha os casos
positivos e, dependendo da ida-
de, fica mais sensibilizada.”
Ela conseguiu trocar o plan-
tão deste domingo, mas não vai
ter almoço com avó, mãe, pai,
tios, primos e irmã. Ficará em
casa com o marido e a filha, Iris,
de 3 anos, mas todos já plane-


jam festejos. “Quando acabar
(a pandemia) , vai ser tudo fora
de época, Páscoa, Dia das Mães,
Dia dos Pais, uma festa para ca-
da, para tirar o atraso.”
Já Carolina Elias Sabbaga, de
46 anos, liderava estudos do
protozoário da Doença de Cha-

gas no Instituto Butantã até ser
uma das diretoras de laborató-
rio chamadas a participar da for-
ça-tarefa para reduzir a fila de
testes do novo coronavírus na
rede estadual. “É uma loucura o
dia inteiro, a gente passou feria-
dos emitindo laudos”, diz.

Grande parte dessa nova roti-
na de Carolina é no escritório
montado na sala de casa, com o
convívio das filhas Luiza e Mari-
na, respectivamente de 14 e 18
anos. “A mais velha fica envolvi-
da, pergunta muito. Com essa
história de trabalhar em casa,
todo mundo ouve um pouco.
Elas veem que a história que pas-
sa na TV está aqui dentro de ca-
sa também.”

Celebração. Outra mãe traba-
lhadora essencial é a agriculto-
ra Terezinha dos Santos Matos,
de 53 anos, que planta mais de
50 variedades de alimentos or-
gânicos em São Mateus, na zo-
na leste. Com o marido, José, de
57 anos, cuida da horta, entrega
produtos para clientes idosos e
participa de duas feiras. “A
doença triplicou os pedidos, o
que a gente leva vende.”
Terezinha prevê um domin-
go de descanso, em relação às 15
horas diárias de trabalho que

chega a cumprir. Estará acom-
panhada dos filhos Luiz, de 17
anos, e Cleisiane, de 33, que mo-
ram com ela, mas distante de
Angélica, de 29 anos, que é casa-
da. “Vai ser um Dia das Mães
completamente diferente. Ge-
ralmente vêm outros parentes,
meus irmãos, que moram todos
por aqui.”
Já Juberlania Guilherme do
Nascimento, de 36 anos, ficará
com a filha, Isabelle, de 12 anos,
que está preparando um presen-
te secreto com fotos que pegou
emprestado. “Ela sempre faz
uma coisa, uma cartinha, sem-

pre me surpreende.”
Operadora de trens na Linha
5-Lilás do Metrô, ela gosta de
dizer que não transporta pes-
soas, mas “histórias”. Também
costuma ficar de olho nos va-
gões e, se percebe aglomeração,
emite um aviso aos passageiros.
“Sei que estou na linha de fren-
te para levar pessoas que prova-
velmente vão salvar vidas.”
Para a camareira Ana Lucia
Nascimento, de 43 anos, a cele-
bração com o filho, Davi, de 7, e
a mãe, Ana, de 66, será apenas à
noite, pois estará de plantão na
casa de repouso Lar Sant’An-
na. “Vou vir trabalhar com to-
da a alegria, para conversar
com os idosos que estarão sau-
dosos dos filhos (pela suspen-
são das visitas) ”, conta. “Oro
muito para que Deus guarde a
minha casa, não me deixe es-
quecer de usar álcool em gel ou
colocar a mão no rosto. Tenho
buscado ter calma, o desespe-
ro não vai ajudar.”

Filha usa roupa do Samu


para homenagear mãe


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


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ESCREVE QUINZENALMENTE

Agricultora. Terezinha terá dia de descanso com os filhos
l Diferenças

Mulheres que trabalham em serviços essenciais contam como serão as celebrações hoje; mesmo com a distância, não faltará carinho


‘Quando a minha


filha for maior, que ela


reconheça a grandeza de


ajudar o próximo’, diz


socorrista


Volta às aulas


O Brasil acostumado a deixar
para trás quem não aprende
vai ter de mudar

NILTON FUKUDA/ESTADÃO

Mães que cuidam de todos na pandemia


NILTON FUKUDA/ESTADÃO

É a data mais gostosa do
ano. Vai ser um dia de muita
sensibilidade não poder ter
contato com minha mãe
nem apertar meus meninos.”
Rita Icassatti Queiroz
ENFERMEIRA OBSTETRA

Enfermeira. Rita trabalha em uma maternidade e se considera uma privilegiada por presenciar finais felizes; de máscara, tenta passar carinho pelo olhar

TATI PIASSENTINI

Medo e exemplo. ‘O vírus é praticamente palpável para mim’
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