JornalValor--- Página 8 da edição"11/05/20201a CADA" ---- Impressa por cgbarbosaàs 10/05/2020@21:12:
A8|Valor| Sábado,domingoe segunda-feira, 9, 10 e 11 de maiode 2020
Política
Epidemiade projetos sobre fakenews na caladada covid-
Legislativosestaduaispedemurgênciana aprovaçãode leis contranotícias falsas
Alagoas PLOnº 311/2020Divulgaçãoou compartilhamentode notícia ou informação
sabidamente falsasobre epidemias, endemiase pandemias,
que altere,corrompaou distorçaa verdade
Amazonas PLOnº 147/20^20 De 1.000,00a 10.000,
5.394,
Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou similarnotícia
falsasobreepidemias, endemias e pandemias
Bahia PL nº 23.796/2020 Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou similar De 21,28 a 212,
notíciafalsasobre epidemias,endemias e pandemias
Ceará Lei nº 17.207/2020 Divulgarfakenews sobreepidemias, pandemiase endemias De 224,49a 2.244,
EspíritoSanto PL nº 195/2020 Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou De 70,17a 701,
similarnotíciafalsasobreepidemias,endemias
e pandemias no Estado
MatoGrosso PL nº 225/202 Dolosamente divulgarnotíciafalsasobre De 3.031,60a 30.316,
epidemias, endemiase pandemias
MinasGerais PL nº 1307/2019 Divulgaçãoou compartilhamentode notíciaou 5.225,
informação sabidamente falsaque altere,
corrompaou distorçaa verdade,que afete
interessepúblicorelevanteou que viseà obtenção
de vantagem de qualquernatureza
PL nº 1604/2020 Divulgaçãoou compartilhamentode notíciaou informação De 113,48a 14.846,
sabidamente falsaacercadas epidemias,endemiase pandemias
PL nº 1780/2020 Dolosamente divulgarnotíciafalsasobre epidemias,endemias De 742,32a R1.855,
e pandemias
Estado LeiLeiououProjeto/Projeto/AnoAnoDescrição Multasprevistas,emR$
Pará PL nº 134/2018 Programade Enfrentamentoà Disseminaçãode fakenews,
na internet ou telefonia móvel,em detrimento de pessoa
físicaou jurídica
Pernambuco PL nº 1070/2 020 Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou similarnotícia
falsasobreepidemias,endemias e pandemias
De 53,20a 212,
Piauí PL nº 61/2020 Divulgaçãoou compartilhamentode notíciaou informação
sabidamentefalsa relacionado à covid-
706,
RiodeJaneiro PL nº 3895/2018 Programa de enfrentamentoà disseminaçãode fakenews
PL nº 2248/2020Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou similarnotícia
falsasobreepidemias,endemias e pandemias
1.422,
PL nº 2248/2020 Dolosamentedivulgarpor meioeletrônicoou similarnotícia
falsasobreepidemias,endemias e pandemias
De 711,00a 1.777,
Rondônia PLOnº 498/2 020 Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou similarnotícia
falsasobreepidemias,endemias e pandemia
De 21,28a 212,
SantaCatarina PL nº 0054.4/2019 Divulgaçãoou o compartilhamentode notíciaou
informação sabidamentefalsa, que afeteinteresse
públicorelevanteou que viseà obtençãode vantagem
de qualquernatureza
5.000,0 0
PL nº 0433.0/2019 Idênticoao item acima 5.225,
SãoPaulo PL nº 199/2020 Dolosamente divulgarpor meioeletrônicoou similarnotícia
falsasobreepidemias,endemias e pandemias"
5.522,
DistritoFederal PL nº 1117/2020 Idênticoao item acima De 21,28a 212,
Lei 6.377/2019 Divulgação,produçãoou compartilhamentode propaganda
enganosaou de fatosinverídicos,comresponsabilizaçãotambém
do provedor
De 1.000,00 a 15.000,
Fonte:InstitutodeLiberdadeDigital- SãoPaulo
LegislativoLevantamentomostraquehá23propostas
emtramitaçãonasAssembleiasestaduais;3viraramlei
Estados têm epidemia
de projetos sobre
‘fakenews’ da covid-
MaluDelgado
De São Paulo
A pandemia de covid-19tem
provocado um fenômenopolítico
nas Assembleias Legislativas do
país:at ramitaçãode uma avalan-
chedeprojetosdeleicomprevisão
de puniçõespara casosde divulga-
ção ou compartilhamentode “fa-
kenews” sobre a doença ou qual-
quer outrotipo de epidemia e en-
demia. Levantamentofeito pelo
Instituto de Liberdade Digital, em
São Paulo, revelaque 23 projetos
de lei estaduais foramapresenta-
dosparacoibiradivulgaçãodeno-
tícias falsas, sendo que 18 deles
tratam especificamente de covid-
19, e outros cinco abordam“fake-
news”emgeral. Dessetotal, ape-
nas dois foramapresentados antes
da ondade disseminação do novo
coronavírusnesteano.
A maioriadas matériascome-
çou atramitar em março eabril. Já
foramaprovadoseviraramleipro-
jetos estaduais no Pará, Paraíba,
Cearáe Distrito Federal. Na última
sexta-feira, ogovernador do Pará,
Helder Barbalho (MDB),vetou in-
tegralmente um projeto aprovado
pela Assembleia, explicando haver
víciodeinconstitucionalidade.
“É umaepidemiade projetos
de lei”, alerta Beatriz Moraes,
uma das pesquisadorasdo insti-
tuto,advogadaespecializada em
direito digitale internacional.
Segundoela, praticamentetodos
os projetostramitamem regime
deurgêncianosLegislativosesta-
duais.Para DiogoRais,diretor-
geraldo InstitutodeLiberdade
Digital,qualquertipo de legisla-
ção que envolveinterneteliber-
dadescivis pressupõeum amplo
debate popular,comoocorreu
comoMarcoCivilda Internet.
“Agoraestamosvendosituações
queafrontamomarcocivilnaca-
lada da covid”, diz Rais. A pesqui-
sa faz partede um projetorecen-
te do instituto, “Na caladada co-
vid—enquantotodomundoestá
de olhona pandemia,tem gente
deolhonaliberdadedigital”.
Todos os projetos propõem
multasparaquempublicarou
compartilharnotíciasfalsasou
“sabidamente falsas” sobre a
pandemia.Os valoresda multa
variamde valoressimbólicos,co-
mo R$ 21,28,nos casosdas pro-
posições da Bahia,Rondôniae
DistritoFederal,podendochegar
a cifras salgadas, como R$
30.316,00 no MatoGrosso. De
acordocom BeatrizMoraes, pelo
menos11 projetospossuempa-
rágrafosidênticosegenéricos,
sem definirqual é oconceitode
“fakenews”eaq uemcabefazer
essa avaliação.Outro problema,
segundo apesquisadora,éque
todososprojetosremetemauma
regulamentação para as puni-
ções,apósasançãodalei.
Alémda complexidadedo de-
bate, da superficialidade dos
projetoseda falta de transparên-
cia paradiscutiro assunto nos
Legislativos estaduais,Rais pon-
tua algo aindamaisgrave no fe-
nômeno: écompetênciaprivati-
va daUnião, segundoo artigo 22
da Constituição, legislarsobrea
regulamentação da internet, por
se tratardedireitocivil. Estadose
municípiospodem ter compe-
tênciascomplementares e exclu-
sivas,observaoprofessor, mas
esse não pareceser o casodos
projetosdeleisobre“fakenews”.
“OargumentodosEstadoséque
a disseminaçãode ‘fakenews’ so-
bre apandemia se referea ques-
tões sanitárias, saúde pública. Há
vários ângulos para olhar para es-
sas legislações. União,Estados e
municípios têm o dever de cuidar
da saúde pública. Mas,na minha
opinião, essesprojetos eleis ferem
frontalmente a Constituiçãoeisso
vai acabar nos tribunais”, senten-
cia o diretor-geraldo instituto.O
ideal, segundo ele, seria o Supre-
mo Tribunal Federal proibir legis-
lações deste tiponumasúmula
vinculante: “Estãolegislando so-
bre internet, e internet é prerroga-
tiva reservadaàUnião.Provavel-
mente todas essasleis são nati-
mortosjurídicos.”
Outroaspecto preocupante da
escalada de projetos é que o tema
das“fakenews”,naopiniãodeRais,
é um debate que ficou contamina-
do no governoBolsonaro. “Essa
pauta das ‘fakenews’ foi tão politi-
zadaque regularnotícias falsas é
comose fosse atacar a pauta de
Bolsonaro”, justifica.Oconteúdo
dosprojetoséperigoso,alertaBea-
triz Moraes, porque nenhum deles
explicita quemvai determinar o
que é“fakenews”, e quemaplica a
multa. “Nada é regulamentado,
pouquíssimos projetos falam de
procedimentos. Éextremamente
preocupante.”
Seguindoessa mesma ondade
proliferação, oprofessor Diogo
Rais pontua que já foi criada, in-
clusive, uma “agência estatal de
checagem de ‘fakenews’”, no Cea-
rá. Segundoodiretordoinstitu-
to, é impossível que o Estado pos-
sa ser o checador de “fakenews”,
pelo fatode não ter independên-
cia para as checagens. A medida,
acrescenta, coloca ainda sob sus-
peita o sério trabalhofeito por
agências de checagem profissio-
naisetotalmenteindependentes.
A pauta das “fakenews” é extre-
mamente relevante, diz Rais, e os
governosdevemfocaremtrêspila-
res: prevenção,educaçãoepuni-
ção.Projetosdeleidevemobservar
aeficácia eaefetividadede puni-
ções,defende. “Toda vez que se
pensaem restrição de direito,a
medida tem que ser necessária,
adequada e deve haver proporcio-
nalidade.Hánecessidadedeleipa-
ra “fakenews”, mas essas legisla-
ções não sãoadequadas, simples-
menteporquenãosãoefetivas.”
‘Democracidas’exigem
cautela,alertaofilósofo
Mario Sergio Cortella
JoãoLuiz Rosa
De São Paulo
“Numasociedade democráti-
ca, éprecisocautelacom os ‘de-
mocracidas’”, alertou oprofessor
e filósofoMarioSergio Cortella,
sexta-feira,na “LivedoValor”.
“Democracidas”, explicou, são
aqueles que usamas estruturas
democráticasparatentar elimi-
nar o sistema. “A democracia
também precisa ter seusmeca-
nismosdedefesa”, afirmou.
Cortellacitouuma frasedo fi-
lósofo austro-britânico Karl Pop-
per (1902-1994), considerado
um dos pensadoresmaisimpor-
tantesdoséculo20:“Éprecisoser
intolerantecom os intolerantes”.
A frase,disse,merecereflexão es-
pecial. Ele advertiuque há pes-
soas que, usandoaboa-fédos to-
lerantes,são capazesde esmagar
a tolerânciano convívio social.E
que isso não podeser admitido.
“Nãose podetolerara intolerân-
cia”,disse.
Autor de maisde 40 livros,
Cortellafalousobrecomoviver
na era da incerteza ao editorde
cultura doValor, RobinsonBor-
ges. Disseque conflitoeconfron-
to são conceitosdiferentes,que
não podem ser confundidos.
Conflito,que definiucomoadi-
vergência entreideiaseposturas,
éresolvidocomabuscapelocon-
senso.Mesmoque se tratede um
arranjo temporário, o conflitoé
necessário à sociedade porque
espelhapontosde vista distintos.
Confrontoé diferente. Traz um
perigo inerente porque pressu-
põe aideiade eliminação.“Te-
mos,agora,de confrontaro ví-
rus, não as pessoas. Podemoster
conflitosde ideiascomoforma
de enfrentar apandemia.Mas
confrontoécomovírus.”
Apandemiaestabeleceu no-
vos dilemas éticos.O médicoque
vier aser obrigadoa escolher,en-
tre seus pacientes,quaisusarão
respiradores, no caso de onúme-
ro de equipamentosser insufi-
ciente,éresponsávelpeladecisão
tomada. Mas não éculpado—no
sentidojurídicoouético.
“A culpaadvém,em largaesca-
la,detodaacadeiadepessoas,de
autoridades, de estruturasmer-
cantisque impediram que à bei-
ra do leitoexistissemrespirado-
res suficientes”, afirmou. A ponta
do atendimento não podecarre-
gar a culpapelodano causado
por um conjuntodecircunstân-
cias estabelecidomuitoantesda
decisãomédicaemsi.
Aonda negacionistaem rela-
ção à pandemiatem sido consi-
derada,por especialistas,como
um dos fatoresde agravamento
da crisedo sistemahospitalar,
que está pertodo esgotamento.
Semrespeitaroisolamentoso-
cial, por não acreditarna gravi-
dadeda pandemia,maispessoas
se contaminam,sobrecarregan-
do os hospitais.Ao comentar o
assunto,Cortellacitououtrofiló-
sofo,oa lemãoFriedrichHegel
(1770-1831):“Quem exagerao
argumento,prejudicaacausa”.
Um coisa,disse,é adotaruma
abordagemmaisserenaem rela-
ção à doençapara impediro pâ-
nico. Outraé oque ele chamou
de “tempode autoengano”. Em
nomede evitaro desespero entre
apopulaçãoou os efeitos colate-
rais do combateà pandemia,a
existência do problematem sido
negada,oqueaumentaaameaça
porque mantém a população
despreparada. “Quando a nega-
çãodeixaoutrapessoaemestado
de vulnerabilidade,o efeitoé
muitomalévolo”, afirmou.
Umafrase antiga—“contra fa-
tos não há argumentos” —ga-
nhou umareedição mais apro-
priada àera digital, disseopro-
fessor: “contrafotos não há argu-
mentos”.Embora imagenseví-
deos mostrem, diariamente, fa-
miliaressofrendoecorposdevíti-
masacumulados,háquemnegue
a gravidade da situação.“É uma
perturbação da compreensão e
umacolisãodeaceitaçãoemrela-
çãoàrealidade,oqueindicainsu-
ficiência cognitiva”, disse.Adifi-
culdade não é só de reflexão, mas
decooperação,afirmou.
Atendência de buscarculpa-
dos paraos problemas—como
as recentes campanhasde difa-
mação contraa China—é co-
mumna históriada humanida-
de, disseCortella.Agripe espa-
nhola [pandemiaque durouen-
tre 1918e1920], não começou
na Espanha, comoonome suge-
re, mas nos Estados Unidos,ci-
tou. Segundoo filósofo, atribuir
a culpaa um terceiroamenizaa
responsabilidadede lidarcom as
consequênciasdosproblemas.
Odebatesobre oesforçopara
salvar vidasversusreativar aeco-
nomianão podelevarem consi-
deraçãoapenascomoresistirà
crisenos próximosmeses.Indiví-
duose organizações tambémde-
vempensaremqualseráaheran-
ça éticadeixadadepois de supe-
radaa pandemia.“Sobreviveré
umaideiaexpressiva,masnão
podeser a qualquercusto”, afir-
mou.Asescolhas,disseoescritor,
precisamlevarem contaquais
sãoasprioridadesconcretas.
Tantonocampodaéticapessoal
quanto no da empresarialexistem
coisas que podemser feitas para
sobreviver, embora não devam ser
feitas.“[Sãoações]quemanchama
trajetória, prejudicam a reputa-
ção,ofendemacomunidadeereti-
ram aperenidade”, disse.“Quando
eu sobrevivo, mas tudoao meu re-
dor desmorona,o custoposterior
podeser quase insuportável”. Co-
monumaguerracivil,disseCortel-
la, é uma situação em que nãohá
vencedores.Sósobreviventes.
Autordemaisde 40 livros,MarioSergioCortellacitouo pensadorKarlPopperna“Live doValor”: “Éprecisoserintolerantecom osintolerantes”
. SILVIAZAMBONI/VALOR
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