O Estado de São Paulo (2020-05-10)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2020 Internacional A


Prefeito de Miami


quer suspender voos


que vêm do País


Denise Paro
ESPECIAL PARA O ESTADO
FOZ DO IGUAÇU (PR)


A ausência de medidas rígi-
das no Brasil levou a Argenti-
na e o Paraguai a apertarem o
cerco para conter a dissemi-


nação do coronavírus por ca-
minhoneiros brasileiros. Au-
toridades dos dois vizinhos
só autorizaram o trânsito de
caminhões de cargas. Apesar
da passagem livre, porém, os
transtornos são frequentes.
Na Argentina, caminhonei-

ros estrangeiros não têm liber-
dade para circular e parar em
qualquer lugar.
Uma espécie de corredor ro-
doviário foi estabelecido com a
demarcação de postos de com-
bustíveis para os motoristas
que abastecem e fazem refei-

ções, diz Gladys da Vinci, direto-
ra da Associação Brasileira de
Transportadores Internacio-
nais (ABTI).
Segundo ela, no início da qua-
rentena argentina, a situação
era tensa e houve casos de cami-
nhoneiros brasileiros discrimi-
nados. Na cidade de Salta, no-
roeste da Argentina, há empre-
sas que evitam receber cargas
de transportadoras do Brasil.
“Na Argentina, os caminhonei-
ros descarregam e vão embora.
Eles não podem circular nas ci-
dades”, explica.
Elogiado pelas medidas con-
tra a covid-19, o Paraguai obriga
os motoristas que cruzam a Pon-
te da Amizade, entre Foz do
Iguaçu (PR) e Ciudad del Este, a
dormir nos caminhões, caso en-
trem no país no fim de semana,
quando o despacho nas adua-
nas é interrompido.
“Tem de dormir no caminhão
de sexta a segunda-feira”, disse
ao Estado o caminhoneiro
Clóvis Zilio. Antes da pande-

mia, os motoristas podiam pas-
sar as noites no Brasil e retornar
a pé pela ponte para pegar o ca-
minhão e seguir viagem. Assim
como na Argentina, os veículos
que entram no Paraguai tam-
bém passam por desinfecção.
No Rio Paraná, na altura da

Ponte da Amizade, a Marinha
paraguaia usa embarcações e
uma aeronave para monitorar a
fronteira e evitar o trânsito en-
tre os dois países. As medidas
duras do Paraguai atingem até
mesmo os cidadãos do próprio
país. Temendo o contágio de pa-
raguaios que estão no Brasil, o
governo determinou que eles
só podem voltar após cumprir
quarentena em albergues e se-
rem testados para saber se es-
tão infectados.
O Ministério da Saúde do Pa-
raguai instalou 45 albergues em
diferentes cidades para a qua-
rentena obrigatória, 15 deles
destinados para quem testa po-
sitivo para a covid-19. Até sexta-
feira, 1.936 pessoas haviam sido
instaladas nos locais, sendo que
177 tiveram o resultado positi-
vo – boa parte estava no Brasil.
No fim da passarela de pedes-
tres da Ponte da Amizade, do
lado paraguaio, foi colocado
um portão para impedir o fluxo
de quem volta ao país. Oficiais
da Marinha vigiam o local 24 ho-
ras. Periodicamente, os para-
guaios também fazem uma de-
sinfecção do local usado pelas
pessoas que aguardam autoriza-
ção de entrada. Quando não há
vagas nos albergues do governo,
os paraguaios passam a noite ao
relento, na ponte. Os próprios
integrantes da Marinha e volun-
tários brasileiros ajudam com
comida e cobertores. A maioria
dos paraguaios que volta traba-
lha no setor de confecções em
São Paulo, cidade com mais ca-
sos de contágios do Brasil.
Quase todos os dias, ônibus
fretados chegam a Foz do Igua-
çu com trabalhadores, alguns lo-
tados de mulheres e crianças.
Edgar Ascurra, paraguaio de 25
anos, enfrentou a viagem. No
fim de abril, quando chegou à
fronteira, ele e um grupo de ou-
tros paraguaios foram obriga-
dos a passar três noites na passa-
rela da Ponte da Amizade antes
de entrarem no país.
Ascurra era costureiro no
Bom Retiro, centro da capital
paulista, há mais de 6 anos e dei-
xou a cidade porque ficou sem
emprego e dinheiro para ban-
car o aluguel. Hoje, ele está em
um abrigo do governo, em Lu-
que, região de Assunção, cum-
prindo quarentena para poder,
em breve, encontrar a família
na cidade de Curuguaty.

Paulo Beraldo


Ainda que autoridades de Ar-
gentina, Paraguai e Uruguai te-
nham manifestado preocupa-
ção com o avanço do vírus no
Brasil, o Ministério da Agricul-
tura, Pecuária e Abastecimento


afasta qualquer possibilidade
de isolamento do País. Segundo
a pasta, a ministra Tereza Cristi-
na tem boa relação com autori-
dades dos países vizinhos.
Além disso, diz o ministério,
um documento, com novas di-
retrizes e recomendações para
evitar qualquer interrupção no
trânsito e no abastecimento
do Brasil, está em vigência des-
de 31 de março. A publicação
detalha práticas para desinfe-
tar as unidades de transporte e
traz uma lista de recomenda-
ções para os transportadores

que cruzam as fronteiras. Ain-
da segundo o ministério, 25 mi-
nistros da Agricultura de paí-
ses da América Latina e do Cari-
be assinaram um acordo para
manter funcionando as ca-
deias nacionais, regionais e glo-
bais de abastecimento.
“Temos tomado medidas as-
sertivas para garantir o abasteci-
mento. Nós e nossos parceiros.
Temos defendido a necessidade
de manter o comércio fluindo e
não chegou a nós nenhuma sina-
lização de que haverá restrição”,
afirmou Flávio Betarello, secre-

tário adjunto de Comércio e Re-
lações Internacionais do Minis-
tério da Agricultura. “O que es-
tão vigentes são as recomenda-

ções refletidas nesse documen-
to. Podemos garantir que não fal-
tará comida nas prateleiras do
Brasil nem dos parceiros.”
Priscila Moser, adida agríco-
la do Brasil na Argentina, expli-
cou que, mesmo com a pande-
mia, os dois países trabalham
na área do agronegócio de for-
ma coordenada para evitar desa-
bastecimentos e restrições no
comércio de produtos essen-
ciais. Moser citou o trigo – pro-
duto em que o Brasil não é autos-
suficiente – como exemplo de
exportações que continuam flu-

indo. Em março, a Argentina foi
o 16.º mercado mais importante
para o agronegócio do Brasil –
com faturamento próximo a
US$ 100 milhões (R$ 573 mi-
lhões) em exportações.
Um ex-ministro da Agricultu-
ra, ouvido reservadamente pelo
Estado , afirmou que não é de in-
teresse de nenhum país da Améri-
ca Latina reduzir o fluxo de co-
mércio com o Brasil. “Entre estar
preocupado e tomar alguma me-
dida tem muita distância.”
“O comércio está fluindo nor-
malmente entre nossos parcei-
ros”, disse Camila Sande, coorde-
nadora de Relações Internacio-
nais da Confederação Nacional
da Agricultura e Pecuária.

Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON


As recentes declarações do pre-
sidente dos EUA, Donald
Trump, de que o Brasil tem alto
número de mortes, sinalizaram
a empresários e autoridades
americanas ligadas à comunida-
de brasileira que o avanço da
pandemia no Brasil preocupa.
Na semana passada, ao rece-
ber na Casa Branca o governa-
dor da Flórida, Ron De Santis,
Trump perguntou se seria ne-


cessário suspender os voos do
Brasil. A hipótese já tinha sido
levada ao presidente antes, por
um outro republicano, o prefei-
to de Miami, Francis Suarez. “O
Brasil é obviamente um dos lo-
cais com grande número de in-
fectados”, disse Suarez, em en-
trevista ao Estado.
“Eu disse há um tempo que
deveríamos suspender os voos
de todos os lugares que têm alta
concentração de infectados, e
isso inclui os voos que saem de
Miami também. Se restringir-
mos os voos dos lugares com
muitos casos de covid-19, dimi-
nuímos as chances de trazer o
problema de fora.”
O Brasil diz que há poucos
passageiros que partem do País
para os EUA e as rotas em opera-
ção servem, em sua maioria, pa-

ra repatriar brasileiros que es-
tão fora do país. Há hoje 13 voos,
segundo a embaixada dos EUA
no Brasil, que operam em 4 ro-
tas entre os dois países.
O único voo com viagens diá-
rias vai para Houston, no Texas.
As outras rotas são para o Esta-
do da Flórida: Miami, Orlando e
Fort Lauderdale. A Casa Bran-
ca, assim como o governador da

Flórida, evita fazer críticas à es-
tratégia adotada pelo Brasil,
mas há diplomatas brasileiros
que admitem, nos bastidores,
que a restrição de voos será ado-
tada se o número de casos no
Brasil continuar a crescer.
Trump falou sobre o Brasil
em outras três ocasiões recen-
tes. Em todas, chamou a aten-
ção para o número “muito alto”
de mortes. A preocupação, po-
rém, não está restrita às autori-
dades dos EUA. Nas últimas se-
manas, exportadores brasilei-
ros receberam contatos de im-
portadores que desejavam sa-
ber se a produção seria mantida
em meio à piora da pandemia –
as sondagens vieram também
de empresas americanas.
Algumas consultas foram re-
latadas ao Ministério da Agricul-
tura do Brasil, que tem concen-
trado as respostas sobre os pro-
tocolos de segurança e saúde
adotados no País para tranquili-
zar o mercado externo. “Nós
amamos os brasileiros, da mes-
ma forma que amamos os nova-
iorquinos. Mas há cidades com
alta concentração de pessoas –
Nova York, São Paulo, Rio –, o
que torna o controle da doença

mais difícil”, disse o prefeito de
Miami. “Nosso presidente é
próximo ao presidente do Bra-
sil e ao governador De Santis.
Não acho que essas sejam dis-
cussões ofensivas, mas sim pa-
ra proteção da saúde.”
Suarez foi um dos que tive-
ram o teste positivo confirmado
para covid-19 após se encontrar
com a comitiva presidencial bra-
sileira, que esteve em Miami no
início de março. Mais de 20 pes-
soas que acompanharam o presi-
dente Jair Bolsonaro na Flórida,
ou estiveram em reuniões com
ele, foram infectados.
“Eu não os culpo”, disse Sua-
rez, que decidiu se isolar quan-
do soube que o secretário de Co-
municação de Bolsonaro, Fabio
Wajngarten, havia sido infecta-
do. Depois, o prefeito de Miami
confirmou que também estava
com covid-19.
“Tive sintomas leves. O pior
foi ficar 18 dias longe da minha
mulher e das minhas duas crian-
ças. Mas sou grato pela comiti-
va brasileira ter tratado a ques-
tão com transparência. Senão,
eu poderia ter espalhado o vírus
para minha família e meus asses-
sores”, afirmou.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l Explicação

l Dificuldade

l Relevância

Ministério da Agricultura diz manter diálogo com vizinhos


“Nós amamos os
brasileiros. Mas há
cidades com alta
concentração de pessoas,
o que torna o controle
da doença mais difícil”
Francis Suarez
PREFEITO DE MIAMI

Argentina e


Paraguai fecham


cerco na fronteira


“Na Argentina, os
caminhoneiros descarregam
e vão embora. Eles não
podem circular”
Gladys da Vinci
DIRETORA DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE TRANSPORTADORES
INTERNACIONAIS

“Tem de dormir no
caminhão de sexta a
segunda-feira”
Clóvis Zilio
CAMINHONEIRO, EXPLICANDO QUE NÃO
PODE VOLTAR A PÉ AO BRASIL PARA
DORMIR E DEPOIS PEGAR O CAMINHÃO DO
LADO PARAGUAIO PARA SEGUIR VIAGEM

Para conter disseminação do coronavírus, autoridades paraguaias e


argentinas monitoram entrada e trajeto de caminheiros brasileiros


Controle. Policiais fazem bloqueio na cidade de Rosário, Província de Santa Fé, na Argentina: regras rígidas para entrada de cargas estrangeiras no país


MARCOS CORRÊA/PR

Brasil rejeita isolamento


e garante que já foram


adotadas diretrizes para


evitar interrupção de


trânsito e abastecimento


R$ 573 mi
foi o volume de exportações do
agronegócio brasileiro para a
Argentina, em março deste
ano. O vizinho ficou em 16º
entre os que mais compraram
do Brasil no mês.

Restrição. Francis Suarez ( E ) ao lado de Jair Bolsonaro

Medida evitaria que vírus


entrasse nos EUA, diz


Francis Suarez, infectado


com covid-19 por


comitiva de Bolsonaro


REUTERS
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