O Estado de São Paulo (2020-05-11)

(Antfer) #1

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H2 Especial SEGUNDA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SONIA RACY


DIRETO DA FONTE
Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]
Sofia Patsch [email protected]

Para amenizar o risco do co-
ronavírus, no Rio, a Rede
D’or isolou dois hospitais –
os ‘corona free’– onde não
se interna pacientes infecta-
dos e funcionários são testa-
dos rigidamente. “Isso dá
mais segurança para conti-
nuar tratando quem tem ou-
tras doenças e é onde eu te-
nho operado”, contou à co-
luna, por celular, Paulo Nie-
meyer Filho.

Um dos melhores neurocirur-
giões do Brasil conta que pes-
quisas recentes de laboratório
mostram que o coronavírus
pode penetrar nos neurônios


  • mas ainda não está sendo
    visto nos pacientes. “O que ve-
    mos cada vez mais são os aci-
    dentes vasculares cerebrais,
    os AVCs, associados à covid-



  1. Não apenas em idosos,
    mal - s também em pacientes
    jovens e, muitas vezes, co-
    mo primeira manifestação
    da doença. Isso se deve aos
    distúrbios da coagulação
    causados pelo vírus, que le-
    sam as paredes das artérias,
    desencadeando o processo
    de trombose”, conta o médi-
    co que faz parte da comis-
    são de especialistas e econo-
    mistas – como Armínio Fra-
    ga
    – criada pelo governador
    Witzel , para avaliar a adesão
    ao isolamento
    testes e vacinas
    e plano de saída
    controlada da
    quarentena.


Melhores mo-
mentos da conversa.

lComo foi essa transforma-
ção do Instituto Estadual do
Cérebro em hospital de covid-
19?
Ele continua sendo do cére-
bro, mas atendendo pedido
da secretaria de Saúde, do
estado do Rio, suspende-
mos cirurgias e colocamos
44 leitos de UTI e equipe de
intensivistas e fisioterapeu-
tas à disposição de pacien-
tes com covid-19.

lO hospital continua funcio-
nando para outras doenças?
Com exceção do centro ci-
rúrgico, todos os demais se-
tores tratam epilepsia, doen-
ças endovascular. Ambulató-
rios também continuam
atendendo normalmente.

lVocês foram os primeiros a
iniciar o tratamento de transfu-
são de plasma com anticorpos
de quem sarou da covid-19.
Qual resultado?
Só atendemos casos graves
e como iniciamos os testes
há duas semanas, ainda é ce-
do para avaliar. Entretanto,
a transfusão de anticorpos
parece ser, até agora, o que
faz mais sentido. Idealmen-
te, deve ser tentado logo no
inicio da doença, para evitar
sua progressão. Temos que
nos guiar pelos exames de
sangue, acompanhando os

marcadores inflamatórios, a
carga viral e outros parâme-
tros. Estamos esperançosos.

lO custo é alto?
A transfusão de plasma não é
novidade, é um procedimento
corrente nas UTIs, não para
transmissão de anticorpos,
mas para transmissão de ele-
mentos da coagulação, por
exemplo. A transfusão de anti-
corpos também não é nova, já
foi usada na pandemia da Gri-
pe Espanhola, em 1918, e em ou-
tras epidemias mais recentes.
Apesar de publicações da épo-
ca relatarem redução da morta-
lidade, esse tratamento, por
ser feito sempre em crises, nun-
ca foi avaliado com rigor cien-
tífico e, por isso, ainda é consi-
derado experimental, necessi-
tando de aprovação da Anvisa.

lOutros hospitais estão fazendo
o mesmo no Brasil?
Se não começaram, devem es-
tar se preparando para isso. Os
grandes hospitais dos EUA
também estão fazendo e todos
procurando identificar os gru-
pos de pacientes que podem
se beneficiar. Qual o bom
doente, o bom momento e a
boa dose. Serão os mais idosos
ou aqueles que têm uma carga
viral mais elevada? Os traba-
lhos antigos sugerem melhor
resultado se os an-
ticorpos forem
transfundidos pre-
cocemente, ao iní-
cio da doença,
tentando evitar o
comprometimen-
to pulmonar, a entubação, e os
distúrbios da coagulação.

lO que a covid-19 tem de dife-
rente de outros vírus?
Primeiro, a rapidez com que se
propaga. Depois, ele não tem
um padrão, podendo se manifes-
tar de várias formas, como se
fossem várias doenças diferen-
tes. Muitos são assintomáticos.
Outros perdem o olfato e, conse-
quentemente, o paladar, acom-
panhado de uma gripe leve, que
evolui bem. Por fim, há aqueles
que preocupam, em geral obe-
sos ou portadores de outras
doenças crônicas, que podem
apresentar comprometimento
pulmonar e necessitar de UTI e
entubação. É como se fossem va-
riações do mesmo vírus ou ca-
racterísticas genéticas de cada
indivíduo, que vão determinar a
evolução da doença.

lIsso o surpreende?
Não. Vimos isso na epidemia
da AIDS, algumas pessoas sim-
plesmente não pegavam. Em al-
guns casais, apenas um dos
cônjuges se infectava. O mes-
mo se passa agora com a co-
vid-19. Então há aspectos indi-
viduais, talvez genéticos, que
fazem a diferença, e há muito
ainda a ser entendido.

lO que de fato o coronavírus faz
com o pulmão? As pessoas se
recuperam?
Além da inflamação, esses pa-

cientes apresentam distúrbios
variáveis da coagulação, que
produzem vários microinfar-
tos no pulmão. Aqueles que se
recuperam, portanto, podem
perder um pouco da sua capaci-
dade pulmonar.

lExiste também algum efeito
desse vírus no cérebro?
Pesquisas recentes de laborató-
rio mostram que o vírus pode
penetrar nos neurônios, mas is-
so, entretanto, ainda não é visto
nos pacientes. O que vemos ca-
da vez mais são os acidentes vas-
culares cerebrais, conhecidos
AVCs, associados à covid-19.

lIsso ocorre apenas no cére-
bro?
Não, em todo o corpo. O que
pode resultar também em is-
quemia de qualquer outro ór-
gão ou mesmo das extremida-
des, braços e pernas. O distúr-
bio de coagulação ocorre em
praticamente todos os casos.
Parece fazer parte da doença, é

considerado como uma das
principais causas da lesão pul-
monar e da falência respirató-
ria. Todos os doentes, hoje, in-
ternados, com covid-19, estão
tomando anticoagulantes, em
doses maiores ou menores, de-
pendendo dos exames.

lComo é que a pessoa chega no
Instituto Estadual do Cérebro?
Recebemos apenas pacientes
do SUS, mas não é um hospital
aberto. As vagas são reguladas
pela Secretaria Estadual de
Saúde, que encaminha os pa-
cientes que se encontram nas
UPAS, ou em outros hospitais,
e que preencham os requisi-
tos. São, em geral, pacientes
em estado grave, com insufi-
ciência respiratória, já entuba-
dos ou precisando entubar.

lE desses casos graves, quan-
tos se recuperam?
Nosso primeiro doente foi in-
ternado há 40 dias, aproxima-
damente, e só agora ele está cu-

rando. Até agora, nossa morta-
lidade tem sido em torno de
25% dos doentes entubados,
quase todos acima de 60 anos.
Entre os não entubados, a mor-
talidade foi zero. Observamos
também que a obesidade é o fa-
tor de risco mais importante
para os pacientes jovens.

lA contaminação no Instituto
está alta?
A contaminação entre funcio-
nários de saúde é elevada, e
em nosso hospital chega a
50%. Isso inclui médicos, en-
fermeiros, pessoal da limpeza,
enfim, todos. Diariamente tes-
tamos aqueles que apresen-
tam algum sintoma, e a meta-
de testa positivo. Estes são
afastados temporariamente e
substituídos.

lAgora um tema polêmico, o
que acha da cloroquina?
Não se mostrou eficaz, em nos-
sos casos. Suspendemos seu
uso por causa das graves arrit-

mias cardíacas dos pacien-
tes, sem nenhuma evidência
de melhora.

lQuanto ao teste da covid-19
pelo nariz é, de fato, seguro?
Quando ele é positivo ele é
seguro, sim, mas quando é
negativo tem uma margem
de erro de quase 40%. Ou se-
ja, você pode testar negativo
e estar contaminado.

lHá possibilidade de muta-
ção desse vírus?
Certamente. Pode, inclusi-
ve, já haver alguma muta-
ção, e isso explicaria porque
alguns casos são mais sim-
ples e outros são tão graves.
É possível que no próximo
ano ele volte mudado, mas
com menos força. Tería-
mos, então, que fazer vacina-
ções anuais, como já se faz
para as gripes por Influenza.

lTem que sair uma vacina
para a cura, então...
Essa parece ser a única solu-
ção. Outra possibilidade de
controle seria quando alcan-
çássemos a chamada imuni-
dade de rebanho, que é
quando 70% da população
já teve contato com o vírus
e adquiriu anticorpos.

lSobre o SUS, muita gente
está elogiando ante a pande-
mia. Qual sua opinião?
O SUS foi a coisa mais impor-
tante que já se fez no País.
Nunca houve um movimento
de inclusão social tão grande,
no mundo, como o que resul-
tou da criação do SUS. Mi-
lhões de brasileiros que se en-
contravam à margem do ser-
viço social, sem direito a na-
da, foram incorporados.
Acho que está claro a todos
que o SUS está sendo funda-
mental nessa crise e que sairá
fortalecido, valorizado.

lE o que falta para o SUS?
Para melhorar precisaria de
mais recursos e de gestão
moderna e pragmática.

lSobre a quarentena, o se-
nhor é a favor?
Sim. O isolamento é um re-
curso bíblico. Já era utiliza-
do na antiguidade, quando
não havia tratamento para
hanseníase. Acho que não há
outra maneira de conter
uma doença infecciosa, para
a qual não há tratamento.
Agora, como todo remédio,
tem seus efeitos colaterais, é
preciso saber o momento de
reduzir a dose.

lComo imagina o mundo
pós-coronavírus?
De imediato, teremos 230
milhões de infectologistas
no País. Talvez o mundo fi-
que mais humanizado, com
as pessoas valorizando a pre-
sença e o contato físico. Ain-
da assim, a crise alavancou
a vida virtual, seja social e
profissional, de maneira ir-
reversível.

‘Vemos cada vez mais AVCs ligados à covid-19’


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MAURÍCIO BAZÍLIO

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