O Estado de São Paulo (2020-05-11)

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A10 SEGUNDA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Ricardo Brandt / CAMPINAS
José Maria Tomazela
SOROCABA


Com mais de 12 internações e
4 mortes por hora no Estado,
a interiorização acelerada de
casos da covid-19 em São Pau-
lo colocou em alerta autorida-
des e profissionais de saúde,
que não descartam colapso
geral da rede de atendimento
hospitalar, com a possibilida-
de de um pico da doença e a
aproximação do inverno. Das
645 cidades paulistas, 412 já
têm pelo menos um caso con-
firmado, e há um ou mais óbi-
tos em 177 municípios.

Entre os dias 3 de abril e 1.º de
maio, o Estado registrou cresci-
mento de 2.532% nos contami-
nados no interior, enquanto na
região metropolitana o avanço
foi de 625%. Ao menos 90 cida-
des paulistas com até 10 mil ha-
bitantes tinham casos positivos
de coronavírus até sábado. Des-
sas, 26 têm menos do que 5 mil
habitantes. Em 11 pequenas ci-
dades já houve ao menos uma
morte pela covid-19. Nenhuma
dispõe de leitos de UTI. De acor-
do com o pesquisador Raul Bor-
ges Guimarães, especialista em
geografia da saúde da Universi-
dade Estadual Paulista (U-
nesp), a covid-19 pode intensifi-
car o fluxo das pequenas cida-
des para os centros maiores,
causando excesso de demanda.
O Estado é o epicentro de ca-
sos de contaminação pelo coro-
navírus no Brasil, com 3.
mortes (101 relatadas no últi-
mo balanço diário) e 45.444 in-
fectados. Levantamento que in-
tegra o Plano de Contingencia-
mento do Estado de São Paulo,
feito há duas semanas, sobre
hospitais e quantidade de leitos
(clínicos e de UTI), existentes e
previstos para ampliação para
receber os pacientes com co-
vid-19, mostra que havia 5.
vagas de UTI (adulto e pedia-


tria) para as 645 cidades paulis-
tas. Desse total, 3.144 eram na
capital e nas cidades da Grande
São Paulo e 2.532 leitos nas cida-
des do interior e do litoral.
Hoje, são mais de 9,8 mil pa-
cientes internados em SP, sen-
do 3.909 em UTI e 5.938 em en-
fermaria. A taxa de ocupação
dos leitos de UTI reservados pa-
ra atendimento da covid-19 é de
67,9% no Estado de São Paulo e
83,3% na Grande São Paulo.
Com 52% da população do Es-
tado, o interior e o litoral paulis-
ta tiveram até aqui um cenário
distinto do vivido na região me-
tropolitana, onde estavam con-
centrados até a semana passada
85% dos casos de covid-19. Pos-
sível reflexo das medidas de iso-
lamento social iniciadas em
março. Mas esse cenário, de apa-
rente tranquilidade, tem muda-
do e rápido. A taxa de concentra-
ção de novos casos da covid-
no Estado em cidades fora da
Grande São Paulo subiu de 15%
para 32% na semana passada.
No dia 17 de março – fim da
primeira semana da pandemia
–, São Paulo tinha 164 casos no
Estado e 1 morte, com casos con-
centrados na Grande São Pau-
lo. Dia 30 de abril, esse número
já era de 28.698 casos e 2.
mortes, com registros espalha-
dos para todas as regiões. Se an-
tes os relatos eram de 7 cidades

com registro do primeiro caso a
cada três dias, agora são 38 mu-
nicípios registrando a chegada
da doença a cada três dias.
O Secretário de Desenvolvi-
mento Regional do Estado, Mar-
co Vinholi, alertou sobre os ris-
cos dessa interiorização da
doença. Se a curva de cresci-
mento for mantida, até o fim de
maio todas as 645 cidades pau-
listas terão registros. “Não exis-
te nenhuma região protegida.
Nesse momento, a onda epidê-
mica está se distribuindo”, afir-

mou Dimas Covas, diretor do
Instituto Butantã.

Sobrecarga. A taxa de ocupa-
ção de leitos de UTI para a co-
vid-19 no interior e no litoral
também tem crescido mais rápi-
do. Na sexta-feira, havia 3.
internados com coronavírus
nas unidades de terapia intensi-
va do Estado, taxa de ocupação
de 70,5%. Um dia antes, a taxa
estadual de ocupação desses lei-
tos era de 66,9%. Já a taxa de
ocupação dos leitos UTI na capi-

tal e cidades do entorno mante-
ve-se em 89,6% nos dois dias.
Segundo o presidente do Con-
selho dos Secretários Munici-
pais da Saúde de São Paulo, Ge-
raldo Reple, que integra o Cen-
tro de Contingência do Corona-
vírus do Estado, na semana pas-
sada foi atingida outra marca ne-
gativa no Estado: em um único
dia foram internadas 1 mil pes-
soas com a covid-19, enquanto
600 tiveram alta. “Se essa pro-
porção continuar ou até cres-
cer, que é o que parece que vai

acontecer, nós estaremos em
uma fase extremamente com-
plicada”, afirmou. “Todas as ci-
dades têm plano de contingen-
ciamento, mas muitas não es-
tão preparadas. Muitos municí-
pios não têm leito de UTI. Pro-
vavelmente, muitos não têm
nem leito de estabilização.”

Frio. O inverno e a chegada do
frio, como ocorreu semana pas-
sada, é outro agravante que
preocupa profissionais de saú-
de no Estado. Nesse período,
historicamente a quantidade
de doentes com problemas res-
piratórios aumenta na rede hos-
pitalar e a capacidade de atendi-
mento nos hospitais beira o li-
mite, como destaca o médico
pneumologista e intensivista
Luiz Cláudio Martins, que é pro-
fessor da Faculdade de Ciên-
cias Médicas da Unicamp.
“Esse aumento é certo, vai
ocorrer. E com a covid-19 é ób-
vio que vai sobrecarregar ainda
mais a rede.” Martins conta que
no HC da Unicamp os registros
de crianças com a covid-19 inter-
nadas ainda são baixos, mas nas
enfermarias de pediatria há lota-
ção de casos de doenças respira-
tórias, em decorrência do frio.
“É muito preocupante.”

Isolamento. O crescimento de
novos casos da covid-19 tem si-
do mais acelerado nos últimos
dias no interior e no litoral do
que na Grande São Paulo. A taxa
de isolamento social no Estado
foi de 47% nos últimos dias,
bem abaixo do esperado 70%.
Isso levou o governador João
Dória (PSDB) a prorrogar a qua-
rentena até o fim do mês, ape-
sar da pressão de diversas cida-
des por flexibilização.
Para o especialista em geogra-
fia da saúde e professor da Uni-
versidade Estadual Paulista (U-
nesp), Raul Guimarães, o avan-
ço acelerado da doença no inte-
rior e no litoral está diretamen-
te relacionado ao relaxamento
da quarentena. “O risco de fal-
tar capacidade de atendimento
hospitalar para os casos mais
graves é grande.” O médico
pneumologista e professor da
Unicamp, Luiz Cláudio Mar-
tins, concorda e afirma que a fle-
xibilização da quarentena neste
momento seria “algo temerá-
rio, que precisa ser tratado com
muito cuidado”. “Não pode-
mos menosprezar uma doença
que, em um dia, matou mais de
700 pessoas. O distanciamento
é vital neste momento.”

Em Campinas, maior cidade do
interior paulista, a cerca de 100
km da capital, a sobrecarga na
rede hospitalar é um risco. Op-
ção para envio de pacientes da
Grande São Paulo, o município
tem estrutura de referência pa-
ra atendimento de casos da co-
vid-19, abriga unidades para ca-
sos de alta complexidade, como
o Hospital das Clínicas da Uni-
camp, e grandes centros de aten-
dimento, como o Hospital Mu-
nicipal Mário Gatti e o Celso
Pierro, da PUC-Campinas.


No HC da Unicamp, por
exemplo, havia 19 leitos de UTI
para infectados com o novo co-
ronavírus semana passada,
com taxa de ocupação na faixa
dos 50%. Mas esse é um cenário
mutante, alerta o médico Ma-
noel Bértolo, diretor executivo
da área de Saúde do complexo.
Serão abertos 18 novos leitos de
UTI, com recursos liberados pe-
la União, em parceria com o Es-
tado. “A gente tem um risco,
com o frio, porque não sabemos
o que vai acontecer.”
Campinas recebeu quatro
dos 15 primeiros pacientes enca-
minhados ao interior por falta
de leitos na Grande São Paulo.
Internados no Ambulatório
Médico de Especialidades (A-
ME), inaugurado antes do pra-
zo em abril para ser exclusivo

para covid-19, a unidade estava
na sexta com 80% de ocupação
dos leitos. Ao todo, são 659 va-
gas para UTI preparadas para ca-
sos de covid-19 (leitos ativos ou
a serem implementados) em to-
da a região. Quantidade consi-
derada subdimensionada para
atendimento das 41 cidades e
quase 6 milhões de habitantes,
englobados na divisão adminis-
trativa regionalizada de saúde.

O risco de sobrecarga na rede
local fez o prefeito de Campi-
nas, Jonas Donizette, resistir ao
encaminhamento de pacientes
de São Paulo, para não prejudi-
car os atendimentos regionais.
Ainda na sexta, ele prorrogou
medidas de restrição na cidade
até o dia 31 de maio e determi-
nou bloqueio de vias para redu-
zir a circulação de pessoas.

Longas internações. Um dos
pontos que mais preocupam
em relação aos leitos é o tempo
de uso – uma pessoa com coro-
navírus ocupa vaga por três se-
manas ou mais. Uma técnica de
enfermagem que ficou 29 dias
internada em uma UTI da cida-
de, com covid-19, recebeu alta
semana passada. Ao deixar o
Hospital Ouro Verde, em Cam-
pinas, onde também trabalha,
Nicole Iara Santos Mota, de 24
anos, foi homenageada por cole-
gas e parentes. / R. B. e J. M. T.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lO Brasil registrou 496 óbitos
nas últimas 24 horas e acumula
11.123 vítimas pela covid-19, se-
gundo balanço divulgado ontem
pelo Ministério da Saúde. No mes-
mo intervalo, o País somou 6.
novos casos da doença, chegan-
do a 162.699 infectados durante
a pandemia. O balanço de ontem
quebra uma sequência de cinco
dias com registro de mais de 600
mortes. Técnicos, no entanto,
alertam que os registros caem
durante os fins de semana e feria-
dos, por atraso nas notificações.
/ MATEUS VARGAS

l Sem projeção

Hospital de referência da Unicamp já tem 80% de ocupação


Na favela, escola vira centro para morador se isolar. Pág. A11 }


Com menos UTIs que a Grande SP,


interior já teme sobrecarga hospitalar


l Balanço


No País, número de


vítimas é de 11.


PREFEITURA DE CAMPINAS

“A preocupação é que a
qualquer momento suba ( o
número de casos ), não
sabemos o que acontecerá
com a chegada do frio.”
Manoel Bértolo
UNICAMP
Nicole. Festa após ficar quatro semanas internada na UTI

Prefeito resistiu ao


encaminhamento de


pacientes da região


metropolitana e
prorrogou quarentena


Metrópole

WAGNER SOUZA/FUTURA PRESS

Alerta na pista. Já há óbitos em cidades sem leitos de UTI

FERNANDA SUNEGA/PREFEITURA DE CAMPINAS

4 em cada 10
vítimas residiam no interior. Mas
os números estão subnotifica-
dos. Pesquisa do Ministério Públi-
co de São Paulo (MP-SP) indicou
que os dados da secretaria são
divulgados até seis dias depois
do registro dos casos pelas pre-
feituras. Conforme a pasta, o atra-
so se deve à necessidade de che-
car e processar os dados.


Entre os dias 3 de abril e 1º de maio, o Estado registrou crescimento de 2.532% nos contaminados no interior, enquanto na região


metropolitana o avanço foi de 625%. Ao menos 90 cidades com até 10 mil habitantes tinham casos positivos de coronavírus até sábado


Centro de Campinas, sábado. No atual ritmo da covid-19, até fim de maio todas as 645 cidades paulistas terão registro
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