O Estado de São Paulo (2020-05-10)

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A8 DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional

Sem quarentena rígida, estratégia na


luta contra vírus isola Brasil na região


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


País com mais casos de covid-
19 em números absolutos na
América Latina, o Brasil está
atrás de quase toda a região nas
medidas restritivas de mobili-
dade, segundo levantamento
feito de forma colaborativa por
jornalistas de veículos que par-
ticipam da coalizão Latam-
Check, que reúne checadores
de fatos de toda a América Lati-
na, Portugal e Espanha. O Esta-
dão Verifica
, unidade de “fact-
checking” do Estado , faz parte
do grupo.


Conforme o estudo, Brasília
fez apenas recomendações de
isolamento social, mas não de-
cretou nenhuma medida obri-
gatória que implicasse em dis-
tanciamento ou fechamento
de estabelecimentos de ensino
ou locais públicos. No entanto,
diz o levantamento, vários go-
vernos locais, como o da cida-
de de São Paulo, determinaram
quarentena obrigatória e sus-
penderam aulas – em algumas
regiões do País é crime circular
sem justificativa.
De acordo com o estudo, os
países com mais restrições são
Panamá, Bolívia e Equador, en-
quanto os que adotaram políti-
cas mais frouxas, além do Bra-
sil, estão Nicarágua e México.
Dos 19 países analisados, 10 de-
terminaram quarentenas obri-

gatórias em todo o território.
Em outros 3, houve obrigação
de isolamento rigoroso somen-
te nas regiões mais afetadas pe-
la pandemia.
Hoje, toda a América Latina
tem pelo menos 200 mil casos
confirmados de coronavírus.
O levantamento mostra ain-
da que todos os países fecharam
suas fronteiras, com exceção de
México e Nicarágua, e suspende-

ram aulas presenciais – só a Ni-
carágua que as manteve.
Na Bolívia, no Equador, em
El Salvador, em Honduras, no
Paraguai, no Peru e na Repúbli-
ca Dominicana há toque de reco-
lher e a população – exceto os
trabalhadores de atividades es-
senciais – só pode sair em deter-
minados horários para fazer
compras ou outras atividades
permitidas. Os países mais res-
tritivos no toque de recolher
são Bolívia (do meio-dia às 19
horas) e Equador (das 14 horas
às 5 horas).
A Nicarágua foi o país com as
medidas mais relaxadas em rela-
ção à pandemia. O governo não
decretou quarentena, toque de
recolher e as aulas e as competi-
ções esportivas foram manti-
das. Por outro lado, o Panamá
tem uma das políticas mais radi-
cais do continente, com toque
de recolher e saída autorizada
por gênero.

Daniel Galvalizi
ESPECIAL PARA O ESTADO
BUENOS AIRES


A disparada no número de ca-
sos de covid-19 no Brasil, que
ocupa quase metade da
América do Sul e tem uma
fronteira porosa de 16.885 qui-
lômetros com quase todos os
países da região, vem tirando
o sono do continente. A falta
de uma estratégia do governo
brasileiro incomoda especial-
mente governos que, ao mes-
mo tempo que traçam planos
para sair de um longo período
de isolamento, tomam medi-
das para isolar o Brasil.

A Argentina já reclamava da
ausência brasileira em telecon-
ferências regionais para encon-
trar ações comuns contra a co-
vid-19. Mas, até bem pouco tem-
po, Ginés González, ministro ar-
gentino da Saúde, falava cons-
tantemente por telefone com
seu colega Luiz Henrique Man-
detta, ex-ministro brasileiro.
Desde que Nelson Teich assu-
miu, um dos assessores mais
próximos de González disse ao


Estado que o telefone do minis-
tério parou de tocar.
Na chancelaria argentina, as
queixas são as mesmas. Nos
corredores do Palácio San
Martín, diplomatas confirmam
o isolamento brasileiro. “O Bra-
sil não participa de nenhuma
das teleconferências entre paí-
ses da América do Sul para dis-
cutir o coronavírus porque não
concorda com o que fazemos”,
disse uma fonte da cúpula do
Ministério das Relações Exte-
riores da Argentina, que pediu
para não ser identificada.
Na quinta-feira, em entrevista
a uma rádio de Buenos Aires, o
presidente argentino, Alberto
Fernández, afirmou ter dito aos
colegas Luis Lacalle Pou, do Uru-
guai, e Sebastián Piñera, do Chi-
le, que o Brasil é “um risco para a
região”. “Eu não entendo como
(o Brasil) age com tanta irrespon-
sabilidade”, disse Fernández.
O avanço da pandemia preo-
cupa também autoridades de
províncias fronteiriças. Em Mi-
siones, que faz divisa com Para-
ná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, o governador Oscar

Ahuad disse que “presta mais
atenção à pandemia no Brasil
do que na Argentina”. Martín
Stanganelli, porta-voz do gover-
no local, afirmou que Ahuad pe-
diu à Casa Rosada para reforçar
a segurança na fronteira, depois
de detectar barcos clandesti-
nos e pessoas tentando atraves-
sar durante a noite os rios Igua-
çu e Uruguai.
Desde o dia 15 de março, a Ar-
gentina vive sob rígidas regras
de isolamento, o que rendeu ao
país elogios da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e um
número baixo de contamina-
ções – 5,6 mil casos confirma-
dos e por volta de 300 mortes. A
retomada das atividades econô-
micas, portanto, terá de ser ain-
da mais cautelosa em razão do
estado da pandemia no Brasil,
responsável por 45% das infec-
ções na América Latina.
A abordagem do governo bra-
sileiro é vista com desconfiança
também no Uruguai. Na terça-
feira, Lacalle Pou mandou refor-
çar os controles sanitários na
fronteira com o Rio Grande do
Sul. Após uma reunião de emer-

gência, Álvaro Delgado, secretá-
rio da presidência, disse que o
governo uruguaio via com
“preocupação” a disseminação
de casos no Brasil. “A situação é
preocupante em algumas cida-
des brasileiras”, disse.
Na sexta-feira, foi a vez do pre-
sidente do Paraguai, Mario Abdo
Benítez, manifestar seu descon-
tentamento. “Com o que o Brasil
vive hoje, nem sequer passa pela
nossa cabeça abrir a fronteira. O
Brasil é o lugar onde o coronaví-
rus tem maior expansão no mun-
do, e isso é uma grande ameaça.”
Em Pedro Juan Caballero, o
Exército paraguaio cavou vale-
tas e montou uma cerca de 8 qui-

lômetros de arame farpado em
trechos da fronteira com Ponta
Porã (MS). “O Brasil tem mi-
lhões de habitantes e foi um dos
países mais relutantes em ado-
tar medidas de contingência. Is-
so se nota na quantidade de in-
fectados e de mortes”, disse o
senador Blas Llano, presidente
do Congresso.
O Paraguai adotou medidas
rápidas e duras de confinamen-
to alguns dias após o primeiro
caso ter sido detectado, em 7 de
março. O saldo tem sido positi-
vo. Até sexta-feira, o país tinha
563 contaminações e 293 mortes
por covid-19 – uma boa parte de-
les, de brasileiros que cruzaram
a fronteira, segundo o governo.
Na Colômbia, o presidente
conservador, Iván Duque, não
manifestou preocupação publi-
camente com o Brasil, mas a
apreensão existe, segundo Julián
Fernández Niño, epidemiologis-
ta da Universidade Nacional en
Bogotá. “Em um mundo globali-
zado, a resposta para a pandemia
não pode ser fechar as frontei-
ras”, disse Niño ao diário argenti-
no La Nación. “O Brasil é um país

de grande desenvolvimento cien-
tífico, mas existe uma posição an-
ticientífica de seu governo no
combate ao vírus.”
Até a Venezuela, cujo sistema
de saúde anda à beira do colap-
so, expressou preocupação. Na
semana passada, em pronuncia-
mento na TV estatal, o presiden-
te Nicolás Maduro prometeu re-
forçar a segurança na fronteira.
“Vamos garantir um cerco epi-
demiológico, sanitário e mili-
tar”, afirmou o líder chavista.
O governo conservador da Bo-
lívia, comandado por Jeanine
Áñez, que também adotou me-
didas duras de isolamento, pre-
feriu não julgar a estratégia bra-
sileira. O ministro da Defesa,
Fernando López, porém, admi-
tiu na semana passada que o
avanço da pandemia no Brasil
pode prejudicar a retomada das
atividades econômicas no país.
“Se continuarmos sendo flexí-
veis, de nada adiantará a quaren-
tena que fizemos na Bolívia.”
Procurado, o Itamaraty disse
que não comentaria “declara-
ções de autoridades estrangei-
ras”. / COLABOROU PAULO BERALDO

Falta de política nacional para conter avanço da covid-19 e ausência do governo brasileiro em teleconferências regionais incomodam


países vizinhos, que temem que o avanço da pandemia no País prejudique a retomada das atividades econômicas no continente


l Quarentena

Brasileiros estão entre os que menos ficaram em casa


l Ameaça

AIZAR RALDES / AFP

Panamá, Bolívia e


Equador são os países da


região que cumpriram


regras mais rígidas, diz
estudo da LatamCheck


10
governos de países da
América Latina, do total
de 19 analisados na região,
decretaram quarentenas
obrigatórias em todo o território.
Sem movimento. Basílica de São Francisco, em La Paz

GOBERNADOR DE AMAMBAY

“Com o que o Brasil vive
hoje, não passa pela nossa
cabeça abrir a fronteira. O
Brasil é o lugar onde o
coronavírus tem maior
expansão no mundo, e isso
é uma grande ameaça.”
Mario Abdo Benítez
PRESIDENTE DO PARAGUAI

Porta fechada. Exército do Paraguai cava valas para instalar cerca de arame farpado em Pedro Juan Caballero, na fronteira com o Mato Grosso do Sul, e dificultar entrada de brasileiros

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