O Estado de São Paulo (2020-05-11)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2020 Política A


‘Presidente está esfacelando qualquer forma de ação conjunta’


Ricardo Galhardo


Quando o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva deixou a
carceragem da Polícia Fede-
ral, em Curitiba, em 8 de no-
vembro do ano passado, lide-
ranças partidárias avaliavam
que, fora da prisão, ele pode-
ria ajudar a organizar a oposi-
ção contra o presidente Jair
Bolsonaro. Seis meses de-
pois, porém, o petista não en-
controu o protagonismo po-
lítico que tinha no passado,
mantém pouca interlocução
com outros setores da oposi-
ção e praticamente não tem
diálogo com segmentos da so-
ciedade fora da esquerda.

Acostumado a tomar algu-
mas das principais decisões do
partido, Lula foi confrontado re-
centemente em uma escolha do
PT em Pernambuco e não atuou
para resolver impasse em torno
da candidatura para a prefeitu-
ra de São Paulo. “A libertação
de Lula não despertou qualquer
nova energia no partido”, avalia
o cientista político Carlos Me-
lo, do Insper. “Lula preso tensio-
nava muito mais com a política
do Brasil do que agora”, disse.
De novembro para cá, Lula
não se reuniu nem com antigos
aliados, como os presidentes
do PDT, Carlos Lupi, e do PSB,
Carlos Siqueira. O ex-presiden-
te José Sarney (MDB) e outros
antigos parceiros políticos já re-


clamaram a interlocutores do
que chamam de isolamento de
Lula. Presidentes de centrais
sindicais que não são ligadas ao
PT também criticam a postura.
“Ele está bastante recluso,
contido, acho até que por orien-
tação dos advogados. Não está
aquele Lula de antigamente”,
disse Lupi, que foi ministro do
Trabalho. Para Siqueira, os si-
nais de que Lula teria uma atua-
ção menos ampla foram dados
logo em seu primeiro discurso
após deixar a prisão, quando de-
fendeu que o PT lance candida-
tos próprios em todas as gran-
des cidades. “Podia ter sido um
discurso de unidade da esquer-
da mas foi um exclusivista, pen-
sando no PT”, disse ele.
Exceções nas agendas de Lu-
la são encontros com Guilher-
me Boulos (PSOL), líderes de
movimentos sociais e acadêmi-
cos para debater questões co-
mo economia e saúde. A presi-
dente nacional do PT, deputada
Gleisi Hoffmann, afirmou que
começou a articular encontros

de Lula com os presidentes das
outras siglas antes da pandemia
e deve retomar as conversas. Pa-
ra ela, a atitude de Lula não mos-
tra isolamento, mas, sim, um no-
vo posicionamento político.
O ex-presidente passou um
ano e meio preso, após ser con-
denado em segunda instância a
12 anos e um mês de prisão por
corrupção e lavagem de dinhei-
ro no caso do triplex do Guaru-
já. O processo já chegou ao Su-
perior Tribunal de Justiça
(STJ), que reduziu a pena a 8
anos e 10 meses. Na quarta-fei-
ra passada, o Tribunal Regional
Federal da 4ª. Região (TRF-4),
manteve a condenação do petis-
ta a 17 anos de prisão por corrup-
ção e lavagem de dinheiro na in-
vestigação do sítio de Atibaia.

Partido. Nos últimos seis me-
ses, o ex-presidente se dedicou
a resolver questões familiares e
ao relacionamento com a soció-
loga Rosângela da Silva, a Janja,
com quem está morando.
Também têm tomado tempo
de Lula as disputas internas do
PT. No início do ano, ele partici-
pou de uma reunião para arbi-
trar a disputa entre quem defen-
de o apoio a João Campos (PSB-
PE) e à deputada Marília Arraes
(PT-PE) na candidatura à pre-
feitura do Recife. Segundo rela-
tos, Lula tentou impor o nome
de Marília mas foi confrontado
pelo senador Humberto Costa

(PT-PE), que defende aliança
com o PSB.
Também não tem se esforça-
do para evitar a indicação de Jil-
mar Tatto como candidato do
PT a prefeito de São Paulo. Para
lideranças petistas, são sinais
de que Lula hoje depende mais
do PT do que o partido depende

dele, ao contrário do que ocor-
reu nos últimos 40 anos.
Lula tem intensificado as
transmissões ao vivo pela inter-
net e entrevistas a rádios e jor-
nais regionais e veículos do exte-
rior. Com relação às próximas
eleições, auxiliares dizem Lula
não descarta novas alianças pa-

ra fora da esquerda, mas não es-
tá disposto e não vê condições
para repetir a ampla concilia-
ção com empresários e partidos
políticos que o ajudou a se ele-
ger em 2002. Os termos seriam
outros. Um dos motivos é a ade-
são de grande parte da elite ao
bolsonarismo.

ENTREVISTA


Vinícius Valfré / BRASÍLIA


O “e daí?” que o presidente Jair
Bolsonaro deu como resposta,
no início do mês, a uma pergun-
ta sobre as mais de 5 mil mortes
causadas pelo novo coronavírus
até então, teve um significado
especialmente amargo para a
ex-ministra e ex-senadora Mari-
na Silva (Rede) – ontem, foram
confirmadads 11.123 vítimas fa-
tais da doença. Na adolescên-
cia, no Acre, ela viu familiares e
vizinhos perderem as vidas nas
epidemias de sarampo e malá-
ria. Ela descreve “um sentimen-
to triplo de tristeza, vergonha a
indignação por ter um presiden-
te que, em um momento como
esse, é capaz de, em atitude de
desrespeito e de falta de huma-
nidade, dizer que não tem a ver
com isso porque não faz mila-
gre”, afirmou. Em entrevista
concedida ao Estadão na sema-
na passada, Marina Silva afirma
ver crime de responsabilidade
nas atitudes do presidente. Se-


gundo ela, é preciso “sabedo-
ria” para conduzir um eventual
processo de afastamento do pre-
sidente sem fragilizar a saúde
pública nem o socorro a quem
mais precisa.

lQue lições a pandemia tem dei-
xado para a atividade política?
A primeira coisa que é óbvia é
a proteção da vida das pessoas.
É o que temos de mais precio-
so, acima de projeto de poder,
econômico, de protagonismos
individuais. Tudo o que possa
comprometer essa frágil estru-
tura de proteger as pessoas, de
prevenir, atender, curar, ame-
nizar sofrimentos... Nada dis-
so deve fazer parte da política.
Infelizmente, a gente não está
vendo isso desse jeito. E o pior
exemplo vem do próprio gover-
no. Demite o ministro no meio
da crise, dá comando dizendo
que a economia é mais impor-
tante do que a vida, estimula o
contágio, com ele próprio (Bol-
sonaro) saindo às ruas, e crian-
do crises com governadores e
prefeitos. O pior exemplo vem
daquele que deveria estar agre-
gando.

lComo recebeu o "e daí?" do
presidente ao ser questionado
sobre o recorde de mortes?

Um sentimento triplo de triste-
za, vergonha e indignação por
ter um presidente que, em um
momento como esse, é capaz
de, em atitude de desrespeito
e de falta de humanidade, di-
zer que não tem a ver com isso
porque não faz milagre, ao
som de risadas de seus apoia-
dores, achando aquilo uma
grande “lacração”.

lComo avalia a saída de Sérgio
Moro do governo?
Primeiro, acho que nem deve-
ria ter entrado. Quando foi co-

gitado o nome dele para Minis-
tério da Justiça do governo Bol-
sonaro, olhando para trajetó-
ria política, para campanha do
Bolsonaro, já achei coisa muita
estranha. Mas a decisão foi de-
le. A saída foi só a confirmação
do que eu achava, que nunca
deveria ter entrado.

lCom base nas declarações de
Moro, a senhora acha que esta-
mos diante de um caso que exige
a saída do presidente?
Temos duas possibilidades
diante dos crimes de responsa-

bilidade: seja o impeachment,
pelo Congresso, seja o afasta-
mento, pelo Supremo Tribu-
nal Federal. Existe crime de
responsabilidade que não po-
de ficar impune. Isso é claro.
Temos que ter sabedoria de co-
mo conduzir o processo sem
arriscar vidas das pessoas, sem
prejudicar o atendimento de
saúde, sem fragilizar o socorro
para aqueles que já estão pas-
sando fome e necessidade.

lA sra. vê ambiente para que
um pedido de impeachment pros-
pere?
O que está sendo feito é uma
ação em várias frentes. Tem
ação do STF, do Ministério Pú-
blico, do Congresso. Para lhe
botar noções de limites: qual
dessas frentes pode prosperar
para interditar as ações que ele
vem tomando na contramão
da defesa da vida, da defesa do
patrimônio público e da demo-
cracia? Não sabemos. Mas te-
mos que reconhecer que tem
várias frentes, inclusive com
CPI em andamento. Somos o
único País do mundo que tem
o governo que em vez de agre-
gar está esfacelando toda e
qualquer forma de ação con-
junta. E faz isso de propósito,
porque aposta no caos, porque

sonha com o estado de sítio,
sonha com situação de descon-
trole social para justificar seus
arroubos autoritários.

lMas correr para apresentar um
pedido de impeachment neste
momento não é exatamente in-
centivar uma disputa por poder?
Não. Como eu disse, são várias
frentes. O Ministério Público
está disputando poder? Não.
Está querendo proteger a
Constituição, dizer que exis-
tem limites institucionais para
esse tipo de atitude. Tem que
atuar num tripé: defesa da vi-
da, dos direitos à dignidade
das pessoas e da democracia.
Os mecanismos da AGU foram
acionados. Os do Parlamento
também. E não só pela Rede,
inclusive por partidos que não
são tradicionais do campo da
oposição, como o PSDB, a ex-lí-
der do PSL (Joice Hasselmann).

lA senhora está entre as pes-
soas que avaliam que o Brasil vai
sair melhor da crise sanitária ou
no grupo dos que acham que es-
taremos piores?
A pandemia mostra uma coisa
importante, que é a radicalida-
de do fosso da desigualdade
no mundo e no Brasil. Se que-
remos fazer uma transição pa-
ra uma economia sustentável,
justa, com geração de renda pa-
ra as pessoas, é um investimen-
to que precisamos fazer a par-
tir de agora.

l Diferente

PT perde um terço dos


vereadores no Estado


IAN CHEIBUB/REUTERS - 18/12/

Lula não encontra


protagonismo


após deixar prisão


“Ele está bastante recluso,
contido, acho até que por
orientação dos advogados.
Não está aquele Lula de
antigamente.”
Carlos Lupi
PRESIDENTE DO PDT

Condenado na Lava Jato, ex-presidente mantém pouca interlocução


com partidos de oposição e reduz influência em decisões do PT


Retração. Lula, em evento no Rio, em 2019; petista adota postura discreta na quarentena

HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Ex-ministra. Marina prega união do campo democrático

Ex-ministra critica ação


de Bolsonaro durante


crise, diz que governo


aposta no caos e vê crime


de responsabilidade


Marina Silva (Rede), ex-ministra e ex-senadora


Até o dia 4 de abril, quando aca-
bou o prazo para filiação parti-
dária de quem vai disputar a elei-
ção municipal deste ano, 68 dos
197 vereadores eleitos pelo PT
no Estado de São Paulo tinham
deixado o partido. O número
equivale a um terço (34%) dos
vereadores eleitos.
O principal motivo, segundo
vereadores e dirigentes, é a mu-
dança na lei eleitoral que proi-


biu as coligações para cargos
proporcionais. Incapazes de
montar chapas completas so-
mente com candidatos do PT
em suas cidades, os parlamenta-
res decidiram trocar de sigla pa-
ra manter chances de reeleição.
A debandada é ainda reflexo
da derrota sofrida pelo PT nas
eleições municipais de 2016. Na-
quele pleito, caracterizado pelo
antipetismo na esteira da Lava

Jato, o partido caiu de 69 para
oito prefeitos no maior colégio
eleitoral do país. Dois deles tam-
bém já deixaram o partido.
“Não consegui 11 pessoas pa-
ra fechar uma chapa completa.
Está pesado lidar com isso, te-
nho uma história no PT e pre-
tendo manter o vínculo”, disse
Homero Marques Filho, 35
anos, vereador no quarto man-
dato pelo PT em Palmital, cida-
de de 21 mil habitantes localiza-
da há 415 km da capital.
Homerinho, como é conheci-
do, trocou o PT pelo PSD, parti-
do do prefeito José Roberto
Ronqui, que tenta a reeleição.

De acordo com ele, o motivo foi
pragmático. Em 2016 o partido
não atingiu o coeficiente eleito-
ral e Homerinho teria ficado de
fora se o PT não tivesse se coliga-
do com o PSD e outros partidos.
Segundo ele, o fenômeno
atingiu outros partidos. Dos 11
vereadores da cidade, oito tro-
caram de legenda por causa do
fim das eleições proporcionais.
A debandada preocupa a dire-
ção do PT. “É um desafio a cons-
trução de chapas puras. O PT
tem uma tradição nisso, mas no
interior é mais difícil. Então
acontece de as pessoas saírem
por cálculo eleitoral”, disse a

presidente do partido, a deputa-
da Gleisi Hoffmann.
De acordo com o presidente
estadual do partido, Luiz Mari-
nho, o fim das coligações pro-
porcionais aumentou o poder
dos prefeitos no interior para
atrair vereadores. “O prefeito,
quando está com a caneta na
mão, manobra muito”, disse
Marinho. Segundo ele, até 2012,
o PT crescia a cada eleição no
Estado em São Paulo. “Aí em
2016 veio a tsunami”, lembra o
ex-ministro do Trabalho e da
Previdência, em referência à on-
da antipetista.
De acordo com Marinho, o nú-

mero de eleitos é diretamente
proporcional ao de candidatos.
Em 2012, o PT lançou 6.697 can-
didatos a vereador em São Pau-
lo e elegeu 672 – no mesmo ano
foram 257 candidatos a prefeito
e 69 eleitos. Na eleição seguin-
te, em meio ao “tsunami”, o PT
teve 2.900 candidatos a verea-
dor e elegeu 197 – 102 disputa-
ram prefeituras e oito foram
eleitos.
Em 2020, o PT estima lançar
4.500 candidatos a vereador no
Estado e quer eleger 10% deles.
Serão cerca de 140 candidatos a
prefeito em São Paulo. A meta é
que pelo menos 30 vençam. / R.G.
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