O Estado de São Paulo (2020-05-11)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto SEGUNDA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






Dentro de um arranha-céu bri-
lhante de Miami, representan-
tes da oposição venezuelana
estavam sentados em uma sa-
la decorada com espadas de sa-
murai e ouviam uma propos-
ta. Eles foram nomeados pelo
líder da oposição Juan Guaidó
para investigar todas as op-
ções em sua empreitada, apoi-


ada pelos Estados Unidos, de
finalmente derrubar o presi-
dente da Venezuela, Nicolás
Maduro.
Donald Trump e outras au-
toridades americanas nega-
ram o conhecimento da malfa-
dada operação.

http://www.estadao.com.br/e/venezuela

O


presidente Bolsonaro,
ao assumir, manteve
uma política de con-
fronto incessante com seus ad-
versários, como se todo aque-
le que a ele se opusesse fosse
um inimigo a ser abatido. Pro-
gressivamente, à maneira de
Tânatos, o deus da morte na
mitologia grega (editorial do
Estado de 25/4), ou a pulsão
de morte segundo Freud, fez a
destruição reger as relações
políticas. Amigos e inimigos
passaram a caracterizar suas
posições, ambos constituindo
uma definição volúvel segun-
do as circunstâncias.
De inimigos objetivos da
campanha (Lula e o PT) pas-
sou o mandatário para os po-
líticos em geral, para o “siste-
ma”, para os velhos amigos
tornados inimigos, como gene-
rais do mais alto prestígio, e,
enfim, as próprias instituições
democráticas, como o Supre-
mo Tribunal e o Legislativo. O
resultado foi o isolamento pre-
sidencial, recluso em sua pró-
pria família, recorrendo, em
manifestação recente, a um su-
posto apoio das Forças Arma-
das ao seu governo.
Ora, as Forças Armadas de-
vem obediência exclusivamen-
te à Constituição e à defesa na-
cional. Constituem uma insti-
tuição de Estado, não estão a
serviço de nenhum governo.
Note-se que desde a redemo-
cratização do País, também
por elas liderada, juntamente
com os adversários de então,
como o MDB, e aliados, como
o novo PFL, foram o sustentá-
culo deste mais longo período
de democracia no Brasil.
Se observarmos mais atenta-
mente a composição militar
do governo, constataremos
que as Forças Armadas não
constituem um bloco único,
há oriundos do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica, sen-
do esta última a mais afastada
do governo, enquanto o pri-
meiro é o mais próximo, com
a segunda ocupando posição
intermediária. Mais particular-
mente, generais do Palácio do
Planalto são militares que fize-
ram parte de sua “turma”. Is-
so significa também que a sua

“turma” não é necessariamen-
te a de outras turmas do
Exército, muito menos da Ma-
rinha e da Aeronáutica.
Note-se que, aos olhos da
sociedade, os militares são res-
ponsáveis pelo atual governo
e seus fiadores, ela não faz a
distinção entre militares da
ativa e da reserva, com desta-
que para o Exército. Isso signi-
fica, politicamente, que sua
responsabilidade é ainda
maior. Seria tentado a dizer
que, para além dos fanáticos
militantes das redes sociais,
eles constituem sua única ba-
se de sustentação. Se houves-
se uma mudança de posição, o
presidente Bolsonaro não te-
ria condições de permanecer
no poder.
As redes sociais são influen-
ciadas e tuteladas pelo dito ga-
binete do ódio, extensão do
clã familiar, em cujas mãos pa-

rece estar o destino do País.
São da estrita confiança presi-
dencial, participam das deci-
sões. A anomalia é gritante! Es-
tamos aqui totalmente afasta-
dos do exercício republicano
do poder.
Pior ainda, o clã presiden-
cial tem dado mostras de que
manda no governo e no Palá-
cio do Planalto. Não apenas in-
dica ministros, como os con-
trola, decide até quando de-
vem ou não ficar. Generais
que o confrontaram foram ba-
nidos do governo, após indig-
nos ataques nas redes sociais.
Estamos numa situação que
diria patológica: os filhos do
presidente atacando ou, mes-
mo, mandando em generais!
Os descontentes que se reti-
rem voluntariamente ou serão
obrigados a sair.
Atualmente, o País enfrenta
uma crise epidêmica, uma cri-
se econômica e uma crise po-
lítica. A primeira, potencializa-
da pela conduta presidencial,
dando exemplo do que não de-
veria ser feito, em desprezo pe-

lo bom senso e pela ciência.
Governadores atuam respon-
savelmente no sem-rumo da li-
derança presidencial. A situa-
ção da economia já não era
boa antes da epidemia, com as
reformas avançando muito
lentamente, pela ausência de
diálogo com o Legislativo. E,
agora, a crise política, conduzi-
da “exemplarmente” pelo pre-
sidente e seu clã! Em apenas
duas semanas dois ministros
foram “renunciados”, Mandet-
ta, por fazer um trabalho mui-
to bom no combate ao corona-
vírus, seguindo diretrizes cien-
tíficas e da OMS; e Moro, por
não concordar com as ingerên-
cias presidenciais na Polícia
Federal. Muita luz ofusca o
presidente.
Ainda mais isolado, o presi-
dente redobra a aposta no ata-
que: o Supremo torna-se o no-
vo inimigo, após as contun-
dentes acusações do ex-minis-
tro da Justiça, símbolo da La-
va Jato e da luta contra a cor-
rupção. Ele recorre a alguns
políticos do Centrão, os mes-
mos que ontem atacava como
representantes do “toma lá dá
cá”, na tentativa de evitar o im-
peachment. Destrói, assim, a
sua própria narrativa!
A situação é crítica. Uma al-
ternativa seria o presidente
“converter-se”, isto é, afastar
o seu clã dos assuntos gover-
namentais, destituir ministros
ideológicos, combater o coro-
navírus ao lado da ciência,
usar o diálogo e a moderação.
Outra, os militares mais dire-
tamente engajados retirarem
o seu apoio, com as Forças Ar-
madas deixando claro que não
pactuam com a polarização
atual. Exerceriam a responsa-
bilidade que lhes cabe, dada a
sua participação. Ou o impea-
chment como solução última.
A pior saída seria nada acon-
tecer: um governo incapaz de
seguir com o seu programa de
reformas e o presidente, um
“pato manco”, no meio da al-
gazarra de seus filhos.

]
PROFESSOR DE FILOSOFIA
NA UFGRS. E-MAIL:
[email protected]

Fredie Blom perdeu a irmã
para a gripe espanhola há
mais de cem anos.

http://www.estadao.com.br/e/

VENEZUELA


Tentativa de depor Maduro naufraga


Cingapura vai usar o robô
com abordagens educadas
em parque, mas quem deso-
bedecer as regras pode levar
multas e até ser preso.

http://www.estadao.com.br/e/robo

l“É só ver os gastos que ele tinha com gasolina quando era deputado.
Absurdo. Durante quase 30 anos, viveu à custa do Estado.”
CARLOS HENRIQUE MACHADO

l“Bolsonaro se elegeu prometendo transparência, dizia que iria acabar
com a farra dos cartões corporativos. Que piada.”
CÉSAR MARIANO

l“Mas o aquecimento elétrico da piscina do Palácio da Alvorada está
desligado...”
JOAQUIM OLIVEIRA

l“O dinheiro não sai do bolso dele, não sabe quanto custa. Tanto faz
como tanto fez.”
JOSÉ DIAS

INTERAÇÕES

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Oito semanas de isolamen-
to depois, não dá mais para
ignorar o impacto que a pa-
ralisação terá na atividade
musical brasileira.

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Espaço Aberto


A


pesar de maltratada
por autoridades e “orça-
menteiros”, com a epi-
demia do novo coronavírus a
ciência está indo à forra. De fa-
to, dependemos quase servil-
mente dela. Porém desacor-
dos e trocas de farpas sugerem
que virou balbúrdia. Será?
Sempre tentei mostrar a
meus alunos o esplendoroso
edifício da ciência, uma cons-
trução onde vai um tijolo so-
bre o outro. Tem cumulativida-
de e produz resultados sóli-
dos. Há um imperativo de bus-
car erro em tudo. Sendo as-
sim, o que sobrevive merece
confiança. Pode demorar, mas
os desencontros e as contro-
vérsias acabam sendo resolvi-
dos. Valores pessoais são pro-
gressivamente banidos. E to-
ma água sanitária nas contami-
nações ideológicas!
Entra ano, sai ano, a máqui-
na do método científico vai es-
merilhando arestas e esmagan-
do estultices – por mais pro-
missoras que parecessem. No
seu ritmo pachorrento, vai des-
bastando o entulho.
De repente, vem o coronaví-
rus! O palavrório e as colisões
fragorosas dão a impressão de
que o método científico está
sendo defenestrado. Pesquisa-
dores proclamam com feroci-
dade suas ideias e versões. E
quase sempre se chocam com
as verdades de outra prima-do-
na. Soçobrou a ciência?
Há hoje um real e inevitável
choque entre os cientistas
mais ortodoxos e os que estão
na linha de frente, geralmente,
os médicos. Os primeiros pas-
saram a vida proclamando os
rigores do método científico.
Por que agora seria diferente?
Tradicionalmente, a medici-
na ampara-se na ciência. Po-
rém a ciência só chega até cer-
to ponto. Daí para a frente, o
campo é pantanoso. E os médi-
cos sempre conviveram com
essa penumbra do que é ape-
nas parcialmente iluminado
pela ciência. Entra em cena o
conhecimento tácito, o “olho
clínico”. E a decisão não pode
esperar os testes, demorados
e caros. Diante do médico es-
tá o paciente. A inação não é


uma escolha.
Arrisco dizer que jamais um
fármaco foi objeto de batalhas
tão virulentas como a hidroxi-
cloroquina. Ademais, virou ca-
valo de batalha de políticos.
Os chineses usaram a hidro-
xicloroquina e não concluíram
nada. Os italianos, tampouco.
Um médico francês, meio bizar-
ro, garante que funciona. Ou-
tro de Nova York afirma o mes-
mo. Até agora os resultados
são inconclusivos. Para a ciên-
cia, estamos na estaca zero.
No furor da batalha, os mi-
nuciosos e arcanos protocolos
da ciência parecem estar sen-
do esquartejados. O edifício
da ciência se esboroa? O públi-
co, atônito, percebe as guerras
encarniçadas e dilacerantes en-
tre os cientistas. Entram tam-
bém em cena os que enten-
dem alguma coisa e mais os
que não entendem nada. Em

geral, estes são os mais pródi-
gos em palpites definitivos.
Pior, para promover suas
agendas, políticos e oportu-
nistas de todos os matizes rei-
vindicam ser verdade científi-
ca o que dizem. Às vezes pare-
ce que existe uma ciência de
esquerda e uma de direita.
Não obstante, como os médi-
cos, os dirigentes têm de to-
mar decisões.
E aí, além de vidas, o corona-
vírus está destruindo o delica-
do tecido com que se constrói
a ciência? A hipótese deste en-
saio é pela negativa.
Tudo segue muito parecido,
segue como sempre foi. O que
mudou foi o ritmo em que,
diante da crise, passou a operar
a ciência. E, também, a maior
transparência pública das con-
trovérsias, com as redes sociais
tornando tudo escancarado.
Mas parece-me que, no que
conta, muda apenas a veloci-
dade. A ciência tradicional an-
da em câmera lenta, em com-
paração com o ritmo frenéti-
co de hoje.

Tradicionalmente, impu-
nha-se a sobriedade gélida das
pesquisas. Ela ia limpando o
campo. Sobrava espaço ape-
nas para os sobreviventes
(simplificando um pouco).
Antes das pesquisas sólidas,
a brigalhada sempre existiu.
Ainda assim, tudo se passava
longe, mesmo dos cidadãos
mais bem-educados. Não por
sigilo, mas pela aridez do te-
ma ou pela incapacidade de
penetrar na sua linguagem
hermética.
Os egos transbordavam, mo-
numentalmente. Newton nu-
tria por Leibnitz um ódio doen-
tio. Galileu duelou ferozmente
com o Vaticano. A maioria das
desavenças não comoveu os
leigos. É o caso das discordân-
cias de Einstein com seus cole-
gas. Ou Edison com Tesla. Ou-
tras polarizaram mais do que a
hidroxicloroquina. Darwin bu-
liu num vespeiro.
Mas são brigas que se di-
luem ao longo dos séculos. Em
contraste, agora se compac-
tam em semanas e têm como
espectador ansioso o grande
público. Este apenas vê as coli-
sões espetaculosas, não perce-
bendo que, alguma hora, a poei-
ra baixa e os resultados não ad-
mitem mais desacordos.
De janeiro para cá, circula-
ram 7.500 novas pesquisas no
mundo científico. Boa parte
nem merecerá publicação nos
periódicos sérios. Das publica-
das, pouquíssimas chegarão a
ser citadas. Como sempre, so-
bra apenas um punhadinho.
Um estudioso dos proces-
sos da ciência verá o coronaví-
rus criando um cenário que en-
curta em meses o que levava
décadas para acontecer, discre-
tamente. E oferece à socieda-
de uma amostra distorcida de
como funciona a pesquisa,
pois a urgência comprime em
semanas as conflagrações.
Mas é questão de tempo, o lim-
pa-trilhos do método científi-
co funcionará. Virão as respos-
tas! E poucos ainda creem ha-
ver alguma fonte alternativa.

]
M.A., PH.D., É PESQUISADOR
EM EDUCAÇÃO

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
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COVID-
Cão robô reforça
distanciamento

O que acontecerá com
a música clássica?

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]
Claudio de Moura Castro


Tema do dia


Levantamento revela os nú-
meros dos mais sangrentos
duelos do personagem.

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Os bastidores


da ciência


Com o coronavírus, há
choque entre cientistas
mais ortodoxos e os que
estão na linha de frente

Responsabilidade


militar


Uma situação, diria,
patológica: os filhos do
presidente atacando e
mandando em generais!

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

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E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Despesas com cartão


da Presidência


dobram em 2020


l Gasto sigiloso vinculado a Bolsonaro e
família foi de R$ 3,76 milhões em 4
meses contra média dos 5 últimos anos

]
Denis Lerrer Rosenfield

EFE CULTURA

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muito dos oponentes
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