O Estado de São Paulo (2020-05-10)

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A16 Esportes DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


UGO


GIORGETTI


Marcius Azevedo


A voz é um misto de cobrança
e carinho. O ala Betinho, 31
anos, foi buscar no começo
de sua trajetória no basquete
uma inspiração em meio ao
caos que tomou conta da mo-
dalidade por causa da pande-
mia do novo coronavírus. Em
um período de incertezas
após ser dispensado pelo Pi-
nheiros e sem saber o que po-
de acontecer na próxima edi-
ção do Novo Basquete Brasil
(NBB) depois do encerramen-
to antecipado da temporada
2019-2020, o jogador está trei-
nando com sua mãe, Rosânge-
la, em Limeira, na cidade on-
de ela orientou os primeiros
passos do filho em quadra.

Esta história teve início quan-
do Betinho tinha apenas oito
anos. Ex-jogadora de basquete
e formada em Educação Física,
Rosângela dava aulas em uma
escolinha da modalidade em Li-
meira. O filho foi um dos seus
alunos até os 12 anos. “Quando
você é criança costuma ser mais
uma brincadeira, uma ativida-
de, do que um treino. Foi uma
experiência muito legal. Ela me
iniciou no esporte, me ajudou
nos primeiros passos, sempre
com muito carinho, atenção...
Foi muito importante para
mim esse começo”, relembra.
Betinho se apaixonou pelo es-
porte. Foi treinado também pe-
lo pai, José Roberto, no Nosso
Clube em Limeira, passou pelo
Esperia de São Paulo, jogou no
Fortitudo, de Bolonha, na Itá-
lia, com apenas 16 anos, ainda
na base. No adulto, rodou por
Paulistano, Minas, São José, Ca-
xias do Sul, Campo Mourão e
Basquete Cearense até chegar
ao Pinheiros em 2018.
Na temporada do NBB que se


encerrou oficialmente na últi-
ma segunda-feira, após decisão
unânime dos clubes por causa
da incerteza em relação ao avan-
ço da covid-19 no Brasil, o ala
era o destaque do Pinheiros,
com 16,1 pontos, 3,7 rebotes e
3,5 assistências. A dispensa foi
dolorosa e fez Betinho voltar pa-
ra casa, em Limeira, para os cui-
dados de dona Rosângela.
Com ajuda do pai e da irmã
Carol, a mãe mantém o filho em
atividade. Os treinos são diá-
rios, às vezes até tarde da noite.
Não à toa, o quintal da casa con-
ta com iluminação para os traba-
lhos noturnos neste período de
quarentena. Limeira registra
atualmente 51 casos e apenas
uma morte por coronavírus.
“É legal tê-la novamente por
perto. A minha mãe está sem-
pre disposta a me ajudar nos
treinos, não apenas em quadra,
mas, quando vou malhar ou cor-
rer, ela vai junto para fazer com-
panhia. É uma pessoa muito es-
pecial, que me iniciou no bas-
quete e continua comigo até ho-
je”, elogia Betinho.
A mãe, claro, adora ter o filho
por perto, o que normalmente
acontecia apenas no período de
férias, e fala com orgulho do mo-

mento da carreira. Mas lembra
que foi necessário cobrá-lo lá
no começo. “Sou a fã número 1.
Tenho orgulho do homem e do
jogador que ele é. Ele se dedica
como ninguém, treina, estuda,
é coração, tudo que um grande
atleta tem de ter, tudo que um
grande homem tem de ter. Fico
honrada de participar da histó-
ria dele, de ter sido sua primeira
técnica. Puxava a orelha quan-
do tinha de puxar, e hoje sou só
elogios porque ele merece.”
Além de ajudar nos treinos,
Rosângela procura trabalhar o
lado psicológico. Ela sabe que o
basquete vive um momento
complicado no Brasil, cercado
de incertezas por causa da crise
econômica. Ninguém sabe
quando terá início o próximo
NBB? Qual o impacto aos clu-
bes? Quantos vão sobreviver?
O exemplo para seguir em
frente ela busca na própria traje-
tória do filho. “Quando ele saiu
do São José, ficou muito triste.
Foram seis meses sem propos-
tas, sem poder trabalhar como
ele sempre fez. Foi um período
duro, mas ele deu a volta por
cima. E o mesmo vai acontecer
agora, tenho certeza. Estare-
mos unidos, como sempre, um
dando força ao outro nesses mo-
mentos difíceis”, disse a mãe.
Betinho compartilha das in-
certezas, mas está otimista. A
atitude da Liga Nacional de Bas-
quete e das equipes em encer-
rar o NBB, segundo ele, pode
ser importante para o futuro da
modalidade. “Todos estão pen-
sando no impacto da pandemia.
Agora os clubes precisam se or-
ganizar para continuar com os
projetos para o ano que vem”,
afirmou. “A próxima tempora-
da ainda está bastante nebulo-
sa. Torço para que possamos
passar por esta situação.”

E-MAIL: [email protected]

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Dispensa por


carta ainda


incomoda


Betinho desafia


incertezas com


ajuda da mãe


INSPIRAÇÃO

MIAMI


A NBA tem tomado uma série
de medidas em razão da pande-
mia da covid-19 que assombra
os Estados Unidos e o mundo.
A liga de basquete americana
decidiu recentemente reabrir
alguns centros de treinamen-
tos, mas decisões sobre a conti-
nuidade da temporada e o iní-


cio da próxima ainda conti-
nuam sem definições. A entida-
de agora tomou nova providên-
cia em decorrência da crise glo-
bal: reduzir o teto salarial das
equipes.
O limite que os times podem
gastar com seus atletas é de
US$ 109 milhões (R$ 624 mi-
lhões), o que deverá ser dimi-
nuído antes do início da dispu-

ta 2020/2021 da liga, cujas re-
centes conversas apontam pa-
ra que seja em dezembro deste

ano, mas ainda em análise.
“Ainda há muitas incerte-
zas com a pandemia do coro-

navírus, mas uma coisa é cer-
ta: a folha salarial será reduzi-
da, de acordo com fontes da
liga”, informou repórter do
New York Post. “Falando de
forma superficial, isso se tor-
na vantajoso para construir ti-
mes em torno de jovens atle-
tas com salários baixos. De
acordo com fontes, com a pan-
demia gerando crise econômi-
ca para a NBA, os times talvez
estejam ansiosos para revisar
contratos gigantes.”
Ainda em março, o comissá-
rio da NBA, Adam Silver, decla-
rou que estava acompanhando
como a situação do coronaví-
rus nos EUA poderia prejudicar
as perspectivas financeiras da
liga. “É muito cedo para dizer

como vai ser o impacto econô-
mico”, disse o dirigente na oca-
sião. “Nós estamos analisando
múltiplos cenários diariamen-
te, senão de hora em hora, e va-
mos continuar a revisar as im-
plicações financeiras. Obvia-
mente, não é uma previsão boa,
mas todos, independentemen-
te do mercado em que estejam,
estamos no mesmo barco.”
O teto salarial da NBA já ti-
nha sido alterado em duas ou-
tras ocasiões, em 2002 e 2009,
períodos de recessão, desde
sua criação em 1984/85. Hoje, o
jogador mais bem pago da liga
é Stephen Curry, do Golden
State, que ganha pouco mais
de US$ 40 milhões por tor-
neio.

E


m 1997, fiz um filme chama-
do Boleiros. Havia um perso-
nagem, entre muitos outros,
que me preocupava bastante. Eu
precisava de um ator excepcional-
mente dotado para interpretar um
antigo astro do Corinthians, do co-
meço dos anos 50, que se tinha trans-
formado num velho cansado, amar-
gurado, descrente e envergonhado
da velhice que o atingia em cheio.
No Brasil um diretor, se tiver pa-
ciência, sempre encontra o ator que
está procurando. Não me surpreen-
di quando, no meio de uma reunião,
quebrando a cabeça para fazer essa

escolha, surgiu o nome de Flavio Mi-
gliaccio. Para mim a pesquisa tinha ter-
minado ali.
Liguei para ele na hora e dias depois
fui recebê-lo em Congonhas para acer-
tar tudo. Veio caminhando discreta-
mente, no meio das pessoas que saiam
do avião, com um andar de boleiro. In-
definível, mas reconhecível para quem
conhece o assunto. Nunca lhe pergun-
tei se aquele caminhar já era uma perso-
nificação do personagem. Talvez fosse
natural, Flávio era boleiro e entendia
do assunto. Mas talvez não fosse natu-
ral e ele tivesse ensaiado infatigavel-
mente, como era seu costume, para já

chegar com o andar do personagem.
Seu trabalho foi admirável e está lá
no filme para quem quiser ver. Naldi-
nho, o veterano desiludido que olha ao
seu redor e nada mais vê que valha a
pena, a começar dele mesmo.
Corte rápido, como nos filmes, para


  1. Flávio Migliaccio, olhou por sua
    vez ao redor e chegou às mesmas con-
    clusões que seu personagem de Bolei-
    ros
    . Matou-se, como talvez o fizesse o
    personagem do filme, caso o filme se-
    guisse sua história até o fim.
    Flávio foi até o fim. Deixou uma men-
    sagem, dura, escrita com uma caneta
    Bic vermelha, num pedaço de papel co-
    mum. Pessoal, de próprio punho, sem
    interferências de computadores ou
    máquinas, direta. “Me desculpem,
    mas não deu mais. A velhice nesse País
    é um caos, como tudo aqui. Eu tive a
    impressão de 85 anos jogados fora
    num País como este.”
    Realmente este País se tornou homi-
    cida em relação aos velhos. Talvez sem-
    pre tenha sido, mas não explicitamen-


te. Pode ser que Flávio tomou a deci-
são final quando percebeu que o discur-
so de abrir a economia feito sem cessar
pelo presidente da República e seu mi-
nistro da Economia ocultava, não tão
bem, aliás, a mensagem que ainda não
se permitem dizer claramente: essa
pandemia mata velhos que não têm va-
lor econômico algum. Enquanto al-
guém se preocupar com eles a econo-
mia não vai andar.
Em outras palavras, essa atenção à
velhice custa dinheiro a quem de mo-
do algum está disposto a perdê-lo. O
problema, portanto, é gente como Flá-
vio Migliaccio. Mas não é tudo. Além
de ser velho, Flávio era um artista, por-
tanto duplamente odiado pelo poder.
Jamais se despejou tanto ódio con-
tra a classe artística durante qualquer
um dos poucos intervalos de democra-
cia que este País viveu. Nem durante as
ditaduras. Sempre havia um Gustavo
Capanema para dar pelo menos um
aceno à cultura de que os caminhos
não estavam inteiramente obstruídos.

Nunca se chegou ao ponto do in-
sulto gratuito e da sensação de que
se almeja no fundo o extermínio físi-
co de uma classe de pessoas. Nunca
se viu imprensa, cinema, teatro, lite-
ratura, ciências humanas, e o pensa-
mento crítico em geral, tratados des-
sa maneira. É isso que finalmente
faz com que artistas como Flávio Mi-
gliaccio escrevam “desculpem, mas
não deu mais”.
Naldinho diria a mesma coisa. É
um engano, porém, achar que se po-
de aniquilar essa invenção grega, ra-
zão e liberdade. Esse patrimônio da
humanidade será conservado, não
haja dúvidas. Mesmo que, como di-
zia Otavio Paz “em tempos terríveis
a arte tem que se dar nos subterrâ-
neos da sociedade”. Quem quiser
ler um depoimento sobre Flávio Mi-
gliaccio muito melhor do que o meu
procure na internet o do Lima Duar-
te, ele também ator brilhante do
mesmo Boleiros , ainda vivo e reagin-
do. Mas Naldinho morreu.

Betinho confia que o desempe-
nho pelo Pinheiros não vai dei-
xá-lo desempregado por muito
tempo. Em relação ao ex-time,
ele não ficou satisfeito pela ma-
neira como foi dispensado. A di-
retoria enviou uma carta aos jo-
gadores avisando que o contra-
to não seria renovado um mês
antes do final do vínculo.

“Judicialmente, o clube não
fez nada de errado, seguiram o
contrato corretamente e paga-
ram tudo certinho. Agora, pelo
lado pessoal, foi um baque. Fala-
va com todos, conhecia todo
mundo. Esta carta não teve qual-
quer preocupação com este rela-
cionamento, com este carinho
pelo clube. Existiam muitas for-
mas de fazer isso”, explicou.
O ala prefere guardar para
sempre na memória um mo-
mento especial que viveu no Pi-
nheiros. E que teve participa-
ção da mãe. Rosângela estava
na arquibancada do ginásio Wla-

mir Marques, casa do Corin-
thians, quando o filho conver-
teu um arremesso de três no es-
touro do cronômetro na vitória
por 82 a 81, no dia 9 de dezem-
bro de 2019, pelo NBB.
“Eu já tinha visto minha mãe
na arquibancada, com minha ir-
mã, atrás da torcida do Corin-
thians, porque não as deixaram
ir para o lado do visitante. Quan-
do converti o arremesso, apon-
tei para ela, muita gente até
achou que eu estava provocan-
do os torcedores, mas foi para a
minha mãe. Aquele foi um mo-
mento marcante”, conta. / M. A.

JOSÉ ROBERTO

Basquete. Ex-Pinheiros, ala volta para Limeira, onde treina com


Rosângela, sua primeira técnica, e inspiração no momento de crise


Sem descanso. Betinho treina com sua mãe até no período da noite no recesso do NBB

Betinho
JOGADOR DE BASQUETE

‘Ela (mãe) está
sempre disposta
a me ajudar nos
treinos, não apenas
em quadra, mas
quando vou malhar
ou correr’

TODAY SPORTS

NBA deve anunciar


redução de salário


dos seus jogadores


Curry. Atleta do Golden State Warriors é o mais bem pago

Naldinho morreu

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