O Estado de São Paulo (2020-05-12)

(Antfer) #1

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H6 Especial TERÇA-FEIRA, 12 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


CONSERVE: FAÇA


O segredo para obter o sabor vivo e a textura macia


é dominar três elementos: acidez, açúcar e pectina.


Não se assuste, é mais simples do que você imagina


paladar


GELEIA

J


á não me lembro quando foi que
conheci Sérgio Sant’Anna, o es-
plêndido escritor que a gripezi-
nha bolsonara levou na madrugada
do último domingo. Com certeza,
no começo dos anos 1960, época em
que sua família, carioca, morava em
Belo Horizonte, onde ele viveria até
1977, quando voltou para o Rio. Na
pequenez e mesmice do nosso bair-
ro São Pedro, a gente fatalmente se
topava, mas, numa altura da vida em
que três ou quatro anos são abismo
entre dois moleques, nem sequer
nos cumprimentávamos. O “Esco-
vão”, como o Sérgio era chamado –
andava em moda o corte à escovi-
nha, que punha os cabelos espeta-
dos para o alto –, fazia parte da tur-
ma da Nova Mercearia, na Major Lo-
pes (a rua do futuro Frei Betto e da
dentucinha Dilma, ela mesma, a fu-
tura presidente da República); era
um pessoal mais velho que minha
patota adolescente, a turma do Bu-
tantan, assim autobatizada porque
no basquete não nos consideráva-
mos menos do que “cobras”.
Fomos trocar nossas primeiras pa-
lavras, o Sérgio e eu, em 1965, quan-
do entrei na Faculdade de Direito,
ele já no 4.º ano, casado com minha
parenta Mariza Werneck Muniz.
Em pouco tempo estávamos conju-

minados, pertencentes que éramos à
família informal dos que ali chegaram
não em busca de luzes jurídicas, mas
depois de haverem eliminado as de-
mais carreiras. Arildo de Barros, por
exemplo, colega do Sérgio, caminharia
para ser o ótimo ator que é, hoje no
Grupo Galpão. Fernando Brant, o le-
trista instantaneamente consagrado
com Travessia, em parceria com Mil-
ton Nascimento – Milton, não: Bituca,
moço franzino que, dentro de um ter-
no azul-marinho, soltou a voz como
crooner no meu baile de calouros. Na-
quele grupo de gente mais ou menos
sem rumo profissional havia espaço pa-
ra alguém focado como o José Francis-
co Rezek, que, sem o José, chegaria às
mais altas cavalariças da magistratura,
como ministro do Supremo Tribunal
Federal e juiz da Corte Internacional
de Haia, e, entre uma coisa e outra, mi-
nistro da Relações Exteriores.
Bom contista, o Rezek integrou nos-
so time de nove prosadores e poetas
que fizeram sua estreia em livro – cha-
memos assim uma publicação mimeo-
grafada a que o José Márcio Penido,
um dos autores, deu o nome Porta:,
com esses dois pontos, lançada em de-
zembro de 1966 por uma imaginária
Edições Palavra. Ou muito me enga-
no ou foi ali que Sérgio Sant’Anna pu-
blicou pela primeira vez um conto,

Desterro – que, rigoroso, não incluirá
entre os 15 de seu livro de estreia, O
Sobrevivente, editado por conta pró-
pria em setembro de 1969. Cada vez
mais exigente, desses 15 Sérgio não
vai aproveitar mais do que 7 quando,
em 1997, organizar para a Companhia
das Letras o alentado (719 páginas)
Contos e Novelas Reunidos.
O rigor, exatamente, era uma das
marcas do escritor Sérgio Sant’Anna, e
sou testemunha do quanto ele hesitou
antes de pôr os pés no ofício, numa fase
da vida em que a maioria dos autores
não sossega enquanto não providen-

ciar estreia tipográfica. Já tinha um
bom caminho andado como contista
quando chegou ao livro, aos 28 anos – a
mesma idade, me ocorre agora, com
que o não menos rigoroso Carlos
Drummond de Andrade publicou Algu-
ma Poesia, em 1930. Sérgio não preci-
sou, como alguns afoitos, envergo-
nhar-se na maturidade do que publi-
cou na juventude. A partir do momen-
to em que se reconheceu escritor, fez
da literatura a coisa mais importante
em sua vida, e assim foi até o final, com

fidelidade e aplicação exemplares.
*
Nascido na porta da faculdade, e ali-
mentado pelo fato de morarmos na
mesma quadra, meu convívio com Sér-
gio Sant’Anna passou a ser diário, ou
quase, depois que o contista Murilo Ru-
bião criou, em setembro de 1966, um
Suplemento Literário semanal, como en-
carte do Minas Gerais, o diário oficial
mineiro. Instalada na mesma sala da
Imprensa Oficial onde Drummond tra-
balhou de 1929 a 1934, quando se mu-
dou para o Rio, e que por isso ganhou
seu nome, a redação do semanário não
tardou a se tornar um animado entra-
e-sai de escritores, fossem eles vetera-
nos ou moçada em começo de carrei-
ra – o que não se deu por acaso, pois
Murilo, inspirando-se em conselhos
de Mário de Andrade e Manuel Ban-
deira à turma do jovem Drummond,
abriu a publicação às mais diversas
gerações, de Minas ou não, sem com
isso descuidar do critério qualidade.
Era comum topar ali, misturados a
frangotes da literatura, com autores
graúdos como os poetas Emílio Mou-
ra, Bueno de Rivera e Affonso Avila.
Como publicação e como ambien-
te, o suplemento de Murilo tornou-se
chão comum para os mais diversos
grupos de escritores jovens – turmas
que, sem prejuízo das características
de cada uma, acabariam constituindo
um contingente maior, no qual se gru-
dou de modo natural o rótulo Gera-
ção Suplemento. Entre os ficcionis-
tas, vários deles reunidos em 1971 na

antologia Contos Gerais, não hesito
em destacar Luiz Vilela, Jaime Pra-
do Gouvêa – e, naturalmente, Sér-
gio Sant’Anna.
*
Bom demais da conta
Bem sei que a efeméride, por as-
sim dizer, só a mim poderia interes-
sar, mas peço licença para deixar
aqui o modesto registro: na próxi-
ma sexta-feira, dia 15 de maio, faz
50 anos que tomei em Belo Hori-
zonte um ônibus da Viação Come-
ta para São Paulo, tangido por um
emaranhado de motivações que só
no tempo daria conta de compreen-
der. Durante dois anos tivera convi-
tes do Jornal da Tarde, publicação
que desde 1966 revolucionava o tex-
to e o visual do jornalismo brasilei-
ro. Naquele momento, porém, não
havia convite algum – e, não fos-
sem os bons ofícios do amigo Gil-
berto Mansur, que lá trabalhava e
me recomendou, talvez nem tives-
se conseguido fazer um teste e con-
quistar vaga como “foca”. De olho
no Rio, até pouco antes destino
quase obrigatório para escribas e
jornalistas de Minas, vim tentar a
sorte no fumacê paulistano, passar
um tempo e, se tudo corresse bem,
bater asas rumo ao litoral carioca.
Passei um tempo, 50 anos se passa-
ram, e aqui estou, sem vontade al-
guma de arredar pé – sinal de que,
para mim, a coisa, como se diz na
terra onde nasci, correu bem de-
mais da conta.

Geleia de tomate com
raspas de limão

Ingredientes
(400g)
1 kg de tomates maduros firmes
300g de açúcar cristal,
preferencialmente orgânico
1 limão

Preparo


  1. Retire a pele e a semente dos
    tomates e reserve-as. Corte a pol-
    pa em cubos pequenos.

  2. Bata a pele e as sementes no
    liquidificador.

  3. Rale a casca do limão sem ralar
    a parte branca da fruta. Esprema o
    suco do limão.

  4. Leve ao fogo baixo o tomate pi-
    cado, a pele batida com a semente,
    as raspas e o suco do limão, e o
    açúcar. Cozinhe em fogo baixo até
    atingir 100°C, mexendo de vez em
    quando. Desligue o fogo.

  5. Coloque a geleia em um vidro


esterilizado, etiquete e guarde
em local fresco. Essa geleia
é ótima para fazer manteigas
aromatizadas e finalizar
risotos.

Geleia de
jabuticaba

Ingredientes
(500g)
1 kg de jabuti-
cabas inteiras
maduras sem
os cabinhos e
lavadas
1 litro de água
ou a quantidade
suficiente para co-
brir as jabuticabas
1/2 kg de açúcar (ou a mes-
ma proporção do caldo que se
formar no cozimento)

Preparo


  1. Lave e amasse as jabutica-


bas. Coloque-as em uma pa-
nela, de preferência de
inox, e cubra com água.


  1. Deixe ferver por 1h30
    em fogo baixo e com a
    panela destampada. Reti-
    re a espuma que for
    se formando na
    superfície.
    3. Após o cozi-
    mento, coe as
    jabuticabas
    num filtro de
    papel ou de
    algodão.
    4. Volte o
    líquido à pane-
    la, com a mes-
    ma medida de
    açúcar, e leve ao
    fogo médio. Cozinhe até
    o ponto de calda grossa (veja
    ao lado como testar).

  2. Coloque em potes de vidro
    esterilizados, tampe, etiquete
    e guarde.


Geleia de pitanga
Ingredientes
(700g)
500g de polpa de pitanga (sem
casca)
500g de açúcar refinado

Preparo


  1. Retire os caroços da fruta, baten-
    do-a levemente no liquidificador
    sem quebrá-los; remova-os.

  2. Adicione a fruta e o açúcar e
    cozinhe em fogo médio.

  3. Retire, com uma escumadeira, a
    espuma que se acumula na super-
    fície da panela.

  4. Se a mistura começar a grudar
    no fundo, diminua a temperatura.

  5. Para verificar se o ponto foi atin-
    gido, coloque uma colher com um
    pouco da geleia e leve ao congela-
    dor; quando esfriar, aperte um pou-
    co; se a geleia resistir um pouco ao
    ser provada, está pronta.

  6. Coloque em um vidro esteriliza-
    do, tampe e guarde.


Humberto Werneck


ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

l]


MANUAL DA GELEIA

Lembrando Sérgio Sant’Anna


Para muitas pessoas, café da ma-
nhã sem um pãozinho quente
com manteiga e geleia não está
completo. Tem quem goste de-
la acompanhando o bolo da tar-
de, ou mesmo ao lado do queijo,
contrapondo os sabores salga-
do e doce. Nos mercados, é pos-
sível encontrar uma infinidade
de marcas dos mais diferentes
sabores. Mas vamos contar um
segredo: fazer geleia é quase
uma terapia – além de facílimo



  • e ainda perfuma a casa toda.
    A melhor parte é que é possí-
    vel fazer geleia com quase todas
    as frutas. A dica é aproveitar as
    da estação, naturalmente mais
    doces e perfumadas, e com pre-
    ço bom. Mas nem todas são na-
    turalmente adequadas para a
    doce conserva. A fruta precisa
    ter a pectina, que é uma substân-
    cia gelificante natural, em boa
    quantidade, e equilíbrio entre o
    açúcar e a acidez.
    São essas as qualidades que
    conferem, sem truques, a textu-
    ra ideal. Sem elas, entretanto,
    pode-se dar um jeitinho, como
    adicionar suco de limão para cor-
    rigir a acidez ou agregar pectina,
    como você vai ler nesta página,
    no manual prático de fazer ge-
    leia que elaboramos para você.
    Sabemos que nem todas as
    frutas são encontradas frescas.
    Usar polpa congelada não cau-
    sa prejuízo desde que tenha boa
    qualidade. A textura da geleia,
    porém, fica mais homogênea,
    sem pedacinhos, do que quan-
    do feita com a fruta fresca.
    O céu é o limite: você tam-
    bém pode incrementar as ge-
    leias com novos temperos. Um
    bom começo é fazer testes com
    aquilo que se gosta. As combina-
    ções são (quase) infinitas. Pi-
    mentas, secas ou frescas, como
    a dedo-de-moça ou a biquinho
    (pimenta-do-reino faz bom par
    com morango). Também po-
    dem entrar na composição noz-
    moscada, vinagre balsâmico,
    coentro, gengibre e, claro, bau-
    nilha fresca – que é um verdadei-
    ro curinga na hora de fazer com-
    binações. Vai bem com maçã, fi-
    go, pitanga... Quando for usar,
    raspe delicadamente o interior
    e adicione à receita. Inclua tam-
    bém a “casca” – só retire na ho-
    ra de guardar.
    Mas, para quem está começan-
    do, o conselho é não ir com tan-
    ta sede ao pote. Parta das recei-
    tas mais simples e vá sofistican-
    do. E não se esqueça que, nos
    casamentos entre frutas e espe-
    ciarias, nenhum sabor pode do-
    minar: a ordem é o equilíbrio.
    Aqui, separamos três opções
    para você começar, mas, no site
    do Paladar (bit.ly/manualdage-
    leia), você encontra mais recei-
    tas para colocar em prática.






Pectina
A pectina é um gelifican-
te essencial para fazer
geleias – é ela que dá consis-
tência. O ideal é que seja natu-
ral, ou seja, presente na pró-
pria fruta em quantidade sufi-
ciente. E, quando é insuficien-
te, é preciso reforçá-la, usan-
do a pectina comercial ou fa-
zendo em casa seu suprimen-
to. A pectina comercial é um
pó branco extraído de frutas,
que pode ser encontrado em
empórios. Deve ser muito
bem misturado ao açúcar para
não formar grumos durante a
cocção. A proporção deve ser
de cinco partes de açúcar para
uma parte de pectina, ou seja,
misturam-se 10g de pectina a
50g de açúcar.





Açúcar
Açúcar é um ingredien-
te primordial em ge-
leias – preserva e dá corpo.
Mas pode anular o sabor da
fruta. A dica é ir adicionando
o açúcar aos poucos e obser-
var a geleia. Quando atingir o
ponto, pare de colocar.





De olho nos recipientes
Evite as panelas de alu-
mínio: elas tendem a
provocar alteração no sabor e
na cor da geleia durante sua
feitura. Esterilize o recipiente
(e a tampa) que vai receber o
doce. Isso ajuda a preservar o
conteúdo e estender a valida-
de da conserva. Se a quantida-
de produzida não for grande,
a geleia dura cerca de dez dias
na geladeira, sem fechamento
hermético do recipiente.





No fogo
Com a panela no fogo,
use chama média no
início. Caso comece a pegar
no fundo, diminua um pouco
a intensidade do fogo. Ao cozi-
nhar a fruta, retire a espuma
que se forma na superfície.
Ela concentra as impurezas da
fruta. Para ajudar, use uma
escumadeira. E não mexa mui-
to: mexendo, ela pode cristali-
zar e ficar mais resistente.





Acertando o ponto
Para saber o ponto cor-
reto, ponha a geleia
(antes que ela engrosse na pa-
nela) em uma colher e deixe
no congelador por alguns mi-
nutos. Quando tiver esfriado,
tire do congelador e aperte
com o dedo: a geleia deve es-
tar consistente e resistir à
pressão. A maioria das conser-
vas engrossa depois de fria.
Então, lembre-se: retire a ge-
leia do fogo antes de a massa
engrossar completamente.

Levava tão a sério a literatura
que hesitou em entrar nela.
Quando entrou, foi com tudo

DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Doce conserva.
Geleia prolonga
a vida das frutas

Mil possibilidades. Geleia
de tomate com limão

CON POULOS

ANDREW SCRIVANI
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