Valor Econômico (2020-05-09,10 e 11)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 4 da edição"11/05/20201a CADA" ---- Impressa por cgbarbosaàs 10/05/2020@21:16:


A4| Valor|Sábado,domingoe segunda-feira, 9, 10 e 11 de maiode 2020

Brasil


IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


ConjunturaDificuldadedoTesouroemrolardívidapúblicatambémcolaborou


Caixa do governo recuou em


março com elevação de gasto


Segundoo diretor da IFI, JosuéPellegrini,tendência deverá se aprofundar

MARCOSOLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO

Fabio Graner
De Brasília

O caixa do governoteve forte
queda em março e deve conti-
nuar nessa trajetória nos meses
seguintes. Dados do Banco Cen-
tralmostramqueovalordaconta
únicadogovernofederal,quefica
depositado na autoridade mone-
tária, caiu de R$ 1,39 trilhão em
fevereiro para R$ 1,23 trilhão. O
recuoequivaleacercade2,3pon-
tospercentuais do ProdutoInter-
noBruto(PIB)nessacomparação,
mas é ainda mais forte quando
olhado ante dezembro, quando
somavaR$1,48trilhão.
Odesempenhorefleteoaumen-
to de gastos públicos por contada
pandemiado coronavíruse a difi-
culdade de renovaçãoda dívida
pública peloTesouro. Nesse qua-
dro, aquedano caixatem outro
efeito, a elevação das chamadas

operações compromissadas, que
em março atingiram R$ 1,19 tri-
lhão, com saltode 2,4 pontos per-
centuaisdoPIB ante fevereiro.Em
dezembrodo ano passadoelas es-
tavamabaixodeR$1trilhão.
Essasoperações em que o BC
vendetítuloscom compromisso
de recompra elevam adívida
brutado governo, que já encosta
na casa dos 80% do PIB. Esão fei-
tas peloBancoCentralparaga-
rantirque ojuro básico(Selic)
fiquepróximoda taxa definida
periodicamentepeloComitêde
PolíticaMonetária (Copom).A
Selic hoje está em 3% ao ano.
Alémdaquedanocaixa,ascom-
promissadassubiramporcontada
liberação dos depósitos compul-
sórios, dinheiro que os bancosre-
colhem junto ao BC. Essa medida
foiadotadaparaestimularcrédito.
Mas, ao ampliar aoferta de recur-
sosnaeconomia(liquidez),aauto-
ridademonetáriausa as compro-
missadas para enxugar uma parte
do dinheiro e manter o juro básico
nonívelqueelajulgaadequado.
O volume das compromissadas

Mortes superam11,1 mil, mas Bolsonaroquer


mais categorias como‘serviçosessenciais’


Isadora Peron e FernandoExman
De Brasília

Onúmero de registros de mor-
tes de pacientes infectados pelo
novo coronavírus em24 horas
atingiu496 no Brasil, somando
um total de 11.123 óbitos, infor-
mouontem o Ministério da Saú-
de. Já os casosconfirmadosdeco-
vid-19 ficaram em 6.760 no perío-
do e passaram a somar 162.699.
Comessasinformações, oBra-
sil permanececomoopaís com
o sextomaiornúmerode mor-
tes, de acordo comdados da
UniversidadeJohnsHopkins.O
país fica atrásde EstadosUnidos
(79.495óbitos), Reino Unido
(31.930), Itália (30.560), Espa-
nha (26.621)e França(26.383).
O presidente Jair Bolsonaro,
contudo, afirmouontemque vai
incluirnovascategoriasnos ser-
viçosessenciaisque podemcon-
tinuarfuncionandoem meioà
pandemia.Ele tambémvoltoua

culpargovernadores e prefeitos
peloisolamento. “Amanhã [ho-
je] devo botar mais algumas
profissões comoessenciais.Eu
abri.Já que eles [governadorese
prefeitos] não queremabrir, a
gentevai abrindo aí”, disseBol-
sonaroao falarcom apoiadores
na portado Palácioda Alvorada.
O presidentenão deu detalhes
de que setoresserãoabertos.
Opresidentesinalizou,ainda,
que vai sancionar comvetoso
projetoaprovadopeloCongres-
so Nacionalde ajudada Uniãoa
Estadose municípios.A propos-
ta deixou váriascategoriasdo
funcionalismode fora do conge-
lamentode saláriosde servido-
res públicos,propostopelogo-
verno. “Amanhãagentesancio-
na o projetocom veto e está re-
solvido... Temtudo pra dar certo,
apesardos fechamentos por aí”,
afirmouBolsonaro.
Em suas redessociais,ominis-
tro da Saúde,NelsonTeich, por

‘Lockdown’ deve vir ‘antes tardequenunca’, dizespecialista


CristianKlein
Do Rio

Comoagravamento da pande-
mia do novo coronavírus, especia-
listas de diversas áreastêm sido
ouvidos por autoridades para
aconselharem políticas de enfren-
tamento à doença, entre elas a ne-
cessidade de se realizar um confi-
namento da população, o chama-
do “lockdown”. Presente em três
comitêsdecrise, entreelesaCo-
missão Ciência RJ no Combateà
Covid-19 (ComCiênciaRJCovid),
criada na quarta-feira pelo gover-
no do Rio, a médicaMargareth
Dalcolmo, pesquisadora da Fun-
daçãoOswaldo Cruz (Fiocruz),
consideraque opaís perdeu o“ti-
ming”paraamedida,maseladeve
ser feita “antes tarde do que nun-
ca” mesmoque, para isso, seja ne-
cessário se recorrer àintermedia-
çãocomacriminalidade.
“AquinoRionossarecomenda-
ção,pelocomitêdecontingência,
foi muito explícita. Se não tiver-
moso apoiodas liderançasco-
munitárias,quaisquer quesejam
elas, nós nãovamos conseguir.
Vaideclararo‘lockdown’evaige-
rar violência, porque vamos con-
tinuar vendo aglomeração. Você
sabe que essas comunidades to-
das têm lideranças,de qualquer
natureza, religiosa, não importa.
Tem que ser com a anuência e o
apoio explícito deles”, disse Mar-
gareth, que também participa do
grupo de especialistas que presta
consultoria ao gabinete de crise
montadopelo governador Wil-

sonWitzel(PSC),voltadoparato-
madas de decisão mais urgentes
contraapandemia.
Aposição da pesquisadora,
uma das pneumologistas mais
experientes do país, coincide
coma do ex-ministro da Saúde
Luiz Henrique Mandetta (DEM),
que causou polêmica há um mês,
quando ainda estava no cargo, e
defendeuodiálogocomtrafican-
tes emilicianos para combater o
novocoronavírus.Umadasmaio-
res preocupações é o aumento do
númerodecasosedemortespela
covid-19 nas favelas cariocas.Na
quinta-feira, oRio ultrapassou
São Paulo pelaprimeiravez ere-

gistrou omaior númerodeóbi-
tos. Foram189 mortes, maisdo
queodobro do diaanterior,que
já havia sido um recorde,com 82
mortes. O aumento acendeuo si-
naldealerta, ainda queboa parte
do crescimento se devaauma
atualização de óbitos ocorridos
em abril,pois oRio tem cerca de
38%dapopulaçãodeSãoPaulo.
Para Margareth, aeficácia do
“lockdown” dependedo engaja-
mentodetodos,eoEstado,afirma,
às vezesestá substituídopor “al-
gunspoderes” quenão são exata-
mentelegais, em territórios domi-
nados por criminosos, comoas fa-
velas. Em suaopinião, asituação

requer oenvolvimento de todas as
lideranças: “Qualquer uma, de
quemtenha reconhecimento da-
quela comunidade comouma voz
legítima,emquepeseoquefaça”.
Para otambém médico e presi-
denteda Fundação de Amparoà
PesquisadoEstadodoRiodeJanei-
ro (Faperj), Jerson LimaSilva, coor-
denador do ComCiênciaRJCovid,
formado por 18 especialistas, en-
tre eles o economistaArminio Fra-
ga, as associações de moradores
devem ser o principal canalde
contato do poder público nestas
áreascontroladas pelotráfico ou
pela milícia. Mas nãodescarta que,
paraaeficácia do “lockdown”, se

envolvaaárea desegurança dogo-
vernoestadual.Professortitulardo
Instituto de Bioquímica Médica da
UniversidadeFederal do Rio de Ja-
neiro(UFRJ), Silva considera que a
declaração de Mandetta foi“meio
infeliz”,porquenumademocracia,
argumenta, “nãopodemos nego-
ciarcomocrime”.
“Temosqueteroutrasferramen-
tas. Ogoverno vaiterque traçares-
saestratégia,comaboapropagan-
da ecampanhas de conscientiza-
ção”,afirma.Paraoprofessor,o“lo-
ckdown”no Rio podeter umagra-
dação eoalcance da medidaeven-
tualmentedeve proibiraté entre-
gas de produtos em domicílio.
“Mas achoque não caberia fazer
emtodooEstado”, diz.
SegundoomatemáticoTiago
Pereira,do Institutode Ciências
Matemáticasede Computação
da Universidade de São Paulo
(USP), os governostêm adotado
medidas“no escuro”, sem conhe-
cer realmenteseus impactos,por
falta de dadosconfiáveis da pan-
demia. “Fechar um bar,por
exemplo, ou o comércio.Não se
sabe exatamenteos impactospa-
ra reduzirproliferação. No escu-
ro,fechamtudo”, afirma.
Premiado internacionalmente
por estudosde tempos ideais de
diagnósticos para erradicação de
epidemias, Pereira desenvolve
trabalho com pesquisadores da
UniversidadeEstadual de Campi-
nas (Unicamp) compropostas
para controleda pandemia. A
ideia é desenvolver modelos ca-
pazes de gerar protocolos de iso-

lamento social integrando re-
giões, já que medidas adotadas
em uma cidade influencia outras.
“Cadacidadeterásuasoluçãoóti-
ma. Não é preciso que todos fi-
quem em isolamento ao mesmo
tempo, ede formaconstante”, diz
ele, que prevê duração de um ano
e meio a dois anosde isolamento
social,deformaintermitente.
Para Margareth Dalcolmo, a
chegada de umavacinasó deve
ocorrer, na melhordas hipóteses,
nestemesmo prazo, de um anoe
meioa dois anos.Mesmoassim, o
novonormalpós-pandemia, diz a
médica, alterará muito amaneira
de se ocupar espaços públicos.
Ninguém mais reunirá 20 mil pes-
soas nummesmolugar,assim co-
mo o transporteaéreo vai mudar
bastante,pois é uma“fonte de
transmissãoabsurda”, aponta.
Apneumologista afirma queo
“lockdown” já deveria ter sido de-
cretado há três semanas, quando
se observouum pequeno relaxa-
mentodoisolamento social. Oes-
forço, diz, éprejudicado pelo des-
serviço do discurso oficial, sobre-
tudode Jair Bolsonaro,contrário à
quarentena.Em suavisão, acon-
duçãoda crisepelo presidente é
“um desastre do pontode vista so-
cialehumanitário”.
Um dos riscos, alerta,éque ase-
gundaondadapandemiasejapior
do queaprimeira. “Nãotemosdú-
vidadequevirá.Sóesperoquenão
seja comofoi na gripe espanhola,
em 1918, quando amaioria das
mortes ocorreu seis mesesdepois”,
diz.(ColaborouBruno VillasBôas)

Margareth Dalcolmo:“Se não tivermos apoio das liderançascomunitárias, quaisquerque sejam, não vamosconseguir”

MÁRCIO ALVES/AGÊNCIA O GLOBO

só não foi maiorpor conta das in-
tervenções no câmbio.Aovender
dólares, oBC retirareais da econo-
mia,reduzindo as compromissa-
das eadívida bruta. Enquantoa li-
beraçãode compulsórios injetou
R$ 108 bilhões na economia,as
vendas de dólares àvista retiraram
R$91bilhões,emmarço.
Apesardaquedanocaixadogo-
verno,ocolchão aindaéalto enão
representa um riscopara rolagem
da dívida. Cerca de metade dos
R$ 1,23trilhão é reservada ao pa-
gamento de dívida. Agora, aoutra
metadetemsuamaiorpartevincu-
lada a despesaspreviamente defi-
nidas e umapartede recursos li-
vres de uso era de poucomais de
10% do total edeve se esgotar rapi-
damenteàmedida que ogoverno
faz seusgastos paraoenfrenta-
mentoda crise, o que podedificul-
taragestãoorçamentária.
“Maspartedadívidaquetemser
controladaparanão ficar muito
próxima de zero”, comenta uma
fonte do governo, lembrando que
oTesouroconsideraquenãoécon-
veniente ficar com volumes infe-

riores atrês mesesde vencimento
de dívida, porque ficariammais
sujeito a pagarpreços maisaltos
emsuasemissões.
Para o diretor da Instituição Fis-
cal Independente (IFI), JosuéPelle-
grini,aquedanacontaúnicaécon-
sequênciadiretado maiorvolume
de gastosedo fatodeoTesouro es-
taremitindomenostítulos.Eomo-
vimentovai continuar. “Ele está
usando dinheiro para gastare se-
gurando emissõesde títulos,pro-
vavelmente em uma queda de bra-
ço com o mercado. OTesourodeve
acharqueestãocobrandodemaise
nãoestáquerendoemitir.”
Ele explica que o espelho dessa
maiorinjeçãode dinheiro na eco-
nomia é oaumento das compro-
missadasedadívida. “As compro-
missadas devem subir ao menos
R$ 85 bilhões em abril. Acontece o
que já ocorreu em março.OTesou-
ro nãoestá rolandoos títulos, emi-
tindo pouco”, avaliou, lembrando
também do impacto da liberação
decompulsóriosnesseestoque.
Pellegrininãoenxergariscodeo
caixa do governozerar, pois ainda

haveriacerca de R$ 400 bilhões
adicionais do resultado positivo
do BancoCentral que, emcaso de
necessidade, oConselho Monetá-
rio Nacional pode determinar que
sejamtransferidosaoTesouro.
O ex-secretário de Política Eco-
nômicadoministériodaFazendae

especialista em política fiscal Ma-
noelPiresdizqueemabrildeveser
pior em termosde redução de cai-
xaealtadascompromissadas.Para
ele, não está no cenário a conta
única zerar. “Em princípio,oTe-
souropodeemitir dívida [parare-
compor],sóvaisairmaiscara”.

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Fonte:Ministérioda Saúde.Elaboração:ValorData.Obs:Atéas 19:00do dia 10/mai/

EpidemianoBrasil
Númerode mortosultrapassa11,1 mil no país

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36.

72.

108.

144.

180.

Casosacumuladosno país

5510 15 20 25 30
Abril

1 10
Maio

5510 15 20 25 30
Abril

1 10
Maio

162.

11.13019.

40.5 81
28.32 0

58.

85.

486 1.

2.
1.

4.

5.

7.

11.

496
435
346

113

204
115
54

Númerode mortespor diasnos últimos36 dias

Abril

5678910111213141516171819202122232425262728293012345 678910
Maio

Númerode mortesacumuladas

114.

600

suavez,lamentouofatodeque
as mortesno Brasilpela doença
haviam,na véspera,superadoo
númerode 10 mil. “Hoje[on-
tem],dia 10 de maio, amanhece-
moscomumaenormedualidade
de sentimentos,que por um lado
nos traz aalegriade um dia tão
especialcomoo Dia das Mãese
por outroa tristezae sofrimento
de ter atingidoaterrível marca
de maisde 10 mil mortes por co-
vid-19noBrasil”,afirmouTeich.
Nacomparaçãocomoboletim
anterior, ataxa de letalidadeda
covid-19no país osciloude 6,8%
para 6,9%. Até ontem havia
64.957 casos recuperados, o
equivalentea39,9%dototal.
De acordo comos números di-
vulgados ontem, oEstadode São
Paulo continua na liderança da
lista de casos confirmadosdaco-
vid-19 e de óbitos—45.444 e
3.709, respectivamente.Na se-
quência, aparece o Rio de Janeiro,
com17.062casose1.714mortes.

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