O Estado de São Paulo (2020-05-13)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-4:20200513:
A4 QUARTA-FEIRA, 13 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


COLUNA DO


ESTADÃO


Política


»Fechando... Diante do
perigo, a estratégia do go-
verno é concentrar forças
no ponto onde todos os fu-
racões devem convergir fu-
turamente: o Congresso.

»...a casinha. Fica cada
vez mais claro o motivo
dos movimentos mais re-
centes. A Coluna apurou
que pelo menos dez minis-
térios, ou seja, praticamen-
te metade da Esplanada,
têm cargos em negociações
com partidos do Centrão.

»Cálculo. No melhor dos
mundos para o governo, ele
espera ter entre 200 e 250
votos no Congresso, o sufi-
ciente para manter Bolsona-
ro na Presidência até o fim
do atual mandato.

»Coxia. Líderes do Cen-
trão preferem os cargos de
segundo e terceiros es-
calões porque poderão de-
ter muitos recursos sem
precisar mostrar a cara no
governo. Ainda não há
100% de confiança de ne-
nhum dos dois lados.

»Pega mal. Os novos alia-
dos de Bolsonaro avaliaram
que o conteúdo do vídeo da
famosa reunião ministerial,
se for confirmado, pode ge-
rar constrangimentos.

»Pega mal 2. Esses deputa-
dos evitaram tecer comentá-
rios sobre o episódio, mas
demonstraram preocupação
em privado. Porém, ele não
deve, por enquanto, enfra-
quecer a amizade entre o
grupo e o governo.

»Contra a grilagem. Apre-
sentada pelo deputado Vi-
nícius Poit (Novo-SP),
emenda à MP da regulariza-
ção de terras estipula pena
de cinco anos de reclusão e
multa para quem apresen-
tar declaração falsa para a
regularização fundiária de
terras da União e do Incra.
A mudança pode ajudar a
viabilizar a votação.

»Alerta. O vídeo da surpre-
sa de Nelson Teich ao ser
informado do decreto de
Jair Bolsonaro classificando
como serviços essenciais
salões de beleza e acade-
mias viralizou também en-
tre secretários de Saúde.

»Alerta 2. Apesar da ges-
tão de Teich na Saúde não
ser vista como operante e
eficiente, secretários enten-
dem que, sem ele, a pasta
poderia parar de vez.

»Relax. Ao menos por en-
quanto, no entorno do mi-
nistro, não há qualquer ex-
pectativa de confronto dele
com o presidente.

»Repulsa. O Observatório
Judaico dos Direitos Huma-
nos no Brasil “Henry So-
bel” repudiou o uso pela
Secom de Bolsonaro de fra-
se análoga ao tenebroso “ar-
beit macht frei” (“o traba-
lho liberta”), lema nazista.

»Repulsa 2. “Essas mani-
festações mereceram o re-
púdio da sociedade civil, no
Brasil e no exterior.” O ob-
servatório cita o Talmud:
“Todo lugar só é bom para
os judeus se for bom para
todos os que o habitam”.

COM MARIANA HAUBERT E
MARIANNA HOLANDA

U


m aspecto da atual crise política (descontada a pan-
demia) é capaz de tornar a vida de Jair Bolsonaro
ainda mais complicada do que a de seus antecesso-
res, também fustigados por tempestades quando estavam
na Presidência: agora, as nuvens negras avançam em mui-
tas frentes, várias no STF, onde, além do inquérito sobre
as acusações de Sérgio Moro, existem ainda apurações
tocadas por Alexandre de Moraes (ataques à democracia
e gabinete do ódio) e a ocultação dos exames do presiden-
te. Muitos flancos desprotegidos para pouca retaguarda.

Muitos flancos e uma


retaguarda: o Centrão


ALBERTO BOMBIG
TWITTER: @COLUNADOESTADAO
[email protected]
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/COLUNA-DO-ESTADAO/

Maioria dos Estados
é contra reabrir salões

e academias. Pág.A


Coronavírus


Bolsonaro ligou troca na


PF à família, dizem fontes


Presidente admitiu necessidade de mudança na superintendência do Rio porque filhos


estavam sendo ‘perseguidos’, segundo pessoas que assistiram a vídeo de reunião ministerial


O presidente Jair Bolsonaro
admitiu, na reunião ministe-
rial de 22 de abril, a necessi-
dade de trocar o superinten-
dente da Polícia Federal no
Rio para defender a sua famí-
lia, que estaria sendo “perse-
guida”, de acordo com rela-
tos de pessoas que acompa-
nharam ontem a exibição de
um vídeo com a íntegra do en-
contro. Segundo investigado-
res, Bolsonaro reclamou que
a PF não lhe repassava relató-
rios de inteligência e disse
que não poderia ser sur-
preendido com diligências.
O vídeo da reunião, ocorrida
no Palácio do Planalto, foi apre-
sentado a integrantes da PF, da
Procuradoria-Geral da Repúbli-
ca e ao ex-ministro da Justiça
Sérgio Moro, que estava acom-
panhado de advogados. Naque-
le dia, logo depois de citar a fa-
mília, Bolsonaro afirmou, em
tom irritado – sempre confor-
me relatos –, que trocaria a supe-
rintendência fluminense da PF,
chamada por ele de “segurança
do Rio”.
Moro deixou o governo dois
dias após essa reunião, acusan-
do Bolsonaro de interferir na
PF. A gravação está sob sigilo
temporário, decretado pelo mi-
nistro do Supremo Tribunal Fe-
deral Celso de Mello, e faz parte
de investigação que, dependen-
do do resultado, pode levar à
abertura de processo de impea-
chment contra o presidente.
A reunião durou cerca de

duas horas e foi marcada por pa-
lavrões, briga de ministros,
anúncio de distribuição de car-
gos ao Centrão e ameaça de de-
missão “generalizada”, feita por
Bolsonaro, a quem não adotas-
se a defesa de pautas do gover-
no, como mostrou o Estadão.
O ministro da Educação,
Abraham Weintraub, também
conforme relatos, defendeu a
prisão de ministros do Supre-
mo durante o encontro, convo-
cado para discutir o Plano Pró-
Brasil e que teve a presença de
presidentes de bancos públi-
cos. A gravação mostra Wein-
traub dizendo que “todos ti-
nham que ir para a cadeia, come-
çando pelos ministros do STF”.
Como Bolsonaro, o ministro é
alvo de inquérito que tramita
na Corte. A ação apura se Wein-
traub cometeu racismo ao fazer
declarações sobre a China.
Bolsonaro negou que tenha
dito palavras como “Polícia Fe-
deral”, “investigação” e “supe-
rintendência” na reunião de 22
de abril (mais informações na
pág. A8). “Vocês vão se sur-
preender quando esse vídeo
aparecer”, afirmou ele, na ram-
pa do Planalto. “Nunca estive
preocupado com a Polícia Fede-
ral.” À noite, no Twitter, o presi-
dente voltou ao assunto: “Qual-
quer parte do vídeo que seja per-
tinente ao inquérito, da minha
parte, pode ser levado ao conhe-
cimento público”. O Estadão
não teve acesso à integra do ví-
deo, que foi exibido ontem no

Instituto Nacional de Crimina-
lística da PF, em Brasília.
Na reunião, Bolsonaro cha-
mou o governador de São Pau-
lo, João Doria (PSDB), de “bos-
ta” e pessoas do governo do Rio
de “estrume”, de acordo com
fontes. O presidente teria afir-
mado, ainda, que não divulgaria
a “porcaria” do exame de coro-
navírus sob o argumento de que
isso poderia, eventualmente, le-
var a um processo de impeach-
ment (mais informações na pág.
A11). O Estadão entrou na Justi-
ça para pedir que o presidente
torne públicos os resultados de
seus testes para covid-19.
“Qual o motivo do impeach-
ment por causa de exame de co-
ronavírus?”, perguntou o presi-
dente, ontem, na portaria do Pa-
lácio da Alvorada. “Querer cas-
sar um presidente que não tem
mácula de corrupção não tem
cabimento, meu Deus do céu.”

Moro disse ontem, em nota,
que o vídeo da reunião ministe-
rial confirma o conteúdo do seu
depoimento à PF, em relação à
tentativa de interferência na
corporação. “Motivo pelo qual
deixei o governo”, observou o
ex-juiz, defendendo a divulga-
ção do vídeo na íntegra.
“As declarações feitas na reu-
nião foram evidenciadas, tam-
bém, pelos fatos posteriores: de-
missão, sem motivo, do dire-
tor-geral da PF, troca do supe-
rintendente da PF no RJ, além
da minha própria exoneração
por não concordar com as mu-
danças”, escreveu Moro.

Isolamento. A gravação da reu-
nião mostrou ainda, conforme
relatos dos presentes, a minis-
tra da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, Damares Al-
ves, defendendo a prisão de pre-
feitos e governadores que ha-
viam decretado a prisão de pes-
soas que descumprissem medi-
das de isolamento social deter-
minadas por Estados e municí-
pios para combater a pandemia
do novo coronavírus.
Procurada, Damares disse,
por meio de sua assessoria, que
pediu a punição de prefeitos e
governadores no contexto da
violação de direitos humanos.
A assessoria de Weintraub, por
sua vez, afirmou que ele não iria
se manifestar. / FAUSTO MACEDO,
ELIANE CANTANHÊDE, PEPITA
ORTEGA, PAULO ROBERTO NETTO e
JUSSARA SOARES

»SINAIS
PARTICULARES.
Jair Bolsonaro,
presidente da
República

Janaína Paschoal

A


principal conclusão sobre a reunião ministerial de 22
de abril é de que o ex-ministro Sérgio Moro tem o con-
trole da situação e da narrativa que pode levar à denún-
cia e a um processo de impeachment contra o presidente Jair
Bolsonaro. Moro lapidou seu temperamento frio e calculista
ao longo de 22 anos de magistratura e na Lava Jato e não mer-
gulharia numa aventura. Ele tinha bala na agulha. Ou melhor,
uma bomba atômica. Ao comunicar sua demissão do Ministé-
rio da Justiça, Moro falou da investida política de Bolsonaro
na PF e, na mesma noite, expôs a troca de mensagens em que o
presidente reclama das investigações contra dez ou doze de-
putados do PSL e diz: “mais um motivo para a troca ( na PF )”.

O golpe mais certeiro, porém, Moro reservou para o depoi-
mento à PGR e à PF, tratado erroneamente como tiro n’água
por bolsonaristas. Na realidade, ele foi estratégico e avassala-
dor. Enquanto frisava que jamais acusara Bolsonaro de cri-
me (medida preventiva contra denunciação caluniosa), Mo-
ro deu, sem histrionismo e adjetivos, como quem não quer
nada, todos os passos para as investigações. E dissimulou a
bala de prata: a reunião de 22 de abril.
Além de “confissão” e “prova material” da ingerência políti-
ca de Bolsonaro na PF por interesses pessoais, a reunião é
demolidora. Não como uma bomba, mas como várias que
vão explodindo aos poucos, dia a dia, com ironias contra a
China, sugestão de prisão de ministros do Supremo, governa-
dores e prefeitos e todos ouvindo o presidente admitindo,
despudoradamente, intervir na PF e demitir o ministro da
Justiça para proteger a própria família. Moro sabia exatamen-
te a bomba que tinha nas mãos. Não sobra pedra sobre pedra.

KLEBER SALES/ESTADÃO

BOMBOU NAS REDES!

l Motivação

Moro tem o controle da situação


e não sobra pedra sobre pedra


“Ainda que a tal reunião venha a confirmar o show
de horrores que vem sendo anunciado, crime, ao
que tudo indica, não há. E inquérito apura crime.”

Deputada estadual (PSL-SP)

»CLICK. Enfermeiros fize-
ram ato em Brasília pe-
las vítimas da covid-19 e
em defesa da saúde. Usa-
ram um boneco de Jair
Bolsonaro com as mãos
sujas de sangue.

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

GABRIELA BILÓ / ESTADÃO

“As declarações feitas
na reunião foram
evidenciadas, também,
pelos fatos posteriores:
demissão, sem motivo, do
diretor-geral da PF, troca
do superintendente da PF
no RJ, além da minha
própria exoneração por
não concordar com as
mudanças.”
Sérgio Moro
EX-MINISTRO DA JUSTIÇA

GOVERNO EM RISCO


Brasília. O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (no banco de trás) chega à sede da Polícia Federal para assistir à gravação

]
ANÁLISE: Eliane Cantanhêde
Free download pdf