O Estado de São Paulo (2020-05-11)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2020 Internacional A


PEQUIM


Novos surtos de infecções
por coronavírus na Coreia do
Sul e na China e a lotação de
leitos de UTI no Japão aumen-
taram as preocupações de lí-
deres de países asiáticos com
a possibilidade de uma nova
onda de contágios na região.

Ontem, a China registrou 14


novos casos, seu primeiro au-
mento de dois dígitos em 10
dias. Onze das 12 infecções do-
mésticas ocorreram na provín-
cia de Jilin, no nordeste do país,
o que levou as autoridades a au-
mentarem o nível de ameaça em
um de seus municípios, Shulan,
para “alto risco”, apenas alguns
dias depois de rebaixar todas as
regiões para “baixo risco”.

As autoridades disseram que o
surto de Shulan teve origem com
uma mulher de 45 anos que não
tinha histórico recente de via-
gens ou exposições, mas transmi-
tiu para o marido, as três irmãs e
outros membros da família.
A região de Shulan aumentou
as medidas de controle do vírus,
incluindo o bloqueio de residên-
cias, a proibição de transporte

não essencial e o fechamento de
escolas, disse o governo.
Na Coreia do Sul, o governo
começou a voltar atrás em sua
decisão de estimular as pessoas
a retornarem à vida normal ape-
nas com medidas de isolamen-
to social.
No sábado, no quarto dia da
nova fase, o prefeito de Seul,
Park Won-soon, ordenou que to-
dos os bares e boates da capital
fossem fechados indefinida-
mente após 34 novos casos de
infecções por coronavírus se-
rem reportados em menos de
24 horas. Quase 90% dos casos
foi de transmissão local, mar-
cando um forte aumento desde
a semana passada, quando o
país teve vários dias sem infec-
ções locais.
O surto é um golpe no gover-
no da Coreia do Sul, que ganhou
elogios internacionais por seu
eficaz combate ao coronavírus.
Após achatar a curva, o governo
sul-coreano está tentando algo
igualmente difícil: retornar gra-
dualmente e com segurança a
algo semelhante à vida cotidia-
na. Funcionários do governo,

profissionais de saúde e grande
parte dos sul-coreanos sabem
que, até que haja uma vacina,
restrições levarão a mais infec-
ções e possivelmente mais mor-
tes. O truque será fazê-lo sem
permitir que o contágio volte.
“Uma segunda onda é inevitá-
vel”, disse ao New York Times
Son Young-rae, estrategista epi-
demiológico do governo. “Mas
estamos usando um sistema
constante de monitoramento e
triagem, para impedir o núme-
ro de casos volte às centenas ou
milhares. Esperamos diminuir
a propagação e reduzir o tama-
nho a pequenos surtos esporádi-
cos”, disse ele.
A Coreia do Sul teve quase 11
mil casos confirmados do vírus
e relatou 256 mortes. Mas dimi-

nuiu a propagação de várias cen-
tenas de novas infecções regis-
tradas diariamente no final de
fevereiro e início de março, pa-
ra cerca de 10 por dia nas últi-
mas semanas.
O país adotou uma aborda-
gem de testes em massa, rastrea-
mento de contatos por meio de
alta tecnologia, uso quase uni-
versal de máscaras, distancia-
mento social e restrições locali-
zadas em áreas de contágio. Foi
auxiliado por um alto grau de
cooperação pública.
Agora, o país tenta usar as
mesmas ferramentas para evi-
tar um ressurgimento da onda
de infecções, criando uma nova
estratégia em tempo real. “Não
podemos sustentar nossa socie-
dade com nossa vida cotidiana
e atividades econômicas para-
das”, disse o ministro da Saúde,
Park Neung-hoo. “Mas, infeliz-
mente, não conseguimos en-
contrar um precedente para o
que estamos tentando fazer.
Provavelmente, nossa experiên-
cia, com suas tentativas e erros,
servirá de referência para ou-
tras nações no futuro.”
Depois que um homem de 29
anos testou positivo para o ví-
rus na quarta-feira, os epide-
miologistas descobriram rapi-
damente que ele havia visitado
três boates em Itaewon, um po-
pular distrito de vida noturna
de Seul, em 2 de maio. Na noite
de sábado, eles disseram estar
rastreando 7,2 mil pessoas que
visitaram cinco boates de
Itaewon onde o vírus pode ter
se espalhado.
Até agora, 27 casos foram en-
contrados entre os frequenta-
dores de clubes e pessoas que
tiveram contato próximo com
eles, disse Kwon Jun-wok, uma
autoridade sênior de controle
de doenças, durante uma entre-
vista coletiva no sábado.
O prefeito de Seul citou uma
cifra mais alta, dizendo que pelo
menos 40 infecções estavam li-
gadas às boates. Ao fechar os clu-
bes, ele repreendeu os clientes
que não haviam usado másca-
ras, acusando-os de colocar em
risco a saúde de todo o país. “Só
por causa do descuido de algu-
mas pessoas, todos os nossos es-
forços até agora podem ser des-
perdiçados”, disse. /NYT, WP e AFP

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


LONDRES


O primeiro-ministro do Reino
Unido, Boris Johnson, manteve
o bloqueio do país para tentar
controlar o coronavírus até o
dia 1.º de julho, mas apresentou
seu plano de desconfinamento
progressivo. O Reino Unido é o
segundo país do mundo com
mais mortes pela covid-19.


Duramente criticado por seu
relaxamento inicial e por deci-
dir o confinamento mais tarde
que seus vizinhos europeus,
Johnson, que chegou a ser inter-
nado na UTI depois ser infecta-
do pela covid-19, se tornou um
ferrenho defensor da prudên-
cia e da paciência.
Johnson pediu à população pa-
ra “ficar alerta”, amenizando sua
advertência anterior de “ficar em
casa”, enquanto o Reino Unido
se prepara para relaxar seu blo-
queio após sete semanas. “É pre-
ciso ir com calma, para não per-
der o controle e tropeçar.”
Em um discurso transmitido
pela TV, Johnson disse que as

pessoas poderiam se exercitar
ao ar livre, tomar sol nos par-
ques e voltar ao trabalho, se não
puderem fazê-lo em casa. Fora
isso, disse ele, as restrições per-
maneceriam em vigor até o fim
de junho, quando as escolas
também deverão voltar a funcio-
nar. “Este não é o momento de
simplesmente encerrar o blo-
queio”, disse Johnson, ao credi-
tar ao distanciamento social o re-
tardamento da propagação do ví-
rus. “Estamos tomando as pri-
meiras medidas cuidadosas pa-
ra modificar nosso bloqueio.”
Com 31.855 óbitos por corona-
vírus, o Reino Unido tem o
maior número de mortos na Eu-
ropa e o segundo maior do mun-
do, depois dos Estados Unidos.
Hoje, o governo fará a divulga-
ção oficial do plano e o primei-
ro-ministro informará o Parla-
mento sobre as diretrizes.

Atualmente, os britânicos po-
dem sair de casa apenas para tra-
balhar se for imprescindível, pa-
ra ir ao médico, fazer compras
ou exercícios uma vez ao dia.
Esvaziados desde o início do
confinamento, os grandes par-
ques londrinos já registraram
neste fim de semana uma multi-
plicação das atividades.
Diante das graves consequên-
cias econômicas das sete sema-
nas de confinamento, o gover-
no estuda permitir o retorno
aos locais de trabalho das pes-
soas que não podem optar por
dar expediente em casa.
O governo anda estuda a pos-
sibilidade de estabelecer uma
quarentena de 14 dias para to-
das as pessoas que entrarem no
país, exceto as procedentes da
Irlanda, e aumentar as multas
para quem infringir as regras de
confinamento. / NYT e AFP

Grécia mantém


imigrantes em


confinamento


l Culpados
“Só por causa do descuido
de algumas pessoas, todos
os nossos esforços até agora
podem ser desperdiçados”
Park Won-soon
PREFEITO DE SEUL

Ásia teme outra


onda de infecções


com novos casos


China e Coreia do Sul registraram aumento de infectados por


coronavírus menos de uma semana depois de reabertura parcial


Medo. Grupo tradicional chinês se apresenta em Pequim com máscaras; aumento do número de casos fez governo isolar província no nordeste do país


A natureza e o verdadeiro escândalo da covid-


l]
FAREED
ZAKARIA
THE WASHINGTON POST

Primeiro-ministro
pede para a população


ficar ‘alerta’ e diz que é


preciso ir ‘com calma


para não tropeçar’


ATENAS

A Grécia vai estender o bloqueio
total imposto em março aos
campos de imigrantes para ten-
tar controlar a expansão do no-
vo coronavírus, apesar de levan-
tar boa parte das medidas de con-
finamento no país a partir de ho-
je, disseram as autoridades.
“As medidas de confinamen-
to contra o coronavírus para
aqueles que vivem em campos
de imigrantes e em centros de
acolhimento na Grécia estão
prolongadas até 21 de maio”, dis-
se o Ministério de Migração e
Asilo em comunicado no domin-

go, seis dias após o primeiro alí-
vio do bloqueio geral no país.
O ministério não disse por
que o bloqueio do campo estava
sendo estendido.
O governo grego adotou uma
série de medidas para tentar
controlar os casos de coronaví-
rus no final de março, mas co-
meçou a aliviá-las na semana
passada, por causa do aparente
sucesso alcançado em contro-
lar o surto. Na Grécia, foram re-
gistrados 2.710 casos de corona-
vírus e 151 mortes.
Até agora, não houve casos de
coronavírus nos campos das
ilhas Egeu, segundo as autorida-
des. No continente, no entanto,
dois campos e um hotel que aco-
lhem requerentes de asilo fo-
ram bloqueados em abril após
testes positivos de coronavírus.
Segundo a ONU, há 120 mil re-
querentes de asilo na Grécia. /AFP

CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS

O


governo Trump tenta fazer
os Estados Unidos embarca-
rem em uma onda de senti-
mento antichinês porque o coronaví-
rus pode ter sido acidentalmente
transmitido de um laboratório em
vez de um mercado. Mas a pergunta
mais ampla que deveríamos fazer é
por que há tantos casos de vírus trans-
mitidos de animais para humanos
nos anos mais recentes. Sars, Mers,
ebola, gripe aviária e gripe suína co-
meçaram como vírus de animais e in-
fectaram humanos. Por quê?
Peter Daszak é um ecologista es-
pecializado em doenças e conheci-
do “caçador de vírus”. Ele explora

cavernas de morcegos usando equipa-
mento de proteção completo para re-
colher a saliva e o sangue dos animais
para determinar as origens de um ví-
rus. Conversando comigo, ele deixou
claro: “Todos os dias, fazemos coisas
que tornam as pandemias mais prová-
veis. Temos que entender que não se
trata apenas da natureza, mas do que
estamos fazendo com a natureza.”
Lembremos que a maioria dos vírus
vem de animais. O Centro para a Preven-
ção e Controle de Doenças estima que
três quartos das novas doenças huma-
nas se originaram em animais.
O coronavírus pode simplesmente
ter vindo de um dos mercados e açou-
gues da China onde animais silvestres
são abatidos e vendidos, prática que de-
veria ser proibida em todo o mundo.
Mas, conforme a civilização humana se
expande, estamos também destruindo
o hábitat dos animais silvestres, trazen-

do-os cada vez mais perto de nós. Cien-
tistas acreditam que isso está tornando
muito mais provável a transmissão de
doenças dos animais para os humanos.
O vírus da covid-19 parece ter se ori-
ginado nos morcegos, que são incuba-
dores particularmente prolíficos para
os vírus. Os cientistas ainda estão estu-
dando o que aconteceu, mas, em ou-
tros casos, vimos como o avanço huma-
no pode levar os morcegos a procura-
rem alimento nas fazendas, onde infec-
tam os animais da pecuária.
Há outros rumos para os patógenos.
O mais provável está ligado ao nosso
insaciável apetite por carne. Confor-
me os habitantes do mundo enrique-
cem, eles tendem a aumentar seu con-
sumo de carne. Cerca de 80 bilhões de
animais terrestres são abatidos todos
os anos para satisfazer o consumo de
carne do mundo. A maioria dos ani-
mais da pecuária de corte está em fa-

zendas industriais. São milhares de ani-
mais em um espaço apertado, em con-
dições quase perfeitas para a incuba-
ção e disseminação de um vírus, que se
torna mais agressivo a cada salto. Sigal
Samuel, da Vox, cita o biólogo Rob Wal-
lace: “As fazendas industriais são a me-
lhor maneira possível de selecionar os
patógenos mais perigosos”.
As fazendas industriais são também
o marco zero de novas bactérias resis-
tentes a antibióticos, que são outro ca-
minho para a infecção humana genera-
lizada. Animais criados em fazendas in-
dustriais são bombardeados com anti-
bióticos, o que significa que as bacté-
rias sobreviventes são altamente po-
tentes. Todos os anos, cerca de 2,8 mi-
lhões de americanos adoecem por cau-
sa de bactérias resistentes a antibióti-
cos, dos quais 35.000 morrem.
E temos a mudança climática, que
intensifica todos esses processos. Con-

forme alteramos ecossistemas e
hábitats naturais, doenças antes
dormentes podem vir à tona, para as
quais não temos imunidade.
Em maio de 2015, dois terços da
população mundial de saigas, um pe-
queno antílope, morreram subita-
mente no intervalo de poucos dias.
Uma bactéria chamada Pasteurella
multocida , que há muito vivia no ani-
mal sem causar-lhe mal, tornou-se
subitamente virulenta. Por quê? Ed
Yong, da Atlantic, explica que a re-
gião estava se tornando mais tropi-
cal, e 2015 foi um ano particularmen-
te quente e úmido. “Quando a tem-
peratura aumenta demais e o ar fica
muito úmido, as saigas morrem. O
clima é o gatilho, e a Pasteurella é a
bala.” O verdadeiro escândalo não é
o que a China nos fez, e sim aquilo
que, juntos, estamos fazendo com o
planeta – algo que só podemos deter
juntos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

]
É COLUNISTA

ARTIGO


Johnson anuncia plano de


reabertura ‘com cautela’

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