Valor Setorial - Energia (2020-04)

(Antfer) #1

TENDÊNCIAS


dutividade, Emprego e Competitividade do Ministério
da Economia, Carlos das Costa, quando questionaram
a ideia do empréstimo e do aumento das tarifas. “O
consumidor vai pagar toda a conta? Qual o tamanho
da conta? Ninguém sabe ainda e os impactos não se
restringem apenas ao setor elétrico”, pondera Lucien
Belmonte, superintendente da Associação Brasileira
da Indústria do Vidro (Abividro). As queixas mostram
que soluções apenas via tarifas encontrarão resistências.
O empréstimo do BNDES às distribuidoras deverá
aumentar as tarifas do mercado regulado, o que pode
provocar migração forte para o mercado livre. O governo
então discute a criação de um mecanismo para que o
consumidor livre leve a parcela do empréstimo na mi-
gração, mas a regra não contempla a autoprodução, que
não está no mercado regulado. Isso poderá levar a uma
grande expansão dos autoprodutores, principalmente
de energia solar. Essa expansão, se confirmada, poderia
ter impacto sobre o mercado das distribuidoras, o que
fragilizaria o setor no médio e longo prazo. Hoje as dis-
tribuidoras ganham dinheiro no ambiente regulado.
Já os consumidores de baixa renda deverão ter suas
contas pagas pelo Tesouro, o que não oneraria a tarifa.
“Estamos tratando a questão total das distribuidoras
para adotar medidas para que elas mantenham seu
papel que é fundamental”, diz o ministro de Minas e
Energia, Bento Albuquerque.
A extensão e a duração da crise terão impacto sobre
a agenda legislativa. Até a primeira semana de março,
a situação era de otimismo no setor. O Projeto de Lei
3.975, que trata da solução para os débitos do risco
hidrológico, que somam hoje cerca de R$ 5 bilhões lí-
quidos, depois de mais de quatro anos de idas e vindas,
estava perto de ser votado. A abertura do mercado livre
tinha ganho impulso com a tramitação do Projeto de
Lei 232, que tinha sido aprovado no início de março
na Comissão de Infraestrutura do Senado e havia sido
encaminhado para a Câmara. Hoje ambos os projetos
estão paralisados.
A agenda mudou completamente. “As agendas da
Câmara e do Senado estão neste momento, e correta-
mente, centradas na liberação de recursos para o sistema
de saúde e para minimizar os danos daqueles economi-
camente atingidos pela Covid-19”, afirma Luiz Barroso,
presidente da PSR e ex-presidente da Empresa de Pes-
quisas Energéticas (EPE). Ele vê pouco espaço para que,
ainda no primeiro semestre, ocorra qualquer avanço das
reformas que estavam em discussão acelerada antes da
crise da Covid-19, como o PL 232 e o projeto de lei para
equacionar os débitos passados do GSF.
Ele tem uma preocupação reversa: em razão da crise,
a agenda poderá criar mais pressões de custos para o
setor elétrico. “Já existem iniciativas no Legislativo que
buscam proibir o corte por inadimplência de forneci-
mento dos serviços públicos prestados ao consumidor.
Alguns se referem especificamente à situação atual da
epidemia, outros tratam de forma ampla de pandemias

ou situação de calamidade pública. Estas medidas são
uma reação previsível em tempos de crise, mas que po-
dem trazer impacto significativo para as distribuidoras
se forem aprovadas sem uma devida análise de impacto.”
Barroso observa que estão sendo discutidas medidas
que preveem a utilização de recursos de P&D e eficiência
energética para bancar subsídios na tarifa de energia
durante três meses, amenizando as pressões vindas dos
Estados que buscam impedir o corte de energia, o que
favoreceria a inadimplência, afetando, assim, o caixa
das distribuidoras.
A agenda da Aneel também deve mudar. A agência
aprovou diversas medidas para garantir a continuida-
de do serviço de distribuição de energia, protegendo
consumidores e funcionários. As medidas terão vali-
dade de 90 dias, podendo ser prorrogadas, e possuem
impactos comerciais. “Ainda não se começou a discutir
os grandes impactos comerciais nas empresas, tal como
a inadimplência, sobrecontratação, atrasos, penalida-
des. Esta agenda deve se sobrepor à que já vinha sendo
desenvolvida pela agência, adiando por consequência
a decisão sobre temas importantes, como a revisão da
resolução que trata da microgeração distribuída solar.”
O futuro se tornou ainda mais nebuloso diante da
queda de 20% na demanda registrada desde o início da
pandemia, o que fez crescer as notificações de distri-
buidoras evocando força maior nos contratos com as
geradoras. Edvaldo Santana, que no racionamento de
2001 esteve à frente da Superintendência de Estudos
de Mercado da Aneel, diz que a situação é muito mais
complexa do que há 20 anos. Há duas ameaças presentes:
aumento das tarifas no mercado regulado e a possibili-
dade de criação de novos subsídios nas contas de luz.
“Os consumidores terão que suportar mais um emprés-
timo bilionário para ajudar as distribuidoras, algo como
R$ 17 bilhões ou 10% da tarifa. Vai ser uma solução pare-
cida com a adotada em 2014”, afirma Santana.
Em 1º de abril de 2014, o governo federal editou o
Decreto nº 8.221, pelo qual estabeleceu a Conta-ACR,
destinada a cobrir, total ou parcialmente, as despesas
incorridas pelas concessionárias de serviço público de
distribuição de energia elétrica entre fevereiro e dezem-
bro de 2014 em decorrência de exposição involuntária
no mercado de curto prazo, além do despacho de usi-
nas termelétricas vinculadas a contratos no ambiente
regulado. A conta total ficou em quase R$ 18 bilhões.
Santana enxerga ainda a possibilidade de criação de
novos encargos ou subsídios na tarifa, o que encareceria
ainda mais as contas de luz. “Se o governo disser que
alguns consumidores não pagarão duas contas durante
um número de meses, isto poderá parar na Conta de
Desenvolvimento Econômico (CDE). Se algum segmento
industrial ganhar alguma redução de CDE, os outros
consumidores pagarão e por aí vai”, observa Santana,
que foi diretor da Aneel no início da década passada e
presidente da Associação Brasileira dos Grandes Con-
sumidores de Energia (Abrace).

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