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H4 Especial DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Alice Ferraz*
[email protected]
l]
E
ncontrar lugares para curar
nossas dores emocionais du-
rante a pandemia tem sido
uma busca natural. Precisamos de
conforto e, de maneira legítima, es-
tamos em busca de novos cami-
nhos. Passamos a praticar exercí-
cios físicos, ioga, meditação e aulas
online de autoconhecimento – até a
mera distração vinda de um entrete-
nimento qualquer que nos envolva
é válida. A meta é esquecer o mundo
difícil lá fora. Enfrentar o momento
mesmo quando se está em seguran-
ça, com saúde e em casa, é desafia-
dor e fomos todos pegos de surpre-
sa, despreparados para esse contato
interno tão intenso com as nossas
emoções. Estamos todos com o pa-
vio curto, diria meu pai.
Nessa busca pelo alívio, passa-
mos horas conectados todos os
dias. E é esse o assunto da minha
reflexão de hoje. Sendo a coluna so-
bre moda, trago esse pensamento para
o tema e observação. Julgar e criticar
comportamentos nas redes sociais de
quem fala, usa, fotografa, trabalha ou
só gosta de moda e divide suas dicas,
vontades e fotos em suas plataformas
têm se transformado em “modus ope-
randi” constante de quem acredita
que a época de pandemia não é adequa-
da ao tema. Ou seja, o assunto moda se
tornou quase um tabu, proibido em
momento de seriedade. Será?
Assisto diariamente ao meu marido
seguir as contas no Instagram de joga-
dores de basquete, tênis e futebol que,
isolados em suas casas, postam vídeos
recorrentes jogando na sala, realizan-
do disputas virtuais, descobrindo e di-
vidindo com seus seguidores suas no-
vas “quadras”, em meio a sofás revira-
dos e mesas de jantar (que viraram dis-
putados espaços para bolinhas de
tênis). Meu marido e meu filho vi-
bram, riem, tomam como entreteni-
mento e se distraem do nosso sofri-
mento diário vendo seus ídolos cons-
truírem um universo de fantasia den-
tro do mundo de que fazem parte: o
esporte. Nunca, por uma só vez, li um
comentário deles dizendo que não era
adequado neste momento eles conti-
nuarem fazendo o que fazem, jogando.
Poderia continuar dando exemplos
de outros setores, mas tenho que vol-
tar à moda, onde habito. Infelizmente,
nesse setor, não tem sido assim. A pala-
vra empatia perdeu seu lugar para ou-
tra, o julgamento. Em vez de nos auto-
policiarmos e usarmos nossa capacida-
de psicológica para sentir o que outra
pessoa sentiria caso estivesse na mes-
ma situação, vejo palavras de juízo
constante sendo atiradas na internet.
Resumo: se você não faz o que eu julgo
ser empático em uma foto ou vídeo,
você não tem empatia. Se está arruma-
da, é porque só pensa em roupa e não
enxerga a futilidade do tema. Se está
maquiada, é porque não entendeu o
momento pelo qual passa o planeta. E
por essa direção, as críticas de valor
moral são misturadas com vestidos, ba-
tons e sapatos.
Ao assistir a uma live de uma das nos-
sas musas da moda brasileira, Costan-
za Pascolato, me encantei com seu vi-
sual. Bem maquiada, com delineador,
cabelos penteados, usando seus habi-
tuais maxi colares e anéis em quase to-
dos os dedos, Costanza representava o
universo do qual faz parte a moda. Não
estava em questão quanto custava ca-
da colar, se era de marca internacional
ou feito no Brasil, nem se ela estava
arrumada demais para sua quarentena
feita em reclusão em seu apartamento
de paredes vermelhas. Costanza é
fiel à própria identidade e simboliza
a moda. Como um jogador de bas-
quete que, em casa, usa seus tênis,
shorts e camiseta. Pessoas de moda
se vestem de acordo com a moda e
não existe nenhuma falta de respei-
to ou empatia nisso. A verdadeira
empatia é a habilidade de compreen-
der o outro. Vi Costanza na live e ela
era ela mesma, e não um produto
moldado ao que eu entendo ser em-
pático sob meu ponto de vista.
Vivemos um momento sensível, a
dor do outro nos molda, tem impac-
to profundo e sairemos transforma-
dos, sim, e talvez até mais empáti-
cos. Mas o respeito ao modo de vida,
trabalho, roupas, escolhas que cons-
troem nossa própria imagem são
fundamentais para nos reconhecer-
mos e devem ser preservados. A mo-
da como forma de expressão da nos-
sa personalidade e como extensão
visível da individualidade tem co-
mo berço a criação. Não deixar que
os efeitos da reclusão decorrentes
da pandemia acabem com o poten-
cial criativo que nos leva à singulari-
dade é fundamental. Não deixar de
sonhar para viver esses dias com um
pouco mais de leveza também.
FASHION
Em decorrência da pandemia da covid-19, organizações
responsáveis pelas semanas de moda na Europa
e nos EUA anunciam formatos inovadores
WEEKS NA ERA DIGITAL
RETRATOS DA MODA
Alice Ferraz
A notícia dos cancelamentos
das versões físicas das semanas
de moda internacionais chegou
cedo. Com as grandes capitais
da moda mundial sendo afeta-
das pela crise de saúde pública
causada pela pandemia, as orga-
nizações responsáveis pelos des-
files das coleções resort, moda
masculina e alta-costura anun-
ciaram, no final de março, que
ocorreriam alterações drásticas
nos calendários. Agora, dois im-
portantes polos fashion se pre-
param para colocar em prática
as novidades, com a realização
de semanas de moda digitais.
Londres será a primeira cidade
com eventos nesses moldes. O
British Fashion Council, organi-
zação responsável pelo evento
na capital inglesa, irá manter as
datas originais da London
Fashion Week de forma online,
sem a realização de eventos físi-
cos. “Estamos adaptando a inova-
ção digital para melhor atender
às nossas necessidades e para
construir uma vitrine global para
o futuro. Os estilistas poderão
compartilhar suas histórias e co-
leções com uma comunidade glo-
bal mais ampla. Esperamos que,
além de perspectivas pessoais so-
bre este momento difícil, haja ins-
piração em abundância. É por es-
se motivo que a moda britânica é
reconhecida”, declarou Caroline
Rush, CEO do conselho de moda
britânico, à plataforma WWD.
As coleções masculinas e femi-
ninas serão reunidas em uma
mesma plataforma digital que se-
rá lançada no dia 12 de junho com
conteúdos em vídeo, fotos e pod-
casts. Além de ser uma vitrine vir-
tual, a novidade também trará
oportunidades para as marcas
venderem suas novas coleções
para os compradores de bouti-
ques e lojas de todo o mundo.
Em um formato similar, a Câ-
mara Nacional da Moda Italiana
divulgou esta semana um comu-
nicado oficial sobre a realização
de um evento virtual entre os dias
14 e 17 de julho. Os organizadores
do chamado Milano Digital
Fashion Week prometem mos-
trar não só as novas coleções, mas
também o backstage da moda,
com imagens e entrevistas que
irão falar mais sobre cada marca
participante. O evento ocorrerá
em torno de um cronograma com
horários definidos para a apresen-
tação de cada marca e, assim co-
mo a semana britânica, também
trará oportunidades de negócios.
Nos Estados Unidos, os even-
tos de moda programados para se-
tembro estão mantidos. A princi-
pal alteração oficial anunciada
até o momento é a junção das
apresentações das coleções mas-
culinas e femininas. “A unificação
do calendário é importante como
uma forma de colaboração e ino-
vação”, explica Simone Jordão,
consultora e curadora brasileira
do Show Coterie NY, principal fei-
ra de negócios de moda dos EUA.
O movimento digital surge tam-
bém como uma importante solu-
ção para as feiras que comerciali-
zam coleções para multimarcas.
Os desdobramentos da pande-
mia provocaram uma retração do
mercado que afetou principal-
mente os pedidos para o Inverno
- A Coterie, uma das mais im-
portantes feiras B2B do mercado
da moda, registrou queda de 50%
nos pedidos de compras. No en-
tanto, a feira caminhava em dire-
ção ao digital antes da crise e os
números mostram grande ade-
são por parte dos compradores.
O aplicativo criado pelos orga-
nizadores registrou 50 mil aces-
sos, enquanto o número de visi-
tantes no evento físico, em feve-
reiro, atingiu 13 mil pessoas. “A ex-
periência digital já era presente
na Coterie. Tínhamos um app em
que os compradores podiam sair
do show e descobrir mais sobre a
marca e ver o lookbook digital-
mente”, diz Jordão, sobre a incor-
poração da tecnologia no evento.
No Brasil, a edição da São Pau-
lo Fashion Week, que deveria ter
ocorrido entre 24 e 28 de abril,
não aconteceu. Até agora, a edi-
ção marcada para o dia 16 de ou-
tubro segue confirmada no ca-
lendário em sua forma física.
“Sempre acreditamos na moda
como um movimento vivo e or-
gânico, que se transforma com o
tempo, como de fato é o princí-
pio da moda”, comenta Paulo
Borges, idealizador e diretor cria-
tivo do evento. “O SPFW foi a
primeira semana de moda no
mundo a transmitir os desfiles
ao vivo pela internet, isso ainda
em 2001”, complementa.
Com
as filhas.
Paula Torres
junto de
Manuela
Torres
Oliveira
Mauro e
Luisa Torres
Oliveira
Mauro
Mãe.
Schynaider
Moura
Garnero
com as
filhas
Anne Marie
Garnero,
Elle Marie
Garnero e
Gioe Marie
Garnero
JULIANA AZEVEDO
Dupla.
Ciccy
Halpern
com a filha
Missy
JOSÉLIA ALVES OLIVIAN MOIOLI
Empatia ou
julgamento?
DENISE LEÃO
CHARLES PLATIAU/REUTERS
Semana de Paris. A notícia dos cancelamentos das versões físicas dos eventos de moda internacionais chegou cedo