O Estado de São Paulo (2020-05-13)

(Antfer) #1

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A10 Política QUARTA-FEIRA, 13 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROSÂNGELA


BITTAR


N


a linha do tempo, já é outro
dia. O vídeo da reunião que
expôs as vísceras de um go-
verno em decomposição, principal-
mente pela atuação do presidente
Jair Bolsonaro e os discursos do
chanceler Ernesto (bobo da corte)
Araújo e Abraham (pior ministro)
Weintraub, foi entregue na sua inte-
gralidade e visto por algozes e réus.
Permanecerá nos arquivos como
uma marca definitiva de um time per-
dido, sem líder ou objetivo, eira ou
beira. Um alto encontro de baixo pro-
pósito. Desdobramentos são, por en-
quanto, imperscrutáveis. Os fatos re-
gistrados podem dar em tudo, como

identificar o crime de que é suspeito o
presidente, ou nada, se o procurador-
geral da República assim entender.
O segundo vendaval que atravessou
a semana transportou o País, machuca-
do por doença e mortes, a outra situa-
ção indefinida. Como ficamos depois
do depoimento dos três ministros do
governo Jair Bolsonaro, em cargos ci-
vis e políticos na Presidência, sobre as
denúncias do então ministro da Justi-
ça, Sérgio Moro. Já terão tido o seu efei-
to e será preciso superar a fusão que se
tentou fazer de seu desgosto por esta
convocação com a adesão das Forças
Armadas aos propósitos pessoais do
presidente da República.

Pularam o Rubicão e o mundo não
acabou, como previam. Os seus des-
dobramentos, porém, ainda estão
embaralhados.
Inspirados por um incendiário contu-
maz que habita o cerrado, fizeram tem-
pestade em copo d’água. Exagero dian-
te de um termo do jargão convocatório
da Justiça, revelando insegurança e o
infortúnio de estarem, como únicos
avalistas, em um governo de que não se
sabe, nem eles, absolutamente nada.

Entregaram o vídeo, que foi visto,
deram seu testemunho e a investiga-
ção segue. Como ela, também segue
procurando seu eixo o movimento dos
militares diante de proposta de partici-
pação política mais efetiva e adesão in-
condicional ao presidente.
Baixou a temperatura na área mili-
tar, mas ainda há brasas acesas. O pre-

sidente Jair Bolsonaro mistura propo-
sitalmente os problemas para obter
as soluções também misturadas,
uma pela outra.
O governo não se curou da aposta no
aprofundamento da divisão entre a re-
serva, os comandos e as tropas.
A intervenção militar que paira como
ameaça não encontra ressonância, por
enquanto. Os comandos não veem con-
dição de participar de outros projetos
que não sejam o combate à pandemia,
interna e externamente, e sua sobrevi-
vência. Mas o governo é autossuficiente
e o código deste problema já se apagou.
As prioridades das tropas são as mes-
mas do conjunto do planeta, preservar a
vida. É conhecida a posição de Bolsona-
ro sobre a covid-19, desdenha e desvia o
assunto, e mantém sob pressão o coman-
dante Edson Leal Pujol, do Exército.
O ambiente dos quartéis é propício
ao contágio e já há mortes. É como se
houvesse um confinamento de milha-
res de pessoas que se alojam, almoçam,
dormem, viajam e trabalham juntas. O
presidente pretende que sejam deste-

midos como seus ministros que con-
sidera exemplares, a quem dá fôlego
e que o fazem rir. Gostaria, certamen-
te, que todos seguissem Weintraub e
Araújo. Não é por acaso que se conec-
taram os dramas da entrega do vídeo
e dos depoimentos dos ministros.
O que agride, nesta estirpe mais
chegada a Bolsonaro, cuja perfor-
mance se espelha no mestre de todo
o grupo, não é uma questão ideológi-
ca ou política. É a ausência de decên-
cia. Não se imaginam os militares
seguindo uma liderança com este
comportamento.
Morrerão por um governo alvo de
investigação, imerso em isolamen-
to político, cultural, social, embala-
do no discurso do achincalhe?
O mais provável, superada a valen-
tia que antecedeu a decisão de de-
por ao Supremo, é que os ministros
passem a viver mais a realidade.
E esta é o aumento das mortes pe-
la covid-19, inclusive nos quartéis, e
o presidente Jair Bolsonaro na mão
do Centrão.

E-MAIL: [email protected]
ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMENTE ÀS
QUARTAS-FEIRAS

Os militares morrerão por um
governo alvo de investigação,
imerso em isolamento?

Estados


são contra


abrir salões


e academias


Distrito Federal. Governador Ibaneis Rocha afirma que vai manter medidas de isolamento

Fausto Macedo
Paulo Roberto Netto


O ministro Walter Braga Netto
(Casa Civil) afirmou à Polícia
Federal (PF), em depoimento
prestado ontem, no Palácio do
Planalto, que não ouviu o presi-
dente Jair Bolsonaro mencio-
nar em sua presença a possível
troca de superintendente na PF


do Rio de Janeiro durante reu-
nião ministerial em 22 de abril.
“Na reunião do conselho de
ministros, ocorrida em 22 de
abril de 2020, quando apresen-
tado o Pró-Brasil o presidente
Jair Bolsonaro não chegou a se
expressar sobre a substituição
do superintendente da Polícia
Federal do Rio de Janeiro, reser-
vando-se a expressar a sua in-
quietude, como já dito, sobre os
dados de inteligência do Sisbin,
mais precisamente, dos dados
que deveriam ser fornecidos pe-
la Defesa Nacional e pela Abin”,
aponta o depoimento.
“Com relação ao conselho de
ministros, quando o presidente

revelou sua intenção de ‘trocar
a segurança do Rio de Janeiro’,
(Braga Netto) entende que se
tratava de segurança pessoal do
presidente a cargo do Gabinete
de Segurança Institucional (G-
SI), não tendo referência à Polí-
cia Federal”, relata o depoimen-
to. “Na perspectiva do depoen-
te, ao citar ‘segurança no Rio de
Janeiro’, o presidente apenas
fez referência como ilustração
de sua insatisfação”.
Ao ser questionado especifi-
camente sobre eventuais inves-
tigações da PF do Rio que inco-
modavam o presidente, Braga
Netto afirmou que se recorda
apenas que Bolsonaro “se quei-

xava” de não terem sido esclare-
cidos por completo os fatos rela-
cionados ao porteiro do condo-
mínio Vivendas da Barra. “Nem
muito por ele, mas por se tratar
de fatos relacionados ao cargo
de presidente”, disse.
O porteiro implicou Bolsona-
ro no caso Marielle Franco ao
dizer, inicialmente, que o presi-
dente teria permitido a entrada
de Ronnie Lessa, preso suspeita
de matar a parlamentar. Ele se
retratou depois.

Felipe Resk / RECIFE


A maioria dos governadores
vai ignorar o decreto do presi-
dente Jair Bolsonaro, que in-
cluiu academias, salões de be-
leza e barbearias entre as ati-
vidades consideradas essen-
ciais e, portanto, autorizadas
a funcionar. Levantamento
feito pelo
Estadão aponta
que ao menos 18 governado-
res, metade deles no Nordes-
te, optaram por não aderir à
decisão e continuar seguindo
diretrizes estabelecidas pelas
secretarias estaduais. Outros
quatro Estados estão com os
serviços liberados. Em São
Paulo, epicentro da pande-
mia pela covid-19 no País, a
gestão João Doria (PSDB)diz
que ainda estuda a medida.

Em reação, Bolsonaro publi-
cou mensagem nas redes so-
ciais na qual afirma que contra-
riar o decreto presidencial é o
“pior caminho”, que faz aflorar
o “autoritarismo”. O presiden-
te afirmou ainda que a Advoca-
cia-Geral da União (AGU) e o
Ministério da Justiça podem
agir caso governadores não
queiram cumprir o decreto.
Contrário a intensificar o iso-
lamento social para conter o
avanço do novo coronavírus,
Bolsonaro assinou o decreto na
segunda-feira, sob argumento
de que as atividades estariam re-
lacionadas à saúde. Na ocasião,
o País havia atingido o patamar
de 168,3 mil casos confirmados
e 11,5 mil mortos pela covid-19 –


o número de óbitos passou de
12,4 mil ontem. O decreto pe-
gou de surpresa até o ministro
da Saúde, Nelson Teich, que
não foi consultado.
O efeito do decreto não é auto-
mático. Conforme decisão do Su-
premo Tribunal Federal, gover-
nadores e prefeitos podem defi-
nir as medidas que consideram
necessárias, em seus respectivas
esferas, para conter a doença.
A maior oposição ao decreto
vem da região Nordeste, onde
todos os nove governadores se
manifestaram contra – os de-
mais são os do Rio, Amazonas,
Pará, Rondônia, Amapá, Acre,
Goiás e Paraná, além do Distri-
to Federal. Em geral, o argumen-
to é que os Estados já enfren-
tam aumento da curva epidêmi-
ca e que flexibilizar medidas de
isolamento social, neste mo-
mento, pode aumentar ainda
mais no número de casos.

Estados. “Eu fui desde o início
nisso ( pelo isolamento ) e vou até
o final, nem que eu tenha que
me afundar politicamente”, dis-
se ontem governador do Distri-
to Federal, Ibaneis Rocha
(MDB). “Até tinha vontade de
fazer ( liberação de novas ativida-
des ), mas meus técnicos não in-
dicam, eles não recomendam
pelo risco de contaminação.”
Considerado um dos princi-
pais adversários políticos de
Bolsonaro e enfrentando au-
mento de mortes pela covid-19,
o governador do Rio, Wilson
Witzel (PSC), descartou ade-

são ao decreto. “Não há ne-
nhum sinal de que as medidas
restritivas sejam flexibilizadas.
Estimular empreendedores a
reabrir estabelecimentos é uma
irresponsabilidade”, afirmou
em mensagem no Twitter. “Bol-
sonaro caminha para o precipí-
cio e quer levar com ele todos
nós.” Mesmo na capital, o pre-
feito Marcelo Crivella (Republi-
canos), aliado do presidente, de-
cretou “semi-lockdown”, como
sua administração chama os
bloqueios parciais na cidade,

com proibição de tráfego de pes-
soas e de veículos.
Com o sistema de saúde em
colapso, o governador do Ama-
zonas, Wilson Lima (PSC), estu-
da, em vez de relaxar, intensifi-
car ainda mais as restrições.
“Até o momento, as medidas pa-
ra enfrentamento da pandemia
estão mantidas”, disse em nota.
Helder Barbalho (MDB), do
Pará, usou o Twitter para decla-
rar oposição à medida. “Essas
atividades permanecerão fecha-
das”, disse. Em Rondônia, a ges-
tão Coronel Marcos Rocha
(PSL) informou, por nota, que
pretende ampliar o distancia-
mento social. Já Gladson Came-
li (PP), do Acre, usou canais ofi-
ciais para declarar que estuda
endurecer ainda mais as medi-
das já adotadas.
“Esse ato em nada altera o
atual decreto estadual em vi-
gor”, afirmou Camilo Santana
(PT), do Ceará, cuja capital For-
taleza está em “lockdown” ( iso-

lamento total ). Em Pernambu-
co, Paulo Câmara (PSB) disse
que “tem seguido a ciência”.
“Nosso objetivo é salvar vidas,
não podemos aceitar nenhuma
atitude que as coloque em ris-
co”, disse. No Estado, a capital
Recife e outras quatro cidades
também estão sob bloqueio.
O governador do Maranhão,
Flávio Dino (PCdoB) ironizou a
medida: “O próximo decreto de
Bolsonaro vai determinar que
passeio de jet-ski é atividade es-
sencial ?”. São Luís foi a primei-
ra capital fechada no País por
causa do coronavírus.
Rui Costa (PT), da Bahia, dis-
se que iria “ignorar as diretri-
zes do governo federal” e que
as “medidas restritivas serão
mantidas respeitando crité-
rios científicos reconhecidos
mundialmente”.
Renan Filho (MDB), de Ala-
goas, Wellington Dias (PT), do
Piauí, Belivaldo Chagas (PSD),
de Sergipe, Fátima Bezerra

(PT), do Rio Grande do Norte, e
João Azevêdo (Cidadania), da
Paraíba, também afirmaram
que irão manter as regras lo-
cais. Com decreto para endure-
cer o isolamento social em cer-
ca de 30 cidades, Goiás também
não vai seguir a decisão de Bol-
sonaro. A informação foi confir-
mada com a assessoria do gover-
nador Ronaldo Caiado (DEM).
No Paraná, a gestão Ratinho
Júnior (PSD) diz, em nota, que
“a Secretaria de Estado da Saú-
de é que vai deliberar sobre o
funcionamento de serviços es-
senciais e não essenciais”. Ain-
da segundo o comunicado, con-
tudo, “uma comissão estadual,
formada por especialistas em
saúde, está avaliando a possibili-
dade de reabertura de ativida-
des econômicas”.
Estado com maior número
de casos confirmados de covid-
19 no País, São Paulo ainda não
decidiu qual será a reação dian-
te do novo decreto. “Marcamos
uma reunião a respeito disso e a
decisão do Estado de São Paulo
será colocada amanhã ( hoje ) pe-
lo governador”, disse o secretá-
rio Estadual de Saúde, José Hen-
rique Germann.
Em Minas, o governador Ro-
meu Zema (Novo) delegou aos
prefeitos a decisão de aderir à
medida de acordo com o cená-
rio de cada cidade. “O decreto f
não altera a autonomia de ges-
tão dos municípios”, declarou.
Determinação semelhante foi
dada no Tocantins e Roraima

Adesão. Já os governadores do
Rio Grande do Sul, Santa Catari-
na, Espírito Santo e Mato Gros-
so declararam que as atividades
citadas no decreto já são permi-
tidas nos Estados. Em alguns lo-
cais, há protocolos específicos
de segurança para evitar infec-
ção por coronavírus.
“No nosso caso, nada muda
na medida em que temos já pre-
visto no nosso sistema que es-
sas atividades podem funcio-
nar, dentro de regra”, afirmou
Eduardo Leite (PSDB), do Rio
Grande do Sul, ao comentar a
decisão de Bolsonaro em live
realizada ontem. / COLABORARAM
BRUNO RIBEIRO, CAIO SARTORI e
JULIA LINDNER

Troca na PF do Rio não foi tratada em reunião, afirma ministro


Já é outro dia


Uso de salões de beleza e
de academias traz riscos

l Recomendação

Dezoito governadores se negam a afrouxar


isolamento; Bolsonaro fala em acionar AGU


GOVERNO EM RISCO


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 12/5/

Ministro. Braga Netto depôs ontem no Palácio do Planalto

Ao prestar depoimento,


Braga Netto relata que


Bolsonaro não ‘chegou


a se expressar’ sobre


superintendência


Pág. A

NA WEB
Íntegra. Leia o
depoimento de
Braga Netto

estadao.com.br/e/braganettopf
6

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/3/

“Eu fui desde o início (pelo
isolamento) e vou até o final,
nem que eu tenha que me
afundar politicamente. Até
tinha vontade (de liberar
atividades) , mas meus
técnicos não indicam.”
Ibaneis Rocha (MDB)
GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL
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