O Estado de São Paulo (2020-05-13)

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A14 QUARTA-FEIRA, 13 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS Covas não descarta bloqueio total em SP. Pág. A15 }


Metrópole


ELEVADORES SÃO


SEPARADOS


EM HOSPITAIS


Ideia é evitar que pacientes com outras doenças


graves tenham contato com infectados pela covid


Fabiana Cambricoli


Desde o início da pandemia
de covid-19 no País, ao menos
50 mil brasileiros deixaram
de ser diagnosticados com
câncer. Outros milhares de
pacientes, já com o tumor de-
tectado, tiveram os tratamen-
tos suspensos. Só em abril,
cerca de 70% das cirurgias de
câncer foram adiadas.

As estimativas são das Socie-
dades Brasileiras de Patologia e
de Cirurgia Oncológica e refle-
tem dois fenômenos: os cance-
lamentos de procedimentos
não urgentes, como exames,
consultas e cirurgias; e a recusa
de pacientes com outras doen-
ças ou sintomas em procurar
um hospital ou clínica por me-
do de pegarem o coronavírus.
Números levantados pela So-
ciedade Brasileira de Patologia
com alguns serviços de referên-
cia do País mostram a queda ex-
pressiva no número de biópsias
realizadas. Desde meados de
março até hoje, foram 5.940 exa-
mes do tipo realizados na rede
pública de São Paulo, ante
22.680 biópsias no mesmo pe-
ríodo do ano passado. Em um
centro de referência que atende
o Ceará, o número caiu de
18.419 para 4.993 no mesmo in-
tervalo. “Há serviços que fica-
ram uma semana inteira sem re-
ceber um único material para
análise. O nosso medo é que te-
nhamos, daqui a alguns meses,
uma epidemia de câncer em es-
tágio avançado, inoperáveis,
com baixa chance de cura”, aler-
ta Clóvis Klock, presidente do
Conselho Consultivo da Socie-
dade Brasileira de Patologia.
A sociedade estimou que hou-
ve queda de ao menos 50% no
número de diagnósticos de cân-
cer no País nos últimos dois me-
ses – o que leva à estimativa de
50 mil casos que continuam des-
conhecidos pelos pacientes.
No Instituto do Câncer do Esta-
do de São Paulo (Icesp), o nú-
mero de pacientes novos que
chegam para iniciar tratamen-
to no local despencou 30%, se-


gundo Paulo Hoff, diretor da
unidade e professor da Faculda-
de de Medicina da Universida-
de de São Paulo (FMUSP).
“Além do risco de muitos des-
ses tumores não diagnostica-
dos evoluírem e ficarem mais
graves, temos um segundo pro-
blema, que é o represamento
desses casos por vários meses.
Nosso sistema de saúde não
tem uma capacidade infinita de
atendimento. Se já tínhamos
problema de acesso e demora
antes da pandemia, imagine
acumular diagnósticos de qua-
tro ou cinco meses e eles apare-
cerem todos de uma vez mais
para frente. Teremos dificulda-
des para dar conta dessa deman-
da”, ressalta Hoff.
Somados aos casos novos es-
tarão ainda os milhares de pa-
cientes que tiveram de poster-
gar seus tratamentos. “Desde o
início da pandemia, suspende-
mos muitas cirurgias e mantive-
mos só as dos tumores mais
agressivos. No começo não sa-
bíamos quanto a fase mais críti-
ca da pandemia iria durar. Com
a expectativa de que teremos de
três a quatro meses até passar o
pico e começar um declínio de
casos, teremos de adaptar os
serviços de saúde para retomar
esses atendimentos suspen-
sos”, destaca Heber Salvador, vi-
ce-presidente da Sociedade Bra-
sileira de Cirurgia Oncológica.
A fisioterapeuta Dulce de Je-
sus Gonçalves, de 61 anos, vive
o drama da espera pela cirurgia
oncológica da mãe, de 90 anos.
Diagnosticada no ano passado
com um câncer no ovário, a ido-
sa tinha uma operação agenda-
da para março, que foi adiada.
“Nós, da família, e a equipe
médica tomamos a decisão de
adiar. Nós ficamos assustados
com a situação dos hospitais.
Ela já é idosa. Seria uma cirurgia
difícil. Imagine nesse cenário.
Mas é um dilema horrível. É a
escolha entre o tratamento do
câncer com risco de pegar co-
vid-19 ou a segurança de ficar
em casa e o risco do tumor cres-
cer”, diz Dulce.

Para reduzir as chances de
agravamento da doença en-
quanto espera pela cirurgia, a
idosa passou a tomar uma medi-

cação via oral em casa, com o
objetivo de manter o tumor sob
controle. “Ela vai monitorar
por exames para ver se está fa-
zendo efeito, mas a angústia é
que não sabemos quando tudo
isso vai passar”, lamenta a filha.

Fluxos separados. Para que
os atendimentos possam vol-
tar à normalidade dentro do
possível, a Sociedade Brasilei-
ra de Cirurgia Oncológica ela-
borou um documento em que
faz uma série de recomenda-
ções aos hospitais para que se-
parem as áreas de atendimen-

to para pacientes com suspeita
de covid dos demais.
No Icesp, foi criada uma área
específica de pronto-atendi-
mento para pacientes com sus-
peita de doença respiratória.
Os pacientes oncológicos in-
ternados com quadro de co-
vid-19 são encaminhados para
o Hospital das Clínicas para
não ficarem no mesmo prédio
dos demais doentes.
No Hospital Albert Einstein,
o pronto-socorro para doentes
com suspeita de covid-19 tam-
bém foi segregado, até com ele-
vadores separados ( mais infor-

mações abaixo ). O centro de on-
cologia tem uma entrada exclu-
siva. Assim como os outros
acessos do hospital, ele conta
com medidor de temperatura e
distribuição de máscaras.
“Nem sempre temos tempo
de postergar por alguns meses
um tratamento de câncer. Por
isso é importante os pacientes
entenderem que dentro do hos-
pital há alas separadas e segu-
rança para fazerem os procedi-
mentos quando necessário”,
ressalta Sérgio Araújo, diretor
médico do Centro de Oncolo-
gia e Hematologia do Einstein.

Com o advento da pandemia, recusa em ir aos hospitais e cancelamento de procedimentos não urgentes fez outros milhares de


pacientes, já com o tumor detectado, terem tratamentos suspensos. Só em abril, cerca de 70% das cirurgias de câncer foram adiadas


P


ara evitar que pacien-
tes com outras doen-
ças graves, como cân-
cer ou problemas cardíacos,
deixem de procurar atendi-
mento por medo da covid-19,
hospitais estão criando flu-
xos de atendimento total-
mente separados para pa-
cientes com suspeita de
doença respiratória para que
os demais usuários não este-
jam no mesmo espaço de
quem possa estar contamina-
do pelo coronavírus.
A nova organização inclui
não só a criação de um pron-
to-atendimento exclusivo pa-
ra quadros respiratórios, co-
mo também separação de ele-
vadores, andares de interna-
ção e de equipes.

No Hospital Albert Einstein,
onde o primeiro caso de corona-
vírus do País foi diagnosticado,
o alerta para a necessidade da
separação completa dos fluxos
de atendimento foi maior quan-
do a unidade percebeu que pa-
cientes com sintomas graves de
outras doenças estavam deixan-
do de procurar a unidade por
considerar os hospitais “am-
bientes contaminados”.
“Vimos um caso de uma pa-
ciente que chegou a desmaiar
em casa e demorou horas para
vir ao hospital e, quando che-
gou, teve um diagnóstico de
aneurisma. Também tivemos
uma gestante com um bebê já
em momento expulsivo preso à
placenta. Todos casos de pes-
soas que estavam adiando a vin-

da ao hospital por medo. Não
podemos deixar isso acontecer.
Independentemente da pande-
mia, precisamos continuar cui-
dando dos outros pacientes e
deixar claro que os espaços são
separados e seguimos regras pa-
ra deixar o ambiente seguro”,
diz Tatiane Canero, gerente de
apoio assistencial e fluxo do pa-
ciente do Einstein.
Além dos espaços separados
para pronto-atendimento de ca-
sos covid e não covid, há entra-
da segregada para o centro de
oncologia e maternidade. Dei-
xou de ser necessário passar pe-
lo setor de internação para assi-
nar documentos antes de subir

ao quarto. “Abolimos todos os
papéis porque as pessoas ti-
nham medo até de pegar em ca-
netas. A pessoa que for interna-
da vai da recepção direto para o
quarto”, explica Tatiane.
“Como o Einstein teve esse
protagonismo na identificação
dos primeiros casos, percebe-
mos que alguns pacientes fica-
vam com medo de vir. A reco-
mendação é de fato para que,
quem puder, fique em casa. Mas
há tratamentos que não podem
ser interrompidos e os hospi-
tais mantêm uma série de proto-
colos de higiene e segurança.
Costumo brincar que me sinto
mais seguro aqui do que dentro

do hortifrúti”, diz Sérgio Araú-
jo, diretor médico do Centro de
Oncologia e Hematologia do
Einstein.
Antes de qualquer cirurgia, se-
ja uma operação de retirada de
tumor ou uma cesariana, o pa-
ciente passa por um exame de
coronavírus bancado pelo hos-
pital. A ideia é identificar infec-
ções ainda assintomáticas e pro-
teger tanto o paciente de com-
plicações quanto os profissio-
nais de saúde e demais doentes.
Se o paciente é diagnosticado
positivo, a cirurgia é adiada,
quando possível. Caso não seja,
a operação é feita em salas com
pressão negativa para reduzir o

risco de disseminação do ví-
rus e proteção extra aos profis-
sionais.
Até no estacionamento fo-
ram feitas mudanças. Todos
os carros deixados no valet do
Einstein têm o volante, o câm-
bio e os bancos cobertos por
capas plásticas protetoras an-
tes de serem estacionados por
manobristas
“Quando vi o medidor de
temperatura na entrada, as
máscaras e álcool em gel em
todos os lugares me senti segu-
ra. O andar da oncologia está
completamente isolado do res-
tante”, diz a pedagoga Maria
Célia de Toledo Garcia Petto,
de 67 anos, que continua trata-
mento de câncer no Einstein
mesmo em meio à pandemia.
No A.C. Camargo Cancer
Center, os atendimentos tam-
bém foram separados. “Ao che-
gar ao pronto-socorro, o pa-
ciente com síndrome gripal
vai para um lado e os demais
doentes vão para o lado opos-
to. Se o paciente com suspeita
de coronavírus está grave e
tem de ficar internado, fica em
um andar de isolamento exclu-
sivo para pacientes com cân-
cer e covid”, diz José Marcelo
de Oliveira, CEO do A.C. Ca-
margo. / F.C.

Ao menos 50 mil brasileiros deixaram


de ser diagnosticados com câncer


l Separação

NILTON FUKUDA/ESTADÃO-30/04/

Cuidado. No Albert Einstein, elevador exclusivo para os pacientes com coronavírus

Prevenção

RAMEDE FELIX/HOSPITAL ALBERT EINSTEIN 15/03/

“É importante os
pacientes entenderem que
dentro do hospital há alas
separadas e segurança
para fazerem os
procedimentos quando
necessário.”
Sérgio Araújo
DIRETOR DO EINSTEIN

Centro de Oncologia. Sociedade médica estima queda de ao menos 50% no número de diagnósticos nos últimos 2 meses
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