O Estado de São Paulo (2020-05-10)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-5:20200510:
O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 Política A


ELIANE


CANTANHÊDE


D


os ministérios da Educação
e do Meio Ambiente, nem se
fala mais, mas três institui-
ções historicamente respeitadas e
admiradas andam na boca do povo:
Polícia Federal, Forças Armadas e
Itamaraty. Dúvidas e temor de inge-
rência na PF, risco de imagem e con-
taminação política nas FA, uma po-
lítica externa que atrai perplexida-
de e crítica mundo afora.
Jogada no centro de mais uma cri-
se política, num país que viveu im-
peachment duas vezes em três déca-
das, a PF tem dificuldade de enten-
der o que está acontecendo. O dele-

gado Maurício Valeixo, uma referên-
cia, quase unanimidade, foi demitido.
Alexandre Ramagem foi impedido de
assumir pelo Supremo. Rolando Ale-
xandre de Souza fez as escolhas certas
e ia bem, até que, na sexta-feira, foi
chamado ao Planalto e o governo ten-
tou novamente emplacar Ramagem.
Os acertos de Rolando desagradam
ao presidente Jair Bolsonaro? Essa per-
gunta não quer calar na PF, onde a per-
cepção é de que está em curso um pro-
cesso de enfraquecimento do novo di-
retor-geral, visto agora como “tam-
pão”, achando que tem uma autono-
mia que na verdade não tem. O foco é a

Superintendência do Rio.
Rolando nomeou para o Rio o delega-
do Tácio Muzzi, elogiado pelos seus
pares e bom conhecedor da praça, on-
de trabalhou com os antecessores Ri-
cardo Saadi e Carlos Henrique – justa-
mente com quem Bolsonaro implica.
Saadi, aliás, está na lista de depoentes
desta semana sobre as acusações do
ex-ministro Sérgio Moro ao presiden-
te. Logo, o que paira na PF é: até quan-
do Rolando Alexandre fica? E Muzzi? E
para que novas trocas?

Nas FA, até onde se possa perceber,
há três grupos. Os generais do Planal-
to, apoiando tudo o que seu mestre
mandar até o fim, seja lá que fim seja.
Os comandos, onde há incômodo com
sacolejos entre poderes, atos golpistas
até diante do QG do Exército, descaso

com pandemia e mortes, churrasco
(fake?) no sábado. E as bases, da ativa e
reserva, com várias centenas de car-
gos, DAS camaradas e famílias felizes.
Ser leal a quem, ou ao quê?
No Itamaraty, nenhum outro termo
define melhor a situação: perplexida-
de. Num país de diplomacia sólida, es-
tável, baseada em princípios e indepen-
dência, o atual governo segue cegamen-
te os Estados Unidos e cria atritos e
crises com França, Alemanha, Norue-
ga, Argentina, Chile, mundo árabe e,
toda hora, com a China.
Em movimento inédito, Fernando
Henrique, Aloysio Nunes Ferreira, Cel-
so Amorim, Celso Lafer, Francisco Re-
zek, José Serra, Rubens Ricupero e Hus-
sein Kalout, de cinco governos diferen-
tes, assinam o manifesto “Reconstru-
ção da política externa”: “Além de
transgredir a Constituição, a atual
orientação impõe ao País custos de di-
fícil reparação como desmoronamen-
to da credibilidade externa, perdas de
mercados e fuga de investimentos”.

Pelo twitter, o chanceler Ernesto
Araújo, que guerreia contra o multila-
teralismo, endeusa Donald Trump,
demoniza a China e vive assombra-
do por um comunismo delirante,
acusou os autores de “paladinos da
hipocrisia” e o texto de “clichês glo-
balistas”, para desferir: “Não fiquem
usando a Constituição como guarda-
napo para enxugar da boca a sua sede
de poder”. Pode ser tudo, menos lin-
guagem diplomática.
Assim, o Brasil atinge 10 mil mor-
tos e vai chegando a epicentro mun-
dial da Covid-19 e ao colapso de re-
des de saúde e funerária, mas o presi-
dente insiste na apologia da aglome-
ração, brinca com churrasco para 30
ou 30 mil pessoas, só pensa na PF do
Rio e está às voltas com a tal reunião
apocalíptica de 22 de abril. Quanto à
ida ao STF: segundo arguto persona-
gem, ele procura “sócios para carre-
gar as alças dos caixões”. Porém, o
que vale hoje vale amanhã: “Quem
manda sou eu”. Não se esqueçam.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Polícia Federal, Forças
Armadas e Itamaraty cercados
de dúvidas e na boca do povo

ENTREVISTA


Marcelo Godoy


O general e deputado federal
Roberto Peternelli (PSL-SP),
de 65 anos, afirma que não vai
haver golpe, nem de Jair Bolso-
naro contra o Congresso nem
deste contra o presidente.
Coordenador das candidatu-
ras militares em 2018, ele con-
denou os termos usados pelo
ministro Celso de Mello, do Su-
premo Tribunal Federal
(STF), que os ameaçou de con-
duzir “sob vara” para depor,
três generais ministros do go-
verno. “Onde ele quer chegar?
Ele vai mandar prender o
Exército?” Eis a entrevista.


lHá alguma possibilidade de o
Exército participar de um golpe?
Os militares têm uma caracte-
rística legal e constitucional.
As Forças Armadas são institui-
ções nacionais permanentes


destinadas à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitu-
cionais e, por iniciativa deles, à
manutenção da lei e da ordem.
Por isso, o Exército não partici-
pa de nenhuma operação que
não seja legal. Ele não partici-
paria de um golpe.

lO sr. conhece o presidente. Há
alguma possibilidade de ele ten-
tar fechar o Congresso e o STF?
Não há possibilidade de o presi-
dente tentar fechar o Congres-
so, pois isso não tem respaldo
legal. As atividades dele são ba-
seadas na Constituição.

lComo deve ser a relação do
governo com outros Poderes?
A relação deve ser de harmo-
nia e independência, como diz
a Constituição.

lO senhor acredita que o STF
deve evitar decisões monocráti-
cas contra atos do Executivo?
Toda alternativa para obter a
harmonia e manter a indepen-
dência do Supremo é válida. É
lógico que onze cabeças pen-
sam melhor do que uma. Há
decisões que deviam ser toma-
das pelo colegiado.

lNo Planalto se fomenta a ideia
de que há no Congresso uma
conspiração para derrubar Bolso-
naro. O senhor acredita nisso?
Não acredito que haja conspira-
ção para derrubar o presidente.
Se houvesse, teríamos de per-
guntar qual foi a decisão do
Congresso que colocou em ris-
co o governo? Os pedidos de im-
peachment que chegaram não
tiveram andamento. O presi-
dente Rodrigo Maia (DEM-RJ)
não pautou nenhum, pois não
viu neles fundamentação que
justificasse o impeachment.

lNa última manifestação em
frente ao Planalto, jornalistas
foram agredidos. O que o senhor
acha dessas agressões?
A violência deve ser repudiada

em qualquer contexto. A demo-
cracia se caracteriza pelo deba-
te de ideias e não de forças. To-
dos que ferem qualquer lei de-
vem responder pelos seus atos.

lO presidente tem comparecido
a manifestações em que se pede
um golpe, inclusive em frente ao
quartel do Comando do Exército.
O sr. não esteve nelas. Por quê?
Não era o caso. Meus filhos me
cobram para evitar aglomera-
ções durante a pandemia e se-
guir as recomendações do Mi-
nistério da Saúde. Por isso e pe-
lo local da manifestação, eu não
estive presente. As manifesta-
ções devem respeitar o fato de
as Forças Armadas serem uma
instituição de Estado. A frente
do QG é área militar.

lA busca de apoio do Centrão
não seria uma traição ao que foi
prometido pelo presidente?
Qualquer governo precisa ter
transparência, credibilidade,
eficiência e austeridade. Se o
acordo com o Centrão visar ao
bem do povo brasileiro e esti-
ver dentro do contexto legal e
ético, não vejo problema.

lComo o senhor viu a saída de
Sérgio Moro do governo?
Gosto muito do ministro Mo-
ro. Eles fez um trabalho impor-
tante. Lamento a saída. Torci
para não ocorrer. Quando vo-
cê é amigo de um casal, e ele se
separa litigiosamente, o respei-
to aos dois continua. E você
lastima a forma como ocorreu.

lO que achou da ordem do mi-
nistro Celso de Mello, do STF,
sobre os depoimento dos minis-
tros Braga Netto, Luiz Ramos e
Augusto Heleno?
O despacho não está à altura
de quem defende a Constitui-
ção e desrespeita a harmonia
entre os poderes e a dignidade
da pessoa humana. Estarei do
lado de qualquer cidadão que o
Supremo queira conduzir nes-

ses termos e não vou me furtar
de estar ombreando com os ge-
nerais para ver quem vai condu-
zi-los sob vara. Isso ofende a to-
dos os militares, em especial
aos do Exército. Ameaçar três
militares de vida ilibada, de se-
rem conduzidos sob vara, e to-
dos lerem esse despacho! A tro-
co de quê? A honra é um valor
militar muito forte. Isso a fere
e pode criar fatos desnecessá-
rios. Os ministros agora têm
uma decisão difícil ( decidir se
obedecem à convocação ). Onde o
decano quer chegar? Uma bes-
teira dessas escala uma crise. E
aí pode virar uma bola de neve.
Isso não contribui para a disci-
plina nas Forças Armadas. Eu
me solidarizo com eles. Não
podemos deixar de tomar posi-
ção firme. Os militares não de-
vem ficar quietos. Afinal, esta-
mos no estado democrático de
direito e, toda vez que o a dig-
nidade e o contexto moral for
mexido, a pessoa tem de rea-
gir. Não interessa se é o presi-
dente ou o ministro do Supre-
mo, quem quer que seja. Ele
vai mandar prender o Exérci-
to? Aonde ele quer chegar? Is-
so não contribui para a harmo-
nia dos Poderes.

lEm 2022, o voto do senhor se-
rá de Jair Bolsonaro?
Essa decisão deve ocorrer na
data oportuna. Vamos torcer
para que o governo tenha êxito.
O voto em 2022 será fruto do
contexto. Pensar nele agora é ti-
rar o foco do momento, que de-
ve ser combater o coronavírus.

Marlla Sabino / BRASÍLIA


No dia em que o Brasil atingiu
a marca de 10.627 mortes por
covid-19, o presidente Jair
Bolsonaro andou de jet-ski
no Lago Paranoá, próximo ao
Palácio da Alvorada. As ima-
gens do passeio do presiden-
te foram publicadas ontem à
tarde pelo portal Metrópoles
e logo passaram a ser compar-
tilhadas nas redes sociais.
Questionada sobre o episó-
dio, a Secretaria de Comuni-
cação da Presidência não con-
firmou a informação do pas-
seio e disse que se trata de
agenda privada.

Durante o passeio, que não es-
tava previsto na agenda pública
do presidente, alguns apoiado-
res se aproximaram para tirar
fotos. Uma mulher, em outra
embarcação, brinca com a polê-
mica causada por Bolsonaro
nos últimos dias, quando disse
que faria um churrasco. “A gen-
te veio fazer o teu churrasco”,


diz a mulher, na gravação. Ela e
outras pessoas dizem que traba-
lham na área de aviação e que
enfrentam dificuldades.
O passeio aconteceu após o
presidente desistir de realizar
um churrasco no Palácio do Al-
vorada. Ontem, Bolsonaro cha-
mou o evento de “churrasco
fake” em suas redes sociais. O
Estadão apurou com aliados
de Bolsonaro que o churrasco
seria feito, mas o presidente re-
cuou após repercussão negati-
va. Como a Coluna do Estadão
mostrou ontem, já se discutia
na noite de sexta-feira, a desi-

dratação ou até mesmo o cance-
lamento do churrasco, após Bol-
sonaro ter sido alertado de que
o “timing” para a realização da
festa não era bom.

Previsão. O churrasco estava
previsto inicialmente para acon-
tecer no fim de semana passa-
do, em comemoração ao aniver-
sário do senador Flávio Bolso-
naro (Republicanos-RJ), que
completou 39 anos no dia 30 de
abril. Aliados do presidente vi-
ram “simbolismo negativo” no
anúncio da festa enquanto nú-
meros de casos da doença atin-
gem recordes.
Ontem, o Congresso Nacio-
nal decretou luto oficial de três
dias em razão das mortes causa-
das pelo novo coronavírus no
Brasil. Às 14h, a bandeira em
frente ao Congresso, na praça
dos Três Poderes, em Brasília,
foi hasteada a meio-mastro. No
período, ficam proibidas quais-
quer celebrações, comemora-
ções ou festividades.

A deputada federal e relatora
da Comissão Parlamentar Mis-
ta de Inquérito (CPMI) das
Fake News, Lídice da Mata
(PSB-BA), condenou ontem o

episódio do churrasco no Palá-
cio da Alvorada. Na avaliação da
relatora, Bolsonaro passou a
“criar” e “divulgar” suas pró-
prias fake news.

Em entrevista ao Estadão ,
Lídice ressaltou que o presiden-
te, em entrevistas à imprensa,
foi quem “espalhou” a história
do churrasco. “O presidente,
agora, ele cria a sua própria fake
news. A fake news sobre ele mes-
mo. Porque foi ele quem deu a
notícia e depois ele desmente,
dizendo que foi uma fake
news”, afirmou.

Críticas. Lideranças de oposi-
ção criticam ontem, por meio
das redes sociais, o passeio de
jet ski do presidente em meio
ao recorde de mortes. “Nosso
país já é o sexto com mais mor-
tes no mundo! Enquanto isso,
Bolsonaro foi andar de jet-ski.
Enquanto o País inteiro está em
isolamento. Enquanto famílias
choram. Bolsonaro se diverte
no sangue!”, escreveu o sena-
dor Randolfe Rodrigues (Rede-
AP), em seu perfil no Twitter.
“O maior inimigo do Brasil
não é o vírus. É Bolsonaro. Se
ele for contido, o país vai supe-
rar essa pandemia sem churras-
cos para dezenas de pessoas e
passeios de jet ski. Toda a nossa
solidariedade aos familiares
das vítimas do coronavírus”, es-
creveu o também senador Hum-
berto Costa (PT-PE).
O governador do Maranhão,
Flávio Dino (PC do B), compar-
tilhou a notícia do passeio do
presidente e afirmou que, se de-
pender do mandatário, “o luto
vai se ampliar a milhares de ou-
tras famílias”. “E incluirá o luto
pela morte da democracia”,
acrescentou. Guilherme Bou-
los, que disputou a Presidência
em 2018 pelo PSOL, também
criticou o mandatário no Twit-
ter. / COLABORARAM PAULA
REVERBEL E PATRIK CAMPOREZ

Além do churrasco


l ’Ombreando’

Ggeneral diz que não


acredita em golpe contra


Bolsonaro e critica Celso


de Mello por intimar


ministros militares


l Covid-

Lazer. Jair Bolsonaro foi filmado por apoiadores ontem

“Estarei do lado de qualquer
cidadão que o Supremo
queira conduzir nesses
termos e não vou me furtar
de estar ombreando com os
generais para ver quem vai
conduzi-los sob vara. ”

‘Onde o ministro quer


chegar? Vai prender


o Exército?’


Roberto Peternelli, general da reserva e deputado federal (PSL-SP)


TWITTER

Bolsonaro passeia


de jet-ski em dia de


recorde de mortes


10.
é o número de mortes confirma-
das ontem por coronavírus no
Brasil, após recorde de 730 óbi-
tos registrados nas últimas 24
horas, quinto dia consecutivo de
perdas diárias acima de 600.

Presidente desiste de churrasco no dia em que vítimas de covid-


no País passam de 10 mil e é flagrado no Lago Paranoá, segundo site


GABRIELA BILO / ESTADÃO - 15/7/ 2019

Deputado. Peternelli critica decisão de Celso de Mello
Free download pdf