O Estado de São Paulo (2020-05-10)

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A6 Política DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


E


ra sabido que o ingresso dos
militares no governo Jair Bol-
sonaro, com papel político
central e presença em praticamente
todas as áreas da administração, se-
ria um marco histórico, para o bem
ou para o mal. A narrativa de que os
papéis da instituição e de seus inte-
grantes (da ativa ou da reserva) não
se confundem já era falsa em tem-
pos de normalidade democrática e
sem uma emergência de saúde públi-
ca e econômica instalada.
Na atual conjuntura, em que o pre-
sidente afronta o bom senso, as re-
gras sanitárias, as decisões judiciais,

os Poderes e a própria Constituição
dia sim, outro também, sem descansar
nem nos fins de semana, a presença
dos generais em postos de comando
apequena o papel que as Forças Arma-
das, disciplinadamente, vinham cum-
prindo desde a redemocratização: o de
zelar pela ordem constitucional.
Esses generais se sentiram afronta-
dos por terem sido arrolados como tes-
temunhas num inquérito que investi-
ga se Bolsonaro cometeu graves viola-
ções a essa mesma Constituição ao exi-
gir de Sergio Moro controle da Polícia
Federal com fins inconfessáveis.
Mas não demonstraram a mesma in-

dignação com esses e outros atos do
presidente que, se esperava, iriam
aconselhar e guiar, mas que, hoje se vê,
apenas adulam, como avôs amorosos
que agem com condescendência dian-
te das diabruras de netos levados.
Em plena crise, o Palácio do Planalto
se transformou em creche presiden-
cial. A AGU passou a semana dedicada
a tirar da cartola toda sorte de recursos
para: 1) impedir que Bolsonaro tenha
de mostrar à nação seus exames para
covid-19, como decidiu a Justiça; 2) im-

pedir que o vídeo de uma reunião do
presidente da República e do vice com
todos os ministros em meio a uma
emergência nacional fosse entregue
ao Supremo, e 3) insistir com o STF
pela inexplicável (pela ótica republica-
na) obsessão presidencial em colocar

Alexandre Ramagem à frente da Polí-
cia Federal, mesmo depois de já ter no-
meado seu preposto para o cargo.
É papel subalterno, que não condiz
com uma estrutura de Estado. O advo-
gado-geral deveria ter a independên-
cia de dizer ao presidente que certas
batalhas são inócuas do ponto de vista
jurídico e tóxicas do político. Mas não:
Bolsonaro troca as peças de modo a
que os novos ocupantes de cargos en-
tendam que ou atendem seus desejos
ou estão fora.
O que nos devolve ao triste papel dos
generais. Diante das decisões toma-
das, eles se verão nos próximos dias em
duas circunstâncias constrangedoras,
que em nada condizem com os princí-
pios rígidos da hierarquia militar, pau-
tada pela disciplina e pela seriedade.
Além de terem de depor num inquéri-
to e defender Bolsonaro, podem ser ex-
postos aos olhos do País participando
de uma reunião ministerial que, segun-
do relatos dos presentes, mais se asse-
melhou a um show de horrores, com o

presidente vociferando seus capri-
chos e instando auxiliares e comete-
rem infrações e ministros batendo
boca entre si, xingando integrantes
do STF ou afrontando a China.
E o que esses supostos conselhei-
ros fizeram diante dessa cena dantes-
ca, ou quando seu tutelado anunciou
que faria churrasco para 30 pessoas
quando 10 mil já morreram numa
pandemia? Baixam a cabeça, batem
continência, juram lealdade a um go-
verno que já se mostrou incapaz de
conduzir o País em meio à maior cri-
se da Humanidade em 100 anos.
Não é bonito o retrato histórico
dos homens de farda que resultará
da associação voluntária com um ca-
pitão reformado que, antes de ser
escolhido como solução para vencer
o PT, era ridicularizado nas mesmas
Forças Armadas. Que os senhores
generais percebam, antes tarde do
que nunca, que não se espera deles
que sejam babás. Mas que honrem
as medalhas que ostentam no peito.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

Babás fardadas


Pedro Venceslau
Paula Reverbel
Ricardo Galhardo


Desde que deixou o governo,
em 24 de abril, o ex-ministro
da Justiça, Sérgio Moro, já foi
procurado por ao menos dois
partidos: Podemos e PSL. Em-
bora seja visto como poten-
cial candidato à Presidência
em 2022, o ex-juiz da Lava Ja-
to tem evitado o assunto.


Analistas e políticos avaliam
que Moro pode quebrar a polari-
zação entre o bolsonarismo e a
esquerda que dominou as últi-
mas eleições presidenciais, já
que deve ser atacado pelos dois
lados. Responsável por conde-
nar o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva no caso do triplex
do Guarujá, Moro acusou Bolso-
naro de interferir politicamen-
te na troca do comando da Polí-
cia Federal (PF).

Ele já prestou depoimento
neste processo, que corre na
Procuradoria-Geral da Repúbli-
ca (PGR) e em que também é
apurado se o ex-magistrado co-
meteu o crime de denunciação
caluniosa – se essa hipótese se
confirmar, os planos políticos
podem ser atingidos.
Os defensores do ex-minis-
tro lembram que, a seu favor,
ele tem apoio de parlamenta-
res, como integrantes da banca-
da Muda Senado, defensora do
pacote anticrime e da prisão
após condenação em segunda
instância. Além disso, ele tem a
simpatia de alguns movimen-
tos que pediram o impeach-
ment da ex-presidente Dilma
Rousseff, como o Vem Pra Rua.
Aos partidos que o procura-
ram, Moro disse que qualquer
movimentação política neste
momento seria usada contra
ele pelos bolsonaristas, que já o
enxergam como potencial ad-
versário em 2022. “Ele não quer
conversar sobre isso (2022) , até
porque seria fornecer munição
ao inimigo. Nesse momento de

consciência cívica não estamos
pensando em eleição. Mas de-
pois de vencida esta etapa, se
houver interesse dele o partido
estará de braços abertos”, afir-
mou o senador Alvaro Dias (Po-

demos-PR).
“A ligação dele é mais próxi-
ma com o Podemos, mas o PSL
está com a ficha na fila. Sérgio
Moro racha esse público bolso-
narista que é anti-esquerda e

combate à corrupção”, disse o
senador Major Olimpio (PSL-
SP), líder do partido no Senado
e ex-aliado de Bolsonaro.
Procurado por meio de sua as-
sessoria sobre o interesse de
partidos em filiá-lo, Moro infor-
mou que não iria comentar.

Instituto. Chamou atenção do
mundo político a criação do Ins-
tituto Rosângela Moro, um mês
antes da saída do ex-juiz do go-
verno. A mulher do ex-juiz des-
creve a instituição como “orga-
nização sem fins lucrativos,
com objetivo de impulsionar
projetos de impacto social”. A
entidade tem feito ações como
doação de equipamentos de
proteção contra a covid-19, sem
a participação de Moro. No per-
fil do instituto no Instagram, há
uma marcação de outra página,
que torce pela candidatura do
ex-ministro. O post, de uma se-
mana atrás, contém uma foto
de Moro e a legenda “Obrigado,
#Até2022”. A reportagem en-
trou em contato com a entida-
de, mas não obteve resposta.

No Planalto, a percepção é de
que o ex-ministro Sérgio Moro
é “candidatíssimo”, expressão
usada pelo próprio presidente
Jair Bolsonaro em uma conver-
sa reservada. O temor de que o
ex-chefe da Lava Jato divida os
votos da direita é combustível
para o governo traçar estraté-
gias políticas.
O governo avalia que tanto o
discurso feito por Moro ao aban-
donar o ministério, no último
dia 24, quanto o depoimento de
oito horas que deu à Polícia Fe-
deral em Curitiba, no dia 2, co-
mo parte do inquérito instaura-
do pelo Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) para investigar a su-
posta interferência do presiden-
te na PF são ações políticas mili-
metricamente calculadas.
Segundo pessoas que estive-
ram na reunião ministerial do
dia 22 de abril, citada por Moro
em seu depoimento e na qual
Bolsonaro teria pressionado o
ex-ministro a mudar a chefia da
PF, a gravação requerida pelo
ministro do STF Celso de Mel-
lo, relator do inquérito, não
mostra muita coisa além do que
já se sabe, mas tem potencial pa-
ra desgastar o governo.
O principal motivo são pala-
vrões e outras ofensas desferi-
dos por ministros contra os in-
tegrantes do Supremo. Um dos
mais exaltados teria sido, segun-
do relatos, o ministro da Educa-
ção, Abraham Weintraub, em-
bora não tenha sido o único da
sala a se referir de forma desres-
peitosa aos magistrados.
Os olhos do Planalto, neste
momento, se voltam para uma
denúncia contra Moro feita por
um grupo de 14 advogados na
Comissão de Ética Pública da
Presidência para que o ex-mi-
nistro seja investigado por pos-
síveis atos ilícitos no período

em que ocupou o cargo. Se for
condenado pela Comissão, Mo-
ro fica inelegível.
A peça é assinada pelo jurista
Celso Antonio Bandeira de Mel-
lo, próximo do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, e pe-
los advogados Mauro Menezes,
presidente da Comissão no go-
verno Dilma Rousseff, e Marco
Aurélio de Carvalho, filiado ao
PT, entre outros.
O fato de petistas assinarem
a denúncia, segundo fontes do
Planalto, dá mais força à estraté-
gia, pois isentaria Bolsonaro de
participação na manobra para
tirar Moro da corrida em 2022.

Outra questão pendente que
envolve o ex-ministro é o julga-
mento da sua imparcialidade na
condução dos processos da
Operação Lava Jato, solicitado
pela defesa do ex-presidente Lu-
la. Dos cinco ministros da Se-
gunda Turma do Supremo, dois
(Edson Fachin e Cármen Lú-
cia) votaram a favor do ex-juiz.

Capital. Embora esteja recluso
desde que deixou o governo,
com exceção do depoimento
que deu à PF e de algumas posta-
gens nas redes sociais para reba-
ter Bolsonaro, Moro ainda tem
capital político, segundo lide-
ranças partidárias.
Para o ex-deputado Roberto
Freire, presidente do Cidada-
nia, a saída de Moro do governo
pode credenciá-lo no setor libe-
ral da economia e da política.
“Moro deixou Bolsonaro isola-
do com a extrema direita. O ex-
ministro tem vida própria”, afir-
mou Freire.
O senador Alessandro Vieira
(Cidadania-SE), acredita que é
preciso esperar o desenrolar
das investigações contra Bolso-
naro. “Antecipar demais gera
um problema que não é necessá-
rio agora, tem que saber exata-
mente até que ponto vão as in-
vestigações em face do compor-
tamento do presidente”, afir-
mou. Ele argumenta que a apu-
ração pode “escancarar que a
gente tem um vácuo de lideran-
ça com esse perfil (de combate à
corrupção) ”, disse Vieira. Segun-
do ele, as bandeiras levantadas
por Bolsonaro da renovação po-
lítica e do combate à corrupção
não se confirmaram.
Para o empresário Rogério
Chequer (Novo), um dos funda-
dores do movimento Vem Pra
Rua, o ex-ministro tem apoio
dos grupos “lavajatistas” que
pediram o impeachment de Dil-
ma Rousseff em 2015. “Moro
tem um capital muito grande
com esse grupos e isso não mu-
dou após ele deixar o governo.
Isso conta muito em uma even-
tual candidatura”, disse Che-
quer. / P.V., P.R. e R.G.

Militares no governo
apequenam papel que vinham
tendo desde redemocratização

Partidos já vão


atrás de Moro


por 2022


Aras solicita acesso


a vídeo de reunião


ministerial


Planalto trabalha para tentar


minar candidatura de ex-juiz


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/4/

Podemos e PSL procuram ex-juiz, que tenta


evitar dar munição a críticas de bolsonaristas


Quarentena. Sérgio Moro tem evitado movimentos políticos

lO procurador-geral da Repúbli-
ca, Augusto Aras, pediu ontem
ao ministro Celso de Mello, do
Supremo Tribunal Federal (STF),
acesso ao vídeo da reunião minis-
terial em que o presidente Jair
Bolsonaro teria discutido a troca
do comando da Polícia Federal e
teria ameaçado o ex-ministro Sér-
gio Moro de demissão. A grava-
ção do encontro, que ocorreu em
22 de abril, foi entregue ao Supre-
mo na sexta-feira. Segundo Aras,
é necessário analisar o vídeo an-
tes que comecem os depoimen-
tos de testemunhas do processo
para que polícias e procuradores
sejam orientados. As primeiras
oitivas estão marcadas para ama-
nhã. Na terça-feira, devem ser
ouvidos os ministros Augusto
Heleno (GSI), Braga Netto (Casa
Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Se-
cretaria de Governo).
A Advocacia-Geral da União
solicitou que o STF mantenha a
gravação em sigilo, sob o argu-
mento de que, na reunião, “foram
tratados assuntos potencialmen-
te sensíveis e reservados de Esta-
do, inclusive de Relações Exterio-
res”. / PATRIK CAMPOREZ

Aliados de Bolsonaro
tratam Moro como
‘candidatíssimo’ e
aguardam julgamento
em Comissão de Ética
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