Valor Setorial - Energia (2020-04)

(Antfer) #1

Setor enfrenta três grandes desafios: o câmbio,


a indefinição regulatória e os efeitos da Covid-19


nos investimentos e na produção


Por Felipe Datt


E


nquanto comemora a quebra
da barreira dos 2,2 GW em
potência instalada, o seg-
mento de geração distribuída de
energia solar fotovoltaica convive
com três assuntos que causam apre-
ensão. Além das indefinições sobre a
revisão da Resolução Normativa n°
482/2012, da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), que define
as regras para míni e microgeração,
há a pandemia do novo coronavírus,
que poderá impactar decisões de
curto prazo de investimento de con-
sumidores residenciais e comerciais,
e a forte desvalorização cambial, que
encareceu custos de equipamentos
importados. “Depois da quebra na
cadeia de suprimentos, em janeiro,
com a parada na produção da Chi-
na, a produção foi retomada, mas al-
guns grandes fabricantes relataram
que haveria comprometimento de
entrega até abril”, diz o presidente da
Associação Brasileira de Geração Dis-
tribuída (ABGD), Carlos Evangelista.
Para Marcio Takata, diretor da
consultoria Greener, a cadeia de
integradores – empresas que pres-
tam serviços de instalação de siste-
mas fotovoltaicos – trabalha com
estoques médios de quatro meses.
“Houve alguns atrasos no recebi-
mento dos equipamentos, sobre-
tudo módulos e inversores. Mas,
como boa parte da cadeia produ-
tiva de módulos está restabelecida
na China, esta já não é uma grande
preocupação do setor”, diz.
Embora seja cedo para medir
eventuais impactos na demanda,
a principal preocupação é com a
extensão e a magnitude da crise
sanitária. O medo de desemprego
pode levar consumidores residen-


ciais, responsáveis por quase 73%
dos sistemas instalados no Brasil, a
postergar pedidos de compra. Por
conta das restrições de movimenta-
ção de pessoas, há preocupação com
cronogramas de entrega de usinas,
sobretudo fora das zonas rurais.
Além disso, há o risco de eventu-
ais postergações de assinaturas de
contratos de fornecimento para o
segmento empresarial.
“O mercado estava aquecido até
o início de março, mas notamos, a
partir de meados do mês, a suspen-
são temporária de alguns projetos.
Aqueles de maior porte voltam
para a gaveta neste momento mais
crítico”, diz Leonardo Serpa, diretor-
-presidente da ENGIE Soluções. A
pandemia também postergará os
planos de expansão da startup Sun
Mobi. A meta inicial era, até o fim
de 2020, ampliar o parque gerador
para 25,41 MWp e atingir 2,5 mil
consumidores no período. Agora, a
meta é atingir 10 MWp e mil clientes,
informa o sócio Guilherme Susteras.
Outra preocupação do setor é
com o câmbio. No primeiro trimes-
tre, o real se desvalorizou 29,5% em
relação ao dólar. Isso impacta dire-
tamente o custo de importação dos
equipamentos, como módulos e in-
versores, e, na ponta, pode significar
o alongamento do prazo de retorno
do investimento dos consumido-
res. “Do ponto de vista comercial,
talvez seja preciso rever a tabela de
descontos aos clientes. Os planos
de investimentos, entretanto, estão
mantidos”, diz Gustavo Buatti, fun-
dador da Alsol Energias Renováveis.
As incertezas com a pandemia e
o câmbio desvalorizado se somam
à polêmica sobre a Resolução nº

482/2012, da Aneel, cujo texto já
passou por duas revisões. A polêmi-
ca recai sobre as regras para com-
pensação de créditos dos projetos
de geração distribuída, que hoje
são isentos do pagamento pelo uso
da rede – a parcela correspondente
ao fio. “Existe no sistema atual um
subsídio. Quando um consumidor
produz sua própria energia, ele dei-
xa de comprar da distribuidora, mas
continua usando seu fio”, diz Maria
João Pereira Rolim, sócia do Rolim,
Viotti & Leite Campos.
A proposta da Aneel indireta-
mente propõe uma retirada gradual
desse subsídio. Pequenos usuários
passariam a pagar a tarifa dentro
de dez anos. “Não existe tributação
do sol em pauta. O que existe é um
planejamento por parte da Aneel de
gradualmente tirar esse subsídio do
fio”, diz Maria Rolim. As principais
queixas do segmento de energia so-
lar recaem sobre prazos de transi-
ção, com a alegação de que as novas
regras têm potencial para reduzir
a atratividade para os investidores
e aumentar o prazo de retorno do
investimento.
Já as distribuidoras de energia
elétrica argumentam que existem
subsídios implícitos ao segmento
que oneram os consumidores que
não possuem sistemas fotovoltaicos
próprios. Ainda não existe um pra-
zo para a definição da questão. “O
próprio Congresso tomou para si a
missão de construir um marco legal
transparente, estável e justo para a
geração distribuída a partir de fon-
tes renováveis”, diz Rodrigo Sauaia,
presidente da Associação Brasileira
de Energia Solar Fotovoltaica (Abso-
lar), entidade que representa o setor.

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