O Estado de São Paulo (2020-05-11)

(Antfer) #1

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H6 Especial SEGUNDA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Tião Oliveira

Amanhã o Autódromo José Car-
los Pace completará 80 anos.
No dia 12 de maio de 1940, o GP
Cidade de São Paulo, primeira
corrida realizada em Interla-
gos, cuja pista tinha 7.960 me-
tros, foi vencida pelo brasileiro
Arthur Nascimento Jr.
O circuito fazia parte dos atra-
tivos do bairro idealizado 20
anos antes pelo engenheiro bri-
tânico Louis Romero Sanson e
o urbanista francês Alfred Aga-
che. A ideia era fazer, no extre-
mo sul da cidade, um oásis volta-
do a endinheirados que teria re-
sidências e infraestrutura com-
pleta, como lojas e hotel, entre
outros estabelecimentos.
O nome foi uma sugestão de
Agache, que teria visto seme-
lhanças com Interlaken, na Suí-
ça. Isso porque o bairro paulista
está localizado entre duas repre-
sas: a Billings e a Guarapiranga.
Nessas oito décadas o circui-
to paulista foi palco de corridas
memoráveis. Após a primeira re-
forma, em 1970, o jovem piloto

Emerson Fittipaldi cravou mé-
dia de 150 km/h no autódromo.
Em 1972, carros da Fórmula 1
vieram a São Paulo para uma es-
pécie de prova experimental.
No ano seguinte, Interlagos pas-
sou a integrar o calendário do
Mundial de F-1. Fittipaldi, que
corria pela Lotus, venceu.
Em 1975 houve dobradinha
brasileira, com José Carlos Pa-
ce em primeiro e Fittipaldi em
segundo. Em 1985, o autódro-
mo foi rebatizado em homena-
gem a Pace, que faleceu em 1977
em um acidente de avião.
Em Interlagos, Ayrton Senna
venceu seu primeiro GP do Bra-
sil, em 1991, com apenas a sexta
marcha funcionando. E foi lá
que Lewis Hamilton levou seu
primeiro mundial, em 2008.
O autódromo é aberto para
quem quer caminhar, correr e
andar de bicicleta. Além disso, é
casa da fé e da música.
Em 1999, por exemplo, a ban-
da Kiss fez um show memorável
no autódromo. Em 2000, o pa-
dre Marcelo Rossi levou uma
multidão à pista. E desde 2014
Interlagos é palco do Lollapa-
looza, que faz parte do calendá-
rio anual de eventos da cidade.

INTERLAGOS É PALCO


DE CONQUISTAS, FÉ,


SOM E MUITA EMOÇÃO


JornaldoCarro


Crônicas de SP*


80 ANOS


S


ou tão desorganizado que se,
por alguma ironia do destino,
eu tivesse anotado a cura da co-
vid-19 em um papelzinho, ele já esta-
ria perdido.


  • Desculpe, humanidade, certeza
    que eu tinha colocado em cima da ge-
    ladeira... Vou dar mais uma procura-
    da. Foi mal, turma!
    Sou um bagunçado de raiz. Por is-
    so, coloquei como meta de quarente-
    na usar um pouco do tempo livre para
    organizar meus livros, CDs e jornais
    antigos.
    Confesso, a função tem sido uma
    tarefa inglória, que morre, diariamen-
    te, em sua boa intenção. Mas teve um


lado bom: reencontrei História do Cabe-
lo, livro do argentino Alan Pauls. Em li-
nhas gerais, a obra narra a história de um
homem obcecado por cabelo.
Claro, o reencontro me fez pensar so-
bre minha própria juba – e como ela tem
se comportado durante essa quarente-
na. Primeiro, penso ser necessário, fa-
zer uma breve retrospectiva capilar da
minha própria existência.
Segundo mamãe, nasci cabeludo – e
as fotos de recém-nascido confirmam a
informação. Era um cabelo naturalmen-
te ajeitadinho e confiável. Um menino
com um cabelo daquele tinha tudo para
ter um futuro brilhante.
Mas não foi o que se sucedeu. O carma

capilar se fez presente logo no primeiro
corte. Fui premiado com o chamado cor-
te estilo cuia. Sim, era como se tivessem
contornado com a tesoura uma cuia en-
terrada na minha cabeça. No final dos
anos 70 e comecinho dos 80, o politica-
mente incorreto permitia que esse mes-
mo corte fosse chamado de Juruna.
A adolescência foi uma fase horroro-
sa. O cabelo crescia desordenado, como
se lutasse, como se Picasso criasse sua
Guernica no meu cocuruto (que palavra
deliciosa, vou escrever mais cocurutos
na minha vida).
Eis que tive a ideia de deixá-lo crescer.
Queria ser uma estrela do rock, mas ape-
nas desenvolvi um mullet. Era uma es-
pécie de Chitãozinho & Xororó ambu-
lante.
Com o tempo, fui arrumando para
que ele crescesse por igual. Cheguei a
receber o apelido de janelinha – já que
minha franja descia pela minha testa tal
qual uma cortina.
Quando fiquei cabeludo, passei a usar

elástico para criar um rabo de cavalo ou,
eventualmente, uma tiara. Calhou de
ser na mesma época em que usei apare-
lhos nos dentes. Ou seja, o conjunto não
formava, de fato, um todo harmônico. E
ato de claro desespero, passei a máqui-
na e fiquei carequinha.
Felizmente, chegou a maturidade e os
primeiros fios de cabelo branco. Deixei
minhas aventuras capilares de lado e me
mantive fiel a um corte médio, não mui-
to curto, cheio, mas ponderado, relativa-
mente domável, confiável, um cabelo de
adulto.
Mas aí, né, vocês já sabem... Chegou o
coronavírus e não consigo mais me
olhar no espelho. Meu cabelo, rebelado,
foi à revanche e está dando o troco.
Agora, ele cresce selvagem, apontan-
do para todos os lados, livre como nun-
ca. A quarentena é o auge na vida de um
cabelo rebelde.
Não demora, ele vai cobrir todo meu
rosto. Estou a mais uma postergação do
isolamento social de me tornar um Flo-

quinho (Turma da Mônica), um
Chewbacca (Star Wars) ou Tony Ra-
mos. Estou quase um Caetano Velo-
so no período do exílio em Londres,
na capa daquele discão de 1971 que
tem London, London e uma versão de
Asa Branca.
Em breve, serei um cabelo que ar-
rasta um homem pela casa. Ele está
no comando agora e temo pelos
próximos passos de sua vingança.
A coisa está tão feia que me peguei
aos prantos assistindo a cena em que
Scarlett Johansson corta o cabelo de
Adam Driver em História de um Casa-
mento.
Como deve ser bom ter um amor
que corte o seu cabelo.
Nessa pandemia era tudo o que
queria, um amor, uma tesoura e fios
pelo chão do banheiro. Não reclama-
ria nem com um cortezinho aciden-
tal na orelha. Ame alguém que corte
seu cabelo. Se for a Scarlett Johans-
son, melhor.

JULIO ALCANTARA/ESTADÃO

Prova de fé. Em janeiro de 2000, um missa celebrada pelo
padre Marcelo Rossi reuniu mais de 1 milhão de pessoas.

Ídolos. Em 2006, Pelé entrega taça a Michael Schumacher,
que estava encerrando sua carreira como piloto de F-1.

Apoteose. Após a segunda e última vitória de Senna no
Brasil, o público invadiu a pista e vibrou com o campeão.


Consagração. Primeira prova em Interlagos válida para o
Mundial de F-1, em 1973, foi vencida por Emerson Fittipaldi.

TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Evolução. Reformas feitas de tempos em tempos ajudam a
garantir a presença da pista no calendário da Fórmula 1.

Início. Foto de 1959 mostra precariedade do circuito. Não havia boxes para os pilotos nem arquibancada para a torcida


ACERVO/ESTADÃO

EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO

O cabelo e a


quarentena


GILBERTO AMENDOLA

l]


História do circuito inclui primeira vitória de


Fittipaldi na F-1 e despedida de Schumacher


ANTONIO LUCIO/ESTADÃO

EDU GARCIA/ESTADÃO

ACERVO/ESTADÃO

HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Homenagem. Pace, que morreu em 1977 em um acidente
de avião, teve o nome imortalizado no autódromo paulista.


Tribos. Nos três dias da edição de 2019 do Lollapalooza
Brazil, mais de 240 mil pessoas foram a Interlagos.

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