O Estado de São Paulo (2020-05-13)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 13 DE MAIO DE 2020 Especial H3


Camila Tuchlinski


Se a inclusão nas escolas já não é
uma realidade para todos no
Brasil, imagine em um mundo
em que alunos surdos precisam
acompanhar as aulas a distân-
cia? Esse é um dos grandes desa-
fios de crianças e adolescentes
que têm deficiência auditiva du-
rante a quarentena e a pande-
mia do coronavírus.
A publicitária Mariana Can-
dal é mãe de Joana, de 8 anos,
que está no 3° ano. A deficiência
auditiva da menina foi desco-
berta nos primeiros dias de vi-
da. Com implante coclear bila-
teral, ela teve muita dificuldade
em acompanhar as aulas online
no início. “A aula dela é pela pla-
taforma Teams e ao vivo. São 25
crianças de 8 anos participando
simultaneamente. Nas primei-
ras semanas, foi muito frustran-
te, porque ela, que tinha uma
compreensão ótima no ambien-
te escolar, de uma hora para ou-
tra, estava entendendo muito
pouco. Por melhor que sejam os
seus equipamentos e até a inter-
net, a qualidade do som, a clare-
za, é bem diferente. Se nós, ou-
vintes, prestarmos atenção, va-
mos perceber isso. Imagina pa-
ra quem já precisa ouvir através
de um dispositivo eletrônico,
no caso dela, o implante co-
clear”, conta.
Mariana percebeu que a filha
também não conseguia lidar
com o ruído provocado por cole-
gas em sala que não fechavam o
microfone durante a fala dos
professores.
“Nem as crianças, nem os
pais, nem os professores esta-
vam preparados e não sabíamos
como nos comportar em plata-
formas virtuais. As primeiras se-
manas, e ainda temos alguns
episódios, foram desesperado-
ras porque as 25 crianças deixa-
vam seus microfones abertos e
muitas queriam falar ao mesmo
tempo. Nem eu entendia, imagi-
na ela? Eu tentava tranquilizar,
respirava fundo, mas a angústia
dela e minha por vê-la perdida
era tamanha que a gente tinha
vontade de desligar tudo. Cla-
ro, enfrentamos, falei com a pro-
fessora no privado, falei com os
pais no WhatsApp, com muita
insistência e repetindo muito
para os pais o quanto isso impac-
tava na motivação dela e, aos


poucos, fomos conseguindo
uma mudança de comporta-
mento”, desabafa.
Hoje, depois de um mês de au-
la, Joana está mais adaptada. As
crianças só abrem o microfone
quando solicitadas e falam uma
de cada vez, o que diminuiu mui-
to o barulho de fundo. A garoti-
nha voltou a ter confiança para
participar das aulas. “O bom
dessa loucura toda é que esta-
mos desenvolvendo novas habi-
lidades nas nossas crianças tam-
bém”, avalia a mãe.
Outra dificuldade é com os ví-
deos pedagógicos enviados pa-
ra as tarefas de casa. Muitas ve-
zes, eles têm uma qualidade de
som ruim. E nenhum deles tem
legenda, que seria a acessibilida-
de adequada para a Joana, e
nem janela de Libras, outra pos-
sibilidade para os surdos que
compreendem essa linguagem.
A escritora e palestrante
Lakshmi Lobato Austregesilo,
que é deficiente auditiva desde

criança, ressalta que a lei não
fala em inclusão escolar para au-
las a distância. “E, de repente,
todo mundo foi pego tendo que
ensinar as crianças em casa
com videoaulas. Vi as mães e os
pais dos grupos falando sobre a
falta de acessibilidade. Adapta-
ção e inclusão em sala de aula já
não são realida-
de para todos, de-
pende da escola,
do tipo de adapta-
ção que aquela
criança precisa,
de informação
para as famílias.
Imagina essa rea-
lidade colocada na era virtual
sem nenhum preparo para is-
so”, analisa.
A falta de acessibilidade nos
materiais escolares é um desa-
fio também para Maurícyo de
Oliveira, de 11 anos, e que está
no 6° ano do ensino fundamen-
tal. O garoto não escuta desde
que nasceu e é usuário de dois

implantes cocleares desde o pri-
meiro ano de vida. A mãe dele,
Geraldine Brandeburski de Oli-
veira, afirma que teve de traçar
uma estratégia de adaptação pa-
ra que o filho pudesse acompa-
nhar o conteúdo das videoau-
las. “Tenho que assistir com
ele. Implantados deficientes au-
ditivos e surdos
apresentam difi-
culdades com pa-
lavras novas. Tu-
do tem que ser ex-
plicado e mostra-
do. Necessitam
de legendas. O
aplicativo adota-
do pela escola foi o Microsoft
Teams. As legendas só têm em
inglês, então, tive que usar com-
putador e celular juntos. E usar
um aplicativo que se chama
web captioner para legendar as
falas. Melhor seria se mandas-
sem um texto já escrito anteci-
pado e adaptado com imagens”,
ressalta.

Daniel, de 7 anos, é filho de
Simone Silva. No 2° ano do ensi-
no fundamental, o garoto é um
surdo oralizado e não faz uso de
Libras. “Com 2 anos, a gente
percebeu que ele não falava di-
reito e a pediatra dizia que era
normal. A gente decidiu procu-
rar uma fonoaudióloga e ela su-
geriu que fosse feita a audiome-
tria. Fizemos alguns testes e foi
constatado que o Daniel tinha
uma surdez de moderada a seve-
ra. Foi indicado uso de apare-
lhos auditivos. Essa notícia é
muito dolorosa. Assim que che-
ga para a família, a gente passa
um bom tempo lutando contra
essa dor, chorando e buscando
uma resposta, mas a gente se
adapta e não dá para ficar para-
do”, lembra.
No ano passado, Daniel acor-
dou um dia sem ouvir nada.
“Ele dormiu ouvindo e acordou
totalmente surdo. Nós já tínha-
mos um acompanhamento
médico e prosseguimos com a

cirurgia para o implante co-
clear, numa das orelhas. Na ou-
tra, ele ainda está com aparelho
auditivo, sendo um usuário bi-
modal”, afirma Simone Silva.
Para Daniel, que é dependen-
te realmente do áudio, a comple-
mentação visual é muito impor-
tante nas aulas online. “A maior
dificuldade com certeza é o áu-
dio, porque a maioria das aulas
tem muitos vídeos e áudios das
professoras falando com os alu-
nos. Nem sempre o sinal de in-
ternet ajuda. Em casa, durante
as aulas, a gente tenta também
deixar um ambiente silencioso,
com o mínimo de ruído possí-
vel, para ele ficar mais atento à
aula. O primordial é que tenha
uma pessoa da família, mãe, pai,
irmão, que fique ao lado dessa
criança, que ajude e fique fazen-
do essa ponte entre ela e a esco-
la, às vezes, repetindo coisas
que você percebe que ela não
entendeu. É preciso que a famí-
lia ampare”, acrescenta.
Na avaliação da escritora Lak
Lobato, que também tem defi-
ciência auditiva, é preciso desta-
car as diversas realidades de
crianças surdas e que estão parti-
cipando das aulas online na qua-
rentena. “Tem pais que conver-
sam com as escolas para pensar
em alternativas, como receber o
conteúdo em PDF, e ensinam
com o professor. Outros que bus-
caram acessórios para melhorar
o áudio e a criança conseguir
acompanhar melhor. Outros sen-
tam para ter aulas junto. E outros
preferiram ignorar o currículo e
ensinar por conta própria. Tam-
bém fiquei sabendo de gente que
desistiu do ano escolar porque o
aluno não conseguia aprender e
pais não tinham conhecimento
para ensinar”, diz ela.
Segundo Lak, criatividade e
reinvenção é o ponto-chave.
“Mas, sobretudo, é uma oportu-
nidade de conhecer de perto as
necessidades de seu filho, ver
como ele aprende e buscar alter-
nativas para isso. Não ter vergo-
nha de conversar com a escola e
cobrar ajuda para contornar o
possível obstáculo. E até não
ter medo de improvisar solu-
ções. Minhas lives, por exem-
plo, são legendadas e é uma gam-
biarra de filmar a tela do compu-
tador usando um programa que
transcreve a fala. Não fica per-
feito, mas ajuda”, conclui.

EM DOBRO


DESAFIOS

Para as crianças que têm deficiência auditiva, assistir a videoaulas pela internet, recurso


recorrente durante a quarentena, exige ainda mais empenho e concentração


Fica aí


l]


T


alvez você nunca tenha parado
para pensar nos atributos que
transformam um simples pica-
dinho em um prato excepcional. A car-
ne tem de ser cortada em pedaços miú-
dos, macia, suculenta e bem regada
(mas não afogada) por molho escuro,
espesso e cheio de sabor; o arroz, solti-
nho; o feijão, bem temperado com cal-
do encorpado, e a farofa, crocante. O
ovo pode ser frito com a gema mole ou
pochê, desde que a gema escorra se es-
palhando pelo prato. E ainda tem a ba-
nana frita, a couve fatiada fininha, leve-
mente refogada. O pastel não é obriga-
tório, mas se comparecer, que esteja

sequinho e crocante. Provei vários dis-
poníveis para o delivery em São Pau-
lo, com preços de R$ 50 a R$ 66. Dis-
pensei os famosos com preços exorbi-
tantes. Eis os meus favoritos.

Carlota. Saboroso, com a carne corta-
da na ponta de faca, molhinho feito
com caldo de carne, roti de mocotó e
aparas de carne. Vem com arroz inte-
gral, ovo pochê, farofinha de farinha de
mandioca com castanha-do-pará, ce-
bola roxa e manteiga, pastel de queijo e
couve finíssima, crocante e deliciosa.
Porção farta (R$ 50), com entrega pró-
pria (3661-9465 e 98225-6030).

O melhor: a carne, super macia, le-
vemente picante e a couve crocante.
O pior: o pastel não viajou bem. Sabo-
roso e sequinho, mas chegou murcho.

Maní. São cubos miúdos de filé mig-
non e milho verde. O molho leva cerve-
ja, molho inglês, redução de vinho do
Porto e caldo de carne. Vem com uma
farofinha de flocos de milho e farinha
de pão, puxada no azeite de bacon com
cebola. A couve é fininha, refogada em
azeite com alho, mas delicada. Vem ain-
da arroz jasmin e ovo frito de gema mo-
le. Não tem feijão, em compensação,
tem um delicioso purê de abóbora com
gengibre. Porção farta (R$ 62; peça pe-
lo iFood ou para retirar).
O melhor: sabor e textura da carne,
e o purê de abóbora.

O pior: não tem feijão

Charlô. Apresentação linda, carne
macia, molhadinha em molho escuro
de sabor delicado. Vem com arroz, fei-
jão preto bem temperado, uma farofi-
nha saborosa de flocos de milho com
bacon, bem crocante, e ainda couve
refogada, banana fresca e ovo pochê
(R$ 66, entrega própria e iFood).
O melhor: sabor da carne
O pior: rodelas de banana fresca e
ovo pochê colocados juntos na mes-
ma embalagem se encharcaram.

Jiquitaia. Não é um picadinho con-
vencional, tem personalidade própria,
feito com maminha levemente curada
(como carne de sol) pelo chef Marcelo
Corrêa Bastos. É rústico, simples, com

cubos grandes de carne, cubinhos de
tomate, salsinha e bastante caldo. Vem
com arroz branco e feijão carioca, tem-
perado com coentro, ovo frito e farofa
de cenoura, macia (R$ 50; 3262-2366).
O melhor: o estilo rústico do prato.
O pior: tem menos acompanhamen-
tos que as outras casas selecionadas.

Ici. Cubos grandes de carne, caldo
encorpado, saboroso. Vem com arroz,
feijão, farofa de farinha de mandioca,
rodelas de banana empanada, ovo frito
de gema mole e pastel de queijo (com-
prido, fininho, marca da casa). R$ 62,
entrega via Rappi e iFood.
O melhor: o pastel fininho, bem re-
cheado de queijo, viajou bem.
O pior: feijão de caldo ralo tempera-
do com alho além da conta.

FALAS SIMULTÂNEAS
PODEM CONFUNDIR

QUEM USA
IMPLANTE COCLEAR

Apoio familiar. Maurícyo, de 11 anos, assiste aos conteúdos na companhia da mãe

Escritora. Para Lak Lobato, momento pede criatividade

FOTOS ACERVO PESSOAL

Patrícia Ferraz

Os melhores picadinhos


Na rede. Daniel, de 7 anos, usa aparelho auditivo desde os 2

Adaptação. Superadas as dificuldades iniciais, Joana, de 8 anos, acompanha bem as aulas

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