Valor Econômico (2020-05-12)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 11 da edição"12/05/2020 1a CAD A" ---- Impressapor rcalheiros às 11/05/2020@20:17:


Terça-feira, 12 de maiode 2020|Valor |A

Impacto da crise na área externa


Atríplicecriseentraemfasedeaprofundamento.PorJoséFranciscoLimaGonçalves


“Nãopodemos


virar a chave e


desligar tudode


uma hora para


outra. Talvez


alguns programas


tenhamvindo


para ficar”.
DosecretárioCarlosCostasobre
o auxílioemergencial

Maria Clara R. M.
do Prado

A sensação de que o
país caminha para um
estadode anarquia
espantaos investidores
estrangeiros

Q


uedado PIB,com a ex-
pressiva redução do
emprego e do investi-
mento, no contextode
uma pandemia mundial que
ninguémsabequandochegará
aofim,alémdeumacrisepolítica
que colocaem dúvidaacapaci-
dade administrativa do governo
federal, configuram ocenário
brasileiro de umatempestade
maisque perfeita.Seu impacto
na área externado país é signifi-
cativoetendeaaumentarnocur-
toemédioprazos.
O aumentono fluxode saída
das divisas estrangeiras, que
abandonamopaís diante das in-
certezas crescentes,reflete-se no
acentuadodeclíniodas reservas
internacionais. A rigor,osaldo
das reservas começoua declinar
a partirde agostodo ano passa-
do,quandooBancoCentralsina-
lizouacontinuidadedoprocesso
de reduçãoda Selic, ataxa de ju-
ros de curtoprazo que regeas
operaçõesde liquidez entrea au-
toridademonetáriae as institui-
ções financeiras no dia a dia.
Aquelataxacaiude6%emagosto

para 3% nestemês em termosno-
minais.Ametade,portanto.
A consequênciafoi o desinte-
resse dos investidoresestrangei-
ros pelo Brasil, em especialaque-
lesquegostamdeganhardinhei-
ro com operações de arbitragem
entre jurose câmbioe que são a
maioria.Em fim de agostode
2019, o saldodas reservasinter-
nacionaispelo conceitode ativos
estava em US$ 386,477 bilhões,
enquantoque na mesmadata as
reservasmedidaspelaliquidez,
ou seja, em divisaestrangeira
conversível,eramdeUS$371,
bilhões.
De lá para cá, o quadrosofreu
drástica alteração. No fim de
abril desteano, as reservasmedi-
das em ativos caíram para
US$ 339,316bilhões, ao passo
que o saldo contabilizado como
disponívelem divisaestrangeira
conversívelfoideUS$319,264.
Em oito meses, oBrasil perdeu
US$ 52,528bilhõesem reservas
líquidas, um valorexpressivoem
termos absolutos. As informa-
ções são do bancode dadosdo
FMI, da sessãoReservasInterna-
cionais e Liquidezem MoedaEs-
trangeira, atualizada no dia 08
demaiopassado.
Vale aquiuma observação.As
reservas internacionaispelo con-
ceito de ativos (“Official Reserve
Assets”)representaosomatóriodo
valor das reservas disponíveis em
divisaestrangeiraconversívelmais
as aplicações em ouro, a posição
do país comomembro do FMI, as
aplicaçõesjuntoaoBIS(BankofIn-
ternational Settlements, o banco

Entreagostoe dezembrode
2019, ototal daquelescontratos,
entrecomerciale financeiro, re-
presentou drenagem de
US$ 42,558bilhõesem recursos
externos. Entrejaneiroeabril
desteano, asaída de divisasre-
presentadapeloscontratosfoide
US$ 12,730bilhões.Não foi pior
porque desdefevereiro houve
um considerável crescimento
dos contratosdo câmbio comer-
cial, emboranão suficientespara
cobrir a posiçãonegativa dos
contratosdocâmbiofinanceiro.

Tudo isso tem implicações
monetárias.A saídalíquidade
recursos externossignificaen-
xugamentode reaisda econo-
mia. Só em marçoúltimo, pelos
dadosdo BC, as operações do se-
tor externotiveramum efeito
contracionista de R$ 91 bilhões
na base monetária (emissãopri-
máriade moedamais depósitoà
vista nos bancos). Sem movi-
mento na economia,e com uma
velocidaderendada moedabai-
xíssima(o dinheironão circula
comoantes), os bancosacabam
por depositarno BC os reaisda
contrapartida das operações
cambiais, umamassade dinhei-
ro que ajudaogovernoa prover
liquidezparaos setoresdaeco-

central dos bancos centrais) e as
operações em SDR (a moeda do
FMI),alémde outrostipos de ati-
vos que não representamliquidez
imediata. Diga-se, aliás, que esteé
o conceito que oBancoCentral do
Brasil divulga nas suasestatísticas
paraopúblicointerno.
Um rápidoparaleloque se faça
com o comportamento da taxade
câmbio no mesmoperíodo de oito
meses—emagostode2019acota-
ção do dólar vis a vis o real entrou
definitivamente na casa dos R$ 4,
tendo pulado paraos R$ 4,50 no
início de março, para R$ 5,30 no
iníciode abril epara R$ 5,76 na
sexta-feira passada, pelosdados
do BC —mostraque aprogressiva
desvalorização da moeda nacional
não é puracoincidência. Ontem,a
taxa decâmbiocomercial fechou a
R$5,83,enquantoquenomercado
de turismo,odólarchegou a
R$ 6,03. Percebe-seque achegada
dapandemiaveiopiorarocenário,
agravadosemdúvidapelasinvesti-
gações que envolvemo presidente
daRepública.
Toda essa movimentação que
refleteo desinteresse do capital
estrangeiropelo país podeser fa-
cilmente captadapelasinforma-
ções do BC sobreas operaçõesde
contratode câmbio. Desdeagos-
to do ano passado os saldosposi-
tivosdas operaçõescambiaisre-
lacionadas ao movimento da ba-
lança comercial (exportações
menosimportações)não têm si-
dosuficientesparacompensaros
saldosnegativosdos demaismo-
vimentos de câmbio, envolvendo
asoperaçõesfinanceiras.

tre as duasvisões não deveser re-
solvidosempioraadicional.
Aindana esferapolítica,a de-
missão de Moro, e a maneirapela
qualessa se deu, acrescentaram
elementode acirramento da cri-
se entreos poderes,pois acom-
panhadade decisões judiciais
vistascomodesfavoráveisaopre-
sidente.Os temasligados apro-
cessode impeachment ou de
processodo presidentepor cri-
me comumpassarama ser refe-
rênciaparaqualquercenário.
Não se podedescartara im-
portância das agressõesa repór-
tereseprofissionaisdasaúdepor
manifestantesem atos a favor de
Bolsonaroe contrao Congressoe
oPoder Judiciário. Atríplicecrise
entraem fase de aprofundamen-
to, peloandare inter-relaciona-
mentodesuasdimensões.
Em relação àeconomia,a exis-
tência de um “pl ano” de investi-
mentos públicos arrepiouos mer-
cadosea briuolequede opções de
sobrevivênciadoPlanalto.
Astensões políticasnãotêmim-
pedido que os pacotes fiscais de

nomia efaixas da população
que se ressentem de rendanesta
fase de grave recessão.
São aspectosdas contascam-
biais emonetáriasque se in-
ter-relacionam. Ajudama expli-
car de ondevem e para ondevão
osrecursosquetransitamentreo
mercadofinanceiroeoBC. As ex-
pectativascontinuarãoaguiaros
números daqui em diante. O
grandepontode incógnita hoje,
paraalémda pandemia, está no
enormee perigososentimento
de insegurança que afetaos 200
milhõesde trouxas,na definição
do Ministroda Economia,Paulo
Guedes,residentesnestepaís.
É muito grave a cena que se viu
ontem, com caminhoneiros a de-
safiaras decisões do governo do
Estado de São Paulo e do prefeitu-
ra da cidade de São Paulo, ao esta-
cionaremseus veículosaolongo
da Av. Paulista, sem obedeceremà
regrado confinamento, do desim-
pedimento da via enem ao rodí-
zio imposto paraacirculação de
veículos na cidade. Maisdo que
umaatitude de afronta, foi um
ato de desobediência civil pratica-
do contra aautoridadepública,
um crimeprevisto no CódigoPe-
nal. Asensação de que opaís ca-
minha paraum estado de anar-
quiaespanta, claro,os investido-
res estrangeiros. Cabeaos trouxas
arcarcom as consequências.

MariaClara R. M.doPrado, jornalista, é
sóciadiretora da Cin —Comunicação
Inteligente e autora do livro “A Real
História do Real”. Escreve mensalmente às
terças-feiras. [email protected]

A


bril trouxe melhoras
nos mercados globais
e aqui não foi diferen-
te. De um lado,oa nda-
mentodapandemiapelomundo
foi maisbenigno, ao menosna
preparação da saída do isola-
mento socialem diversos países.
As notícias sobrea Chinasão as
maiseloquentes,mas, inclusive
na Europa, algumas mudanças
dedireçãoimpressionam.
Deoutrolado,afortereaçãode
diversos governos ebancoscen-
trais,em ações de ordem fiscal e
em medidas de políticasmonetá-
rias fortemente expansionistas
(inclusive o programa de swaps
de dólar entre o Fed e alguns BCs)
animou os investidores, apesar
dabrutalcontraçãonaatividade.
Asbolsastiveramaltasrelevan-
tes, devolvendo parte das perdas
de março, o que ocorreu também
com ativos como opetróleo, ape-
sar do preço negativo do WTIpa-
ra maio.Odólarperdeualgum
valor em relaçãoàsprincipais
moedas e reduziu seu ganho so-
breasmoedasemergentes.
Maio,porém,começacomoutra
aparência. Oretornode Trump pa-
ra posição agressivaem relaçãoà
China, na questão comercial e no
temado coronavirus,sinaliza es-
tratégia de combate aos efeitosdi-
retos eindiretos da pandemia so-
bre o eleitorado americano. A “pa-
cificação” dadisputacomercialem
janeiro mostra-se comointerreg-
no oportunista. No campo econô-
mico, os dados negativosde ativi-
dadee emprego vão mantero am-
biente tenso, eosgovernos não te-
rãomuitooqueanunciar.
Aqui, o Ibovespasubiu, os juros
tiveram leve queda eodólar ga-
nhouvalorcontraoreal.Abrilfoio
mês em que os indicadores de ex-
pectativas,aquienorestodomun-
do, consolidaramníveisinéditos
de piora eforçaram revisões pro-
fundasnasestimativasemgeral.
E oambiente em abrilfoi difícil
no Brasil. O conflito entre o presi-
denteeseu ministro da Saúde,que
culminou com asaída deste, acen-
tuoua divergência entre os parti-
dáriosdo isolamento social,com
ênfaseem governadores, e os favo-
ráveis àabertura da atividadeeco-
nômica, empresaseautônomos,
majoritariamente, alémdo presi-
dente e seusseguidores. O risco
claramenteperceptível éoapro-
fundamentoda crise sanitária nas
próximassemanas.Ocontrasteen-

emergência passempelo Congres-
so e atinjamseu —parco —objeti-
vo.Resta sabercomotal processo
vai caminhar com adeterioração
das condições econômicas nos
próximos meses, comas respostas
que ministros militaressão insta-
dosadarecomaparceriaestabele-
cidaentreoExecutivoeoCentrão.
O impulsodadoaos mercados
mundiaispelasreaçõesdos go-
vernos e bancoscentraispode
chegaràeconomia.Mas podeli-
mitar-se a manteros preçosdos
ativosondeestão.
O“formato” da recuperaçãoda
atividade, em “V”,“U” ou “L”, não
está determinado, nem aqui, nem
lá fora. A maiorparte dos analistas
enxerga oprimeiro formato,en-
quantonósvemosoúltimo.
Cabedeixarclarasashipóteses
por trás de cadacaso. Umarecu-
peração em “V”pressupõe a “vol-
ta à normalidade”apartirdo ter-
ceirotrimestre deste ano, em
grau“re levante”, de modo que a
economia estariaandandoa 2%
ao ano no fim do ano.Assim,a
quedadoprodutoesteano,entre

3% e 5%, seriaseguidade alta se-
melhantee2021.
A modestíssima recuperação
entre2017e2019deveu-seàque-
da da inflação eseu efeito sobre a
renda real, alguma recuperação
doconsumodasfamílias,alguma
retomadadocréditoàsfamílias,e
recuperaçãoprecáriadaocupa-
ção. Nadadisso pareceestar à vis-
tanospróximostrimestres.
“Voltarà normalidade” é um
desejoquandose entraem crise
profunda.Na situaçãoatual,o
sonhose esgotano orçamento. O
governopareceentenderque a
políticafiscalvai retornaràtraje-
tóriaanterioràrecessão,tendo
apenasque“digerir”osefeitosde
gastos“extraordinários”ligados
diretamenteàpandemia.
Talvisão se deveàconvicção
aindageneralizada arespeitoda
formaque o teto de gastospúbli-
cosassumiuporaquiedesuasre-
laçõescoma“reformadoEstado”
proposta desde2016. Busca-se
ver a políticafiscalcomogrego-
riana,tentandoseparareste ano
do próximo,anãoser pela consi-
deração de outratrajetória da re-
laçãodívida/PIB.
Se assim for, apolíticafiscalserá
fortemente contracionista em


  1. Vamos repetir o ajuste
    2017-2019 e enxugar gelo, acredi-
    tando que o gasto público deve ser
    acessório em relação aos investi-
    mentos privados, que as privatiza-
    ções vão reduzir adívida pública e
    que osetor privado vai investir em
    infraestrutura desde queas condi-
    ções de riscoinstitucionalmelho-
    rem. Mas três anos de pífiocresci-
    mento em meioareformas “exito-
    sas” fizeram penderaindamaisa
    balançapara a denúncia do ajuste
    fiscalcontracionista.
    Em 2008,ainterrupçãoda de-
    flaçãoexigiuendividamento pú-
    blico, o que justificouo aprofun-
    damentoda contraçãofiscalque
    se seguiu.Mas o aumento da dí-
    vidapúblicaviabilizouareto-
    madada economia,em forma
    de “V”, ao estabilizaros merca-
    dos financeiros.
    Em 2008,estávamosem meio
    a um ciclode commoditiesglo-
    bal eum ciclode duráveis de
    consumo doméstico.Voltar a
    eles foi fácil.


JoséFranciscoLimaGonçalvesé
economistachefe do BancoFator e
professordo Departamento de Economia
da FEA-USP.

Cartasde


Leitores


Alívio temporário


Frase do dia


Pandemia
Asatitudesarrogantesdopresi-
denteJairBolsonaro,sejafrente
àpandemiaemquevivemos,se-
jadafaltadeeducaçãocomaim-
prensa,sórevelaoteordeuma
ideologiapoliticamesquinhae
viciada.Nosdeixaperplexose
tambémfrustrados.Dequemes-
perávamosseriedadeepatriotis-
mo,oqueconstatamossãopala-
vraseaçõesdeummolequein-
consequente!
CelioBorba
[email protected]


Sintocontradizeropresidente
doSuperiorTribunaldeJustiça
(STJ)JoãoNoronha.Quemnão
podesertransparentequenãose
candidateacargospúblicos.Afi-
nalédeinteressepúblicosua
saúde.,(videAbril-1985).
OpresidentedoSTJesquece
queopresidenteJairBolsonaro,
seteveacovid-19,andouaper-
tandomãos,abraçandopessoas
ecriançasequepodetertrans-
mitidoovírus.Ecomoficames-
taspessoas?Estamosnumapan-
demia,enãonumagripezinha
Ta niaTavares
[email protected]


Aimpressionanteabuliade
grandepartedenossagente,an-
teessapandemiadacovid-19,
temoestímuloprincipalmente
denossaliderançamaiornaPre-
sidênciadaRepública.Taiscom-
portamentos,afirmaaciência,
podemterefeitosdesastrososa
nossaimensapopulação,queas-
simmalliderada,podevivermo-
mentosdecaos,numfuturonão
muitodistante.QueDeusnos
protejaportaisinsanidades.
JosédeAnchietaNobre deAlmeida
[email protected]

ReginaDuarte
AexcelenteatrizReginaDuarte,
quesecelebrizouporterencar-
nadocommaestriaasmaisdi-
versaspersonagens,queficaram
nanossamemóriacoletivae,
portanto,marcounossavidacul-
tural,pisoutotalmentenabola,
comotitulardaSecretariada
Cultura.Issoficoucabalmente
demonstradonaentrevistacon-
cedidaàCNNBrasil,naqualRe-
gina,querendominimizarejus-
tificarointolerávelcomporta-
mentoanti-culturaldopresiden-
te,desafinoucompletamenteno
novoeimportantepapel,com-
prometendoemanchandosua
biografia.
DirceuLuiz Natal
[email protected]

Roberto Jefferson
RobertoJeffersonMonteiroFran-
ciscoestátentandoseprojetarna
vidapolíticanovamente.Numa
longaentrevistaaovivoparaate-
levisão,oex-presidiárioatacou
SérgioMoro,JoãoDória,Witzele
diversosoutrasautoridades.Pare-
ceatéqueeleseesqueceuquefoi
condenadopeloSTFpeloscrimes
decorrupçãopassivaelavagemde
dinheiro.Somenteapossibilidade
detê-lonoCongressonofuturo
noscausaintranquilidade.
JoséCarlosSaraiva daCosta

A modestíssima
recuperaçãoentre 2017 e
2019 deveu-seà queda da
inflaçãoe seu efeito
sobre a renda real,
alguma recuperaçãodo
consumo das famílias,
alguma retomada do
crédito às famílias,e
recuperaçãoprecáriada
ocupação. Nadadisso
está à vista a curto prazo

Opinião


Correspondênciaspara
Av. 9 de Julho,5229 - Jardim
Paulista- CEP01407-907 - São
Paulo - SP, ou para
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endereço e telefone. Os textos
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